Migalhas Quentes

1ª turma do STF: Coaf pode enviar dados à polícia sem decisão judicial

Colegiado reafirmou tese fixada pelo plenário da Corte em 2019.

2/4/2024

Nesta terça-feira, 2, por unanimidade, a 1ª turma do STF manteve decisão do ministro Cristiano Zanin que validou envio de dados do Coaf – Conselho de Atividades Financeiras à polícia sem decisão judicial.

397558

No caso, que começou a ser julgado no plenário virtual, o ministro, com base no tema 990 do STF (RE 1.055.941), de repercussão geral, cassou decisão do STJ que havia considerado ilegais relatórios de inteligência do Coaf requisitados diretamente pela polícia, sem prévia autorização judicial.

Veja os destaques do julgamento:

Caso

O autor da reclamação é o MP/PA que questionava decisão do STJ, na qual a Corte da Cidadania proveu HC em afronta à decisão vinculante do Supremo (tema 990). Na oportunidade, o STJ entendeu que o compartilhamento de dados pelo Coaf só poderia ocorrer espontaneamente, e não a pedido da autoridade.

O STF, em 2019, ao julgar um recurso extraordinário, entendeu constitucional o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira e da íntegra de procedimento fiscalizatória da Receita Federal com órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 

Na tese, também foram previstos requisitos para o compartilhamento, o qual só poderia ser feito via meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos para apurar e corrigir eventuais desvios.

Pedido da agravante

No recurso analisado nesta tarde pela turma, a agravante sustentou que a reclamação não seria processualmente admissível, pois não se registrou, perante o STF, o exaurimento dos recursos possíveis de serem apresentados. 

Também pontuou a necessidade de diferenciar relatórios de inteligência financeira compartilhados de ofício pelo COAF daqueles requisitados por autoridade policial de modo específico, como fishing expedition

Aduziu, ainda, que de modo distinto ao afirmado por Zanin, as ilegalidades e atuação abusiva dos órgãos persecutórios foram apresentadas e analisadas pelas instâncias inferiores.

Ao final, requereu o provimento do agravo para a improcedência da reclamação, ou, subsidiariamente, a submissão do caso ao plenário do STF. 

Efeito multiplicador

Ao proferir voto, ministro Cristiano Zanin refirmou posicionamento pela validade das informações prestadas pelo Coaf, mesmo se inexistente a autorização judicial.

Zanin mencionou que em audiências com autoridades da PF, do BC e do Coaf, foram externadas preocupações acerca do "efeito multiplicador" do acórdão do STJ, que teria desconsiderado julgamento paradigma do STF. Dessa forma, o ministro justificou a razão pela qual, de forma excepcional, reconheceu a reclamação e admitiu que fosse levada para análise da turma em plenário, temendo o apontado "efeito multiplicador".

O Coaf apenas recebe, consolida e distribui informações, sem verificar a legalidade, destacou Zanin, afirmando que não se trata de um órgão de investigação, mas de cooperação. Assim, segundo o ministro, a exigência de autorização inviabilizaria a atuação do órgão. 

Ademais, considerou que o Coaf, com mais de 160 entidades financeiras, participa do "Grupo de Egmont", o qual possui princípios próprios. Portanto, a prevalência da decisão do STJ poderia acarretar, inclusive, graves implicações de direito internacional. 

Fishing expedition?

O ministro pontuou que, ao analisar os autos, verificou que o pedido de relatórios foi instaurado em 10/7/19 a partir de ofício do 1º promotor de Justiça de Crimes Contra a Ordem Tributária de Belém/PA, após indícios de mais de 50 crimes fiscais que poderiam gerar prejuízos milionários ao erário.

Assim, Zanin entendeu que o pedido foi feito ao Coaf após investigação prévia, não podendo ser considerado fishing expedition. 

Ao final, o ministro, negando provimento ao recurso, reafirmou a procedência da reclamação para cassar a decisão do STJ, e afastou ilegalidades na solicitação de dados feitas pela autoridade policial.

"Dá uma olhadinha aí"

Durante o julgamento, ministro Cristiano Zanin manifestou que a prática da pesquisa irregular por informações pessoais é conhecida pela expressão "dá uma olhadinha aí". 

Nesse momento, ministro Alexandre de Moraes ressaltou que tanto ele como ministra Cármen Lúcia, integrantes do TSE, foram "vítimas" dessa busca, mas que os interessados "deram azar porque não tem nada para encontrar".

S. Exa. pontuou que o "dá uma olhadinha aí" termina com um "mas não achou nada, mesmo?", em uma tentativa de "esticar" as buscas.

Veja o momento:

Fetiche moral

Ao acompanhar o voto de Zanin, ministro Flávio Dino concordou que o tema 990 do STF foi claro ao considerar constitucional o compartilhamento de relatórios do Coaf sem a obrigatóriedade de autorização judicial, consoante requisitos que atendem ao princípio da proporcionalidade. 

Ademais, ressaltou que a própria tese não afasta o controle jurisdicional, permitindo que seja, ao final, apurados e corrigidos desvios. O minsitro destacou que o que se afasta, inicialmente, é a "fetichização de que moralmente o juiz é superior às autoridades administrativas". 

Teratologia

Ministra Cármen Lúcia, ao votar, apontou o descompasso teratológico, ou seja, manifesto, entre o paradigma do STF e o julgado pelo STJ.

Como no caso analisado todos os requisitos estabelecidos pelo Supremo foram respeitados, foi possível o compartilhamento de dados. Assim, a autoridade do julgamento da Corte ficou comprometida, justificando, inclusive, o ajuizamento da reclamação. 

A ministra aproveitou para ressaltar que as reclamações vêm sendo apresentadas com recorrência no STF, e que, na realidade, é apenas uma "chave para garantir a autoridade dos julgamentos da Casa", não se tratando, portanto, "de gázua para abrir qualquer porta", referindo-se a uma ferramenta usada para abrir fechaduras sem a chave apropriada.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

Zanin valida envio de dados do Coaf à polícia sem decisão judicial

24/11/2023
Migalhas Quentes

STJ mantém provas do compartilhamento de dados entre Coaf e a PF

23/9/2021
Migalhas Quentes

Pescaria probatória: Judiciário é conivente com mecanismo ilegal

13/5/2021
Migalhas Quentes

STF: Receita e UIF podem compartilhar dados com o MP sem ordem judicial

28/11/2019
Migalhas Quentes

STF cassa decisão que julgou lícito Receita compartilhar com MP dados obtidos sem autorização judicial

7/5/2019

Notícias Mais Lidas

Em petição absurda, advogado ataca juíza: “resquícios de senzala”

20/3/2025

Gusttavo Lima pagará R$ 70 mil por número citado em música "Bloqueado"

18/3/2025

STF valida resolução do CNJ sobre jornada de trabalho no Judiciário

20/3/2025

STF forma maioria para negar recursos de Bolsonaro e Braga Netto

19/3/2025

Aluna da USP que desviou R$ 1 mi e tirou CRM fará exame psicológico

20/3/2025

Artigos Mais Lidos

Aumento do imposto sobre herança: O que fazer antes das novas regras

18/3/2025

Usucapião familiar – Proteção da propriedade e dignidade social

20/3/2025

Tese 1.198 do STJ: da aventura processual abusiva à desventura processual

18/3/2025

STJ: A singularidade entre o direito real de habitação e os direitos hereditários

19/3/2025

In dubio pro societate x standard probatório intermediário: Testemunho indireto e provas inquisitoriais na pronúncia

20/3/2025