In dubio pro societate x standard probatório intermediário: Testemunho indireto e provas inquisitoriais na pronúncia
A pronúncia exige um standard probatório intermediário, não meras suposições ou provas frágeis. O julgamento deve garantir solidez e justiça.
quinta-feira, 20 de março de 2025
Atualizado às 14:40
Muito se tem utilizado o princípio do in dubio pro societate para justificar decisões de pronúncia em casos de fragilidade probatória. Contudo, a questão central não é a existência ou não de dúvida, mas se o conjunto probatório alcançou o standard probatório intermediário exigido pelo artigo 413 do Código de Processo Penal.
Dados da pesquisa
Na pesquisa desenvolvida por mim, David Metzker, das 44.212 (quarenta e quatro mil duzentos e doze) concessões em habeas corpus e recursos em habeas corpus analisadas entre 1º de janeiro de 2023 e 28 de fevereiro de 2025 (em 2025 foram incluídos também os provimentos em Recurso Especial e Agravo em Recurso Especial), proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, 330 (trezentos e trinta) foram concedidas/providas à despronúncia do acusado com fundamento de que as decisões foram baseadas exclusivamente em provas colhidas na fase investigativa ou em testemunhos de "ouvir dizer". Essas concessões representam cerca de 14% das 2.315 decisões concessivas/provimento envolvendo o crime de homicídio no mesmo período, evidenciando a relevância do tema em julgados sobre crimes dolosos contra a vida.
Standard probatório intermediário na pronúncia
Nesse sentido, aprofundando no exame do que concerne a decisão de pronúncia, tem-se que seu padrão probatório não se confunde com o mínimo exigido para o oferecimento da denúncia, tampouco se equipara ao grau de certeza necessário para a condenação (além de qualquer dúvida razoável). Trata-se de um patamar intermediário, baseado na probabilidade de autoria.
Por vezes, acredita-se que a impronúncia só ocorre na ausência total de prova acusatória, como se bastasse qualquer prova para justificar a submissão do réu ao Júri. Contudo, a impronúncia é cabível mesmo quando existirem provas da acusação - já que para o recebimento da denúncia foi necessário analisá-las -, se estas não forem suficientemente robustas para alcançar o padrão intermediário exigido.
Essa foi a linha adotada pelo ministro Ribeiro Dantas no REsp 2.150.881, de 7/1/25, ao destacar que a pronúncia exige um standard probatório intermediário, diferente tanto do juízo de admissibilidade da denúncia quanto da certeza necessária para a condenação.
O in dubio pro societate e sua utilização indevida
É fundamental esclarecer a dinâmica da pronúncia diante da ampla utilização do brocardo in dubio pro societate, que sustenta que, em caso de dúvida, deve prevalecer o interesse da sociedade. Antes de tudo, é importante destacar que esse entendimento não possui previsão legal. Essa lógica frequentemente é aplicada de maneira automática, as vezes em razão do receio de se exceder na linguagem. No entanto, como bem destacou o ministro Ribeiro Dantas no AREsp 2.236.99431, esse argumento tem sido utilizado como um atalho argumentativo, um subterfúgio para evitar enfrentar a questão central: os elementos probatórios atingiram o standard intermediário ou não?
Não há que se falar em dúvida quando estamos diante do artigo 413 do CPP. O dispositivo estabelece que o juiz pronunciará o réu quando se convencer da existência de indícios suficientes de autoria e materialidade. Esse convencimento é incompatível com a dúvida, pois, se há dúvida, não há convencimento. A incerteza não pode coexistir com a convicção necessária para a pronúncia. Se o juiz não está convencido, deve impronunciar, pois a ausência desse convencimento impossibilita a submissão do réu ao Tribunal do Júri.
A pronúncia será adequada apenas quando o standard probatório intermediário for efetivamente atingido. Para isso, não basta qualquer elemento incriminatório, mas sim elementos incriminatórios suficientemente sólidos. Havendo concomitantemente elementos incriminatórios e não incriminatórios, a pronúncia somente será adequada se os elementos incriminatórios forem preponderantes. Se as provas não incriminatórias ou absolutórias predominam, ainda que exista algum indício, a impronúncia deve ser reconhecida.
