A situação financeira de várias empresas foi subitamente agravada em decorrência da declaração pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11.03.20, de pandemia do novo coronavírus, Covid-19, e a decretação de estado de calamidade pública pela União Federal por meio do decreto legislativo 6 de 20.03.20, e de diversos Estados, como é o caso de Minas Gerais (decreto estadual 47.891 de 20.03.20), São Paulo (decreto estadual 64.879 de 20.03.20) e Rio de Janeiro (decreto estadual 46.984 de 20.03.20).
Em razão da declarada e notória situação de calamidade pública, diversas empresas se viram impossibilitadas de continuar a sua atividade produtiva, em face das medidas que têm sido adotadas para a contenção da propagação da Covid-19: isolamento social, quarentena, fechamento de estabelecimentos e locais públicos ou acessíveis ao público, tais como comércio em geral, setor de serviços e setores industriais considerados não essenciais. Com a paralisação do ciclo de produção, grandes empresas tiveram o seu fluxo de faturamento interrompido, com o consequente comprometimento da sua capacidade de cumprir as diversas obrigações financeiras e fiscais inerentes à atividade econômica.
Ciente das dificuldades que serão enfrentadas por diversos setores da economia, a União Federal editou a medida provisória 927/20, que prevê, no seu art. 191, o diferimento, pelo período de 03 meses, do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, com abrangência para todos os empregadores.
No âmbito do SIMPLES, o Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) aprovou a resolução CGSN 152, de 18.03.202, que prorrogou o prazo para pagamento dos tributos federais pelo período de 06 meses.
Ocorre que, até o momento, nenhuma medida foi adotada pelos Poderes Legislativo e Executivo, federais e estaduais, que preveja a suspensão e a prorrogação dos prazos para pagamento dos créditos tributários correntes devidos pelas empresas que não estão incluídas na sistemática do SIMPLES. Assim como os pequenos, as grandes e médias empresas também estão sofrendo os impactos da crise ocasionada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19), não apenas pela suspensão do funcionamento de seus estabelecimentos, mas também pela suspensão de diversos contratos e seus correspondentes faturamentos, o que afeta diretamente o seu fluxo de caixa.
Atualmente, devido à situação de calamidade pública e à crise de saúde que assola o mundo, as empresas foram forçadas, pelo bem comum, a entrar em inatividade, seguindo orientações dos entes governamentais (Estados e Municípios). Sem o desenvolvimento da atividade produtiva as empresas não detêm, neste momento, capacidade econômica e financeira de arcar com o pagamento das suas obrigações tributárias.
A situação demanda uma atuação positiva do Poder Judiciário, no sentido de dar concretude e efetividade ao princípio da capacidade econômica/contributiva (art. 145, §1º, da CF/88), mediante a concessão de liminares que assegurem a postergação do vencimento das obrigações tributárias, em face da comprovação da atual incapacidade financeira de pagar tributos pelos contribuintes.
As Teorias da Imprevisão e do Fato do Príncipe, aplicáveis aos contratos administrativos, também podem ser invocadas nesse momento, para justificar a postergação do pagamento dos créditos tributários vincendos, haja vista a sobrevinda de fatos novos, imprevisíveis, que impedem os contribuintes de cumprirem as obrigações tributárias correntes. Principalmente, porque as medidas de isolamento e quarentena são impostas pelos próprios órgãos estatais, como meio de preservação da saúde pública e garantia da preservação do bem comum.
O contexto de calamidade ruiu com o equilíbrio na relação entre contribuintes e Estado. E, o fato de a determinação para a paralisação das atividades empresarias ser justificada por motivos de força maior e de ordem pública, não torna razoável que todo o prejuízo decorrente dessa medida seja imposto, exclusivamente, ao setor empresarial, como será, se não forem adotadas medidas de mitigação dos prazos para cumprimento das obrigações tributárias, sopesando-se os interesses público e privado.
O pleito de diversas empresas, de prorrogação, por prazo determinado, do vencimento das suas obrigações correntes é justificado pela preservação do princípio da capacidade contributiva e pelas Teorias da Imprevisão e do Fato do Príncipe, como medida para equalizar e distribuir entre as partes envolvidas os ônus decorrentes da situação extrema e imprevisível ora vivenciada.
Preservar a atividade empresarial e assegurar a solvibilidade das grandes empresas é medida que atende aos interesses de toda a coletividade, uma vez que a postergação do prazo para cumprimento das obrigações tributárias correntes é um meio de preservar os postos de trabalho e o pagamento de salários e compromissos com a cadeia de fornecedores, assegurando que todos os envolvidos no ciclo produtivo não fiquem desamparados.
Zelar pela continuidade da empresa é medida que também dá efetividade à dignidade da pessoa humana, pois permite a preservação do pagamento de salários e dos postos de trabalho, dando concretude e efetividade ao direito social ao trabalho, previsto nos artigos 6º e 7º da CF/88.3
No cotejo entre o interesse fiscal e o dos empregados e fornecedores da empresa, deve prevalecer o segundo, em face da maior vulnerabilidade dos trabalhadores nesse momento de crise. É certo que a postergação do vencimento das obrigações tributárias não inviabiliza a existência do Estado, principalmente por se tratar de situação temporária e reversível.
Diante da pandemia e do estado de calamidade pública, não é razoável ou proporcional que as empresas sejam penalizadas pelo descumprimento da obrigação de arcar com as suas obrigações tributárias, sobretudo porque a mera prorrogação do vencimento dos créditos tributários não ensejará prejuízo definitivo à Administração Pública, já que todo o valor devido será integralmente quitado em data futura.
São fortes as razões que legitimam o pedido de postergação do prazo para cumprimento das obrigações tributárias correntes. Entendemos que o poder geral de cautela atribuído aos Juízos permite o deferimento de liminares nesse sentido, como meio de dar efetividade aos valores máximos assegurados pela Constituição (direito social ao trabalho, preservação da livre iniciativa e garantia do desenvolvimento nacional).
Em casos como o presente, diante da omissão dos poderes executivo e legislativo, é dever do Poder Judiciário assegurar às empresas contribuintes condições mínimas de transpor a grave crise econômica que assola o país, por meio da adoção de medidas que garantam a continuidade das suas atividades após esse terrível período.
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1 Art. 19. Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.
Parágrafo único. Os empregadores poderão fazer uso da prerrogativa prevista no caput independentemente: I - do número de empregados; II - do regime de tributação; III - da natureza jurídica; IV - do ramo de atividade econômica; e V - da adesão prévia.
2 Art. 1º Em função dos impactos da pandemia do Covid-19, as datas de vencimento dos tributos federais previstos nos incisos I a VI do caput do art. 13 e na alínea "a" do inciso V do §3º do art. 18-A, ambos da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, apurados no âmbito do Simples Nacional e devidos pelos sujeitos passivos ficam prorrogadas da seguinte forma:
I - o Período de Apuração Março de 2020, com vencimento original em 20 de abril de 2020, fica com vencimento para 20 de outubro de 2020;
II - o Período de Apuração Abril de 2020, com vencimento original em 20 de maio de 2020, fica com vencimento para 20 de novembro de 2020; e
III- o Período de Apuração Maio de 2020, com vencimento original em 22 de junho de 2020, fica com vencimento para 21 de dezembro de 2020.
3 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; [...] X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; - Destacou-se.
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