STJ: A singularidade entre o direito real de habitação e os direitos hereditários
STJ reafirma o direito real de habitação, mas admite sua relativização quando o cônjuge sobrevivente possui recursos suficientes para garantir sua moradia digna.
quarta-feira, 19 de março de 2025
Atualizado em 18 de março de 2025 11:03
O STJ, ao julgar o Resp 2.151.939/RJ (2024/0220696-4), trouxe à tona a discussão sobre a relação entre o direito real de habitação e os direitos hereditários, especialmente em face do estabelecido pelo artigo 1.8311, do Código Civil , e pela lei 9.278/962 (Lei da União Estável).
A decisão proferida expõe a importância do direito de habitação, em especial para aqueles que, muitas vezes, são deixados à margem em situações de sucessórias. Por outro lado, reafirma a exceção à essa regra de proteção, quando o imóvel for único e o cônjuge sobrevivente detiver recursos financeiros suficientes para assegurar sua subsistência e moradia digna.
No caso discutido no recurso especial em comento, dois irmãos ajuizaram ação de inventário argumentando que o direito real de habitação poderia ser mitigado em favor dos direitos de herança e de propriedade, visto que, além de receber pensão integral do falecido, que era procurador federal, com benefícios equivalentes aos dos procurados em atividade, possuía mais de R$ 400 mil em sua conta bancária, o que lhe permitiria morar em um imóvel de padrão equiparado ou superior ao deixado pelo marido.
A ministra Nancy Andrighi, relatora da matéria, ressaltou, em sua decisão, que o art. 1.831, do Código Civil, deve ser interpretado de modo que, como regra, o direito real de habitação seja garantido ao cônjuge sobrevivente, desde que cumpridos todos os requisitos legais, mas que esse mesmo direito pode ser relativizado em situação atípica, quando sua manutenção gerar prejuízos insustentáveis aos herdeiros e não se justificar diante das condições econômicas e pessoais do cônjuge sobrevivente.
Ainda em seu voto, a ministra destaca que o direito real de habitação é uma garantia importante na esfera sucessória, servindo como mecanismo de proteção ao cônjuge sobrevivente, assegurando-lhe seu direito constitucional à moradia e preservando a convivência no lar compartilhado com o cônjuge falecido.
Entretando, foi observado que esse direito não é absoluto e, em alguns casos, pode ser mitigado, sobretudo quando não atende à sua finalidade social, sendo necessário avaliar, em cada caso, a predominância do direito dos herdeiros em comparação com o direito do cônjuge sobrevivente.
Neste sentido, é imprescindível verificar caso a caso para a correta aplicação do direito real de habitação em face dos direitos sucessórios, examinando se a flexibilização da regra se faz necessária ao caso concreto.
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1 - "Art. 1831. Ao cônjuge sobrevivente , qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.".
2 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9278.htm
Laís Bianchi Bueno
Advogada no Braga & Garbelotti - Consultores Jurídicos e Advogados.