O interesse da sociedade só pode prevalecer quando há duas versões com probabilidade razoável - tanto a acusatória quanto a defensiva -, mas desde que os elementos probatórios da acusação sejam preponderantes e robustos o suficiente para alcançar o standard probatório intermediário exigido pela pronúncia.
Ou seja, não basta que a versão acusatória apresente mais elementos. É necessário que esses elementos atinjam um patamar de suficiência probatória que justifique a submissão ao Júri.
Na prática, tem-se pronunciado réus apenas porque há algum elemento probatório em seu desfavor, subvertendo a lógica do sistema bifásico do júri. A pronúncia não pode ser um mero despacho de encaminhamento ao Tribunal do Júri.
O propósito da primeira fase do procedimento do júri é justamente filtrar os casos que devem ser levados ao julgamento popular, evitando que alguém seja enviado ao Tribunal do Júri com provas frágeis.
Até mesmo em outros ordenamentos jurídicos, como nos Estados Unidos, há uma análise mais aprofundada dessa questão. O Grande Júri, por exemplo, verifica se há probabilidade suficiente para que o acusado seja submetido a julgamento.
Uma analogia com o futebol
Em algumas competições, existe a regra do gol qualificado, em que um gol marcado fora de casa tem um peso maior do que um gol marcado em casa. Isso faz com que, em certas situações, um time com desempenho inferior consiga a classificação mesmo tendo sofrido mais gols, apenas porque marcou um único gol como visitante.
O que ocorre na prática da pronúncia é algo similar: um elemento probatório frágil ou isolado acaba sendo "qualificado" e sobrevalorizado, permitindo que a acusação leve o réu ao Júri mesmo quando há preponderância de provas não incriminatórias ou absolutórias. A pronúncia, no entanto, deveria atuar como um filtro, impedindo a submissão do réu ao julgamento popular sem um lastro probatório adequado.
Não se trata apenas da inexistência de provas, mas da inadequação daquelas que são frágeis e insuficientes para alcançar o padrão intermediário exigido nesta fase processual.
O ARE 1.067.39242, julgado pelo STF, tratou exatamente desse ponto: a preponderância da prova acusatória em relação a um conjunto probatório não incriminatório. Naquele caso, o in dubio pro societate foi utilizado para atribuir um peso superior a um único elemento probatório, em detrimento de diversas outras provas mais coerentes e robustas.
Na mesma linha adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que destacou a necessidade de preponderância das provas não incriminatórias sobre elementos frágeis da acusação, o STJ também recentemente decidiu no HC 878.790/ES, de relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior (julgado em 18/03/2025), que não basta haver depoimentos indiretos ou especulativos para justificar a pronúncia, especialmente quando existem indícios mais consistentes apontando autoria diversa. Nesse julgado, ficou demonstrado que havia maior preponderância probatória em relação a outro suspeito, circunstância que afasta a submissão do acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri, evidenciando a necessidade de se respeitar o standard probatório intermediário previsto no art. 413 do CPP.
Não se pode utilizar o in dubio pro societate para atribuir suficiência artificialmente a elementos probatórios que, por si só, não atingem o padrão intermediário exigido para a pronúncia. O que se tem, na prática, é um raciocínio invertido: ao invés de analisar se os indícios preenchem o standard probatório adequado, presume-se que o in dubio pro societate é suficiente para suprir essa deficiência.
O REsp 2.159.027/PR, de relatoria do Min. Otávio de Almeida Toledo (DJe 18/02/2025), abordou a questão do standard probatório aplicável na fase de pronúncia, destacando que o juízo de admissibilidade da acusação exige indícios suficientes que comprovem a existência de autoria, e não uma hipótese remota. O julgamento afastou a aplicação do princípio do in dubio pro societate, considerando-o inaplicável à fase da pronúncia, pois a acusação precisa ser robusta o suficiente para justificar a submissão do réu ao Tribunal do Júri.
Da mesma forma, no REsp 2.091.647/DF, de relatoria do ministro Rogerio Schietti (DJe 03/10/2023), decisão paradigmática da 6ª turma, foi enfatizado que a pronúncia exige um standard probatório suficiente que não se baseie em provas frágeis ou testemunhos indiretos. O julgamento afastou a pronúncia ao entender que a simples presença de elementos circunstanciais e depoimentos de segunda mão não eram suficientes para comprovar a autoria, reforçando a necessidade de probabilidade elevada, mas não de certeza absoluta.
Portanto, resta claro que não se pode valer de testemunhos indiretos ou provas colhidas na fase inquisitorial para alcançar o padrão probatório necessário para submeter o réu a júri.
Provas inquisitoriais
Quanto às provas colhidas exclusivamente na fase inquisitorial, diante do previsto no art. 155 do CPP3, não há dúvidas quanto a usa inutilização. O ministro André Mendonça, ao julgar o RHC 230.951 (DJe 05/09/2023), ressaltou que a decisão de pronúncia deve atender a um standard probatório superior ao mero juízo de admissibilidade da denúncia, exigindo um grau considerável de probabilidade de culpa, e não apenas a possibilidade abstrata de autoria.
Como bem pontuou o ministro , se os elementos colhidos na fase investigatória fossem, por si sós, suficientes para a submissão do acusado ao Tribunal do Júri, não haveria sequer necessidade da primeira fase do procedimento do júri. Bastaria ao magistrado acolher a denúncia e remeter o caso diretamente ao Plenário, o que esvaziaria a função do judicium accusationis como filtro processual essencial à garantia da justiça penal.
Testemunhos indiretos
Em análise aos testemunhos indiretos ("ouvir dizer"), se tem que esse tipo de prova não pode, por si só, ser considerado suficiente para alcançar o standard probatório intermediário exigido para a pronúncia. A utilização de depoimentos indiretos e provas frágeis, sem a robustez necessária, faz com que o juízo de admissibilidade não seja atendido.
Ou seja, o testemunho indireto ou "hearsay testimony" detém de confiabilidade limitada, em razão da impossibilidade de o acusado exercer plenamente o contraditório sobre a fonte originária da informação.
Perspectiva Comparada
Nessa perspectiva, é relevante trazer ao debate o tratamento dado ao testemunho indireto, amplamente discutido na doutrina e jurisprudência norte-americana. O sistema jurídico dos Estados Unidos foi o berço da doutrina e jurisprudência sobre o testemunho indireto (hearsay testimony), sendo que a regra geral estabelecida pela hearsay rule (regra 802 das Federal Rules of Evidence) prevê que esse tipo de testemunho é, em princípio, inadmissível devido à impossibilidade de exercer plenamente o contraditório sobre a fonte originária da informação. Contudo, são previstas diversas exceções que permitem sua admissão sob condições específicas.
Sobre o tema, Ana Lara Camargo de Castro4 esclarece que, quanto à interpretação dos critérios de admissibilidade em processos criminais frente à Confrontation Clause (contraditório) da Sexta Emenda à Constituição Estadunidense, a Suprema Corte, em 2004, fez importante mudança paradigmática no julgamento Crawford v. Washington, afastando-se do teste anteriormente estabelecido no precedente Ohio v. Roberts (1980). Em Roberts, o teste para admissibilidade de declarações de pessoas indisponíveis era: (1) se encaixassem em uma exceção fortemente sedimentada à regra de hearsay; ou (2) se contemplassem garantias específicas de credibilidade.
A autora esclarece ainda que Crawford v. Washington restringiu expressivamente a admissibilidade dessas declarações extrajudiciais, permitindo-as apenas em duas hipóteses específicas: (1) se o declarante estiver indisponível e a defesa tiver tido oportunidade anterior de contraditório; ou (2) se o acusado deu causa à indisponibilidade do declarante (forfeiture by wrongdoing). Posteriormente, Davis v. Washington (2006) e Wharton v. Bocking (2007) esclareceram que as declarações sem caráter testemunhal passaram a contar com maior flexibilidade, conferindo maior discricionariedade às Cortes na análise da sua credibilidade.
É certo que, nos Estados Unidos, há diversas exceções à regra de inadmissibilidade do hearsay, tornando o tema muito mais complexo do que a mera noção de "ouvir dizer". Todavia, no Brasil, a discussão não se dá no campo da admissibilidade, mas sim da valoração da prova. A questão central é se os depoimentos enquadrados no conceito de hearsay possuem força probatória suficiente para atingir o padrão exigido para a decisão judicial em que estão sendo utilizados.
No Brasil, não há uma norma específica que proíba a produção de testemunho indireto. Aqui, a questão não está relacionada à admissibilidade, mas sim à valoração da prova, que deve ser feita conforme o sistema de persuasão racional previsto no art. 155 do Código de Processo Penal. A jurisprudência dos Tribunais Superiores firmou entendimento no sentido de que declarações indiretas ("ouvir dizer") não podem, isoladamente, sustentar decisões de pronúncia ou condenação, reafirmando a importância da robustez probatória nessa fase processual.
Problemas do testemunho indireto e o STJ
Verifica-se que no nosso ordenamento jurídico a tese de que essa prova não pode servir como base para fundamentar a pronúncia ou a condenação está amplamente consolidada nos Tribunais Superiores.
O REsp 2.143.469/SC, de relatoria do Min. Antonio Saldanha Palheiros (DJe 18/03/2025), anulou o julgamento pois restou demonstrado que as testemunhas mencionadas apenas "ouviram dizer" que o réu teria sido o mandante do crime, de modo que a prova dos autos consistia apenas em testemunho indireto, sendo inviável para sustentar a condenação.
O AREsp 2.813.965/ES, de relatoria do Min. Sebastião Reis Júnior (Dje 17/03/2025), anulou a decisão de pronúncia pois foi lastreada com suporte em diversos depoimentos de testemunhas, todas sem contato direto com o fato delitivo. Ressaltando que a aplicação do in dubio pro societate não deve servir para suprir a ausência de provas diretas.
Contudo, a atual controvérsia jurisprudencial reside no enquadramento de determinado testemunho como direto ou indireto quando a fonte da declaração extrajudicial original é identificada.
O testemunho indireto pode ocorrer de duas formas: sem identificação da fonte ou com identificação da fonte. No primeiro caso, sua natureza como mero boato é indiscutível. Todavia, quando há identificação da fonte, é necessário estabelecer alguns critérios para a sua avaliação.
No Superior Tribunal de Justiça, se tem duas vertentes sobre o que é um testemunho indireto e quais são seus efeitos quando há a identificação da fonte. Para a primeira, se a testemunha, na ação penal, relatar o que ouviu extrajudicialmente de outra pessoa, mesmo identificando-a, o testemunho ainda será indireto e insuficiente para justificar a pronúncia ou condenação.
Enquanto para a segunda, se a testemunha em juízo (geralmente um agente policial) relatar declarações extrajudiciais de terceiros não ouvidos na ação penal, seu depoimento pode fundamentar a pronúncia.
No HC 776.333/ES, de relatoria da Min Daniela Teixeira (Dje 19/06/2024), é possível verificar ambas as vertentes, já que o paciente foi despronunciado com fundamento de que a única testemunha ouvida em juízo, um policial civil, não presenciou o fato, apenas fez referencia a informação transmitida pelas vítimas, que foram ouvidas somente na esfera policial. Restando consignado que não se pode dar ao testemunho policial prestado presunção de veracidade, por ser um testemunho indireto, mesmo que tenha identificado a fonte.
No mesmo julgado, em voto vencido, os ministro s Reynaldo Soares da Fonseca e Joel Ilan Paciornik consignaram que o depoimento policial não poderia ser considerado mero hearsay testimony, já que houve precisa e particularizada indicação da fonte além de outros elementos de prova que confirmariam a versão apresentada.
No mesmo sentido do voto vencido, o AREsp 2.517.235/BA, de relatoria do Min. Og Fernandes (Dje 05/03/2025), manteve a decisão de pronúncia por considerar que estava devidamente fundamentada, com base na confissão do acusado foragido prestada na delegacia de polícia, a qual foi confirmada em juízo por meio do depoimento do policial responsável pela diligência.
O ministro Rogerio Schietti, no julgamento do referido recurso em sessão plenária, registrou em sua fala que, no caso em questão, o depoimento do policial é testemunho indireto, mas não meramente por ouvir dizer, pois foram indicadas as fontes, acompanhando a divergência inaugurada.
Apesar das diferentes interpretações sobre um mesmo fato, surgem questionamentos quanto à viabilidade de fundamentar uma decisão com base em um testemunho indireto que indica de forma precisa e detalhada a fonte. Nesse caso, seria suficiente apenas apontá-la, ou seria indispensável que a fonte fosse ouvida no contraditório judicial?
O ônus de trazer essas fontes devidamente qualificadas para prestar depoimento judicializado recai sobre o Ministério Público. O simples fato de uma testemunha indireta identificar a testemunha ocular não elimina as limitações inerentes a esse tipo de prova, especialmente no que se refere à impossibilidade de exercício pleno do contraditório e da ampla defesa.
Isso porque, a testemunha indireta ainda terá a confiabilidade limitada, em razão da impossibilidade de o acusado exercer plenamente o contraditório sobre a fonte originária da informação. Se há uma testemunha ocular dos fatos, é ela quem deve ser ouvida diretamente pelo juiz (art. 209, § 1º, do CPP5). Seu depoimento não pode ser substituído por declarações extrajudiciais ou pelos relatos de terceiros, sejam policiais ou não.
A omissão estatal quanto à produção dessas provas relevantes configura a perda de uma chance probatória, não podendo ser transferida ao réu a necessidade de enfrentar essas lacunas. Tais falhas devem resultar na fragilidade da acusação e, consequentemente, na decisão de impronúncia.
O grande problema dessa flexibilização é que ela inverte a lógica do contraditório e transfere à defesa um ônus probatório que pertence à acusação. Se a testemunha em juízo apenas repete uma declaração extrajudicial e não há oitiva da fonte original no processo, a defesa jamais teve a oportunidade de contraditá-la diretamente. O testemunho segue sendo indireto, ainda que a fonte tenha sido identificada. Admiti-lo como prova suficiente para a pronúncia significa permitir que um relato de "ouvir dizer" se transforme, na prática, em elemento determinante para a submissão ao Júri, violando o padrão probatório exigido na pronúncia.
No caso de a fonte identificada ter falecido, estar-se-á diante de uma prova irrepetível, ou seja, uma prova absolutamente impossível de ser produzida novamente perante o juízo. É importante não confundir essa situação com a hipótese em que o Ministério Público não consegue localizar a testemunha para ser ouvida em contraditório. Nessa última circunstância, a prova não se torna irrepetível, mas apenas deixa de ser reproduzida por uma falha na persecução acusatória.
Questão que é debatida no voto-vista do Min. Ribeiro Dantas, no HC 776.333/ES, ao enfatizar o papel do Estado no standard probatório da pronúncia ou da condenação, delimitando que se a máquina estatal não consegue cumprir essas exigências com a eficácia necessária para atingir o padrão probatório dessas decisões, a solução não é reduzir esse padrão para favorecer a acusação, mas sim reconhecer que a hipótese acusatória não foi comprovada.
Considerações finais
Em conclusão, a decisão de pronúncia deve ser pautada por um padrão probatório intermediário que assegure a solidez das provas apresentadas, sem que haja sua flexibilização para contribuir com a acusação. A utilização do princípio in dubio pro societate como justificativa para a submissão do réu ao Tribunal do Júri não pode substituir a necessidade de provas robustas e claras que atendam aos requisitos legais.
O debate sobre a validade do testemunho indireto revela a importância de respeitar os direitos do acusado, especialmente o contraditório e a ampla defesa, fundamentais para a construção de uma prova confiável. Quando a testemunha ocular está disponível, é imprescindível que seja ouvida diretamente, evitando que declarações extrajudiciais sejam utilizadas sem a devida oportunidade de confronto pela defesa.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem reafirmado que não basta a simples presença de provas incriminatórias, mas sim a qualidade dessas provas para que se justifique a pronúncia. O Ministério Público deve cumprir sua obrigação de apresentar elementos que alcancem o standard intermediário, e, quando isso não ocorre, a solução não pode ser a redução desse padrão, mas o reconhecimento da insuficiência da acusação.
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1 STJ; AREsp 2.236.994; Proc. 2022/0334959-4; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Ribeiro Dantas; Julg. 21/11/2023; DJE 28/11/2023
2 STF; ARE 1.067.392; CE; Segunda Turma; Rel. Min. Gilmar Mendes; Julg. 26/03/2019; DJE 02/07/2020; Pág. 32
3 Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
4 CASTRO, Ana Lara Camargo de. Hearsay Tropicalizado - A Dita Prova por Ouvir Dizer. Temas Jurídicos PDF. Disponível em: https://temasjuridicospdf.com/hearsay-tropicalizado-a-dita-prova-por-ouvir-dizer. Acesso em: [19/03/2025].
5 Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes. § 1o Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.