Migalhas Quentes

Empresa deverá indenizar funcionários por câmera instalada no banheiro

Foi constatado que a câmara estava conectada a uma televisão e um gravador de DVD instalados na sala de um dos sócios.

18/3/2013

Empresa de Feira de Santana/BA deverá indenizar em R$ 200 mil dois funcionários que denunciaram a existência de câmera instalada no banheiro unissex do prédio. A empresa, que pretendia ser absolvida da indenização fixada pelo TRT da 5ª região alegando ter sido extorquida pelos funcionários, teve provimento a agravo de instrumento negado pela 3ª turma do TST.

A reclamação trabalhista foi ajuizada na vara do Trabalho de Feira de Santana por um técnico de informática e uma assistente contábil. Segundo o técnico, em agosto de 2007 ele informou à gerente administrativa da empresa a suspeita de que havia uma câmera acoplada a um furo no teto do banheiro unissex da empresa, utilizado por cerca de 20 funcionários da área administrativa. No fim do expediente, constataram a existência da câmara e que ela estava conectada a uma televisão e um gravador de DVD instalados na sala de um dos sócios.

O fato foi comunicado ao outro sócio, irmão do primeiro, que anunciou aos empregados que o material encontrado seria queimado, "para preservação da intimidade das pessoas filmadas". Na noite do mesmo dia, ainda conforme a inicial, alguns funcionários, acompanhados do segundo sócio, encontraram na sala do primeiro "um verdadeiro arsenal pornográfico, muitos CDs, DVDs, revistas e outros tipos de mídias". O material foi reunido e incinerado num tonel de ferro.

Ao perceber que a empresa havia dado o caso como encerrado, o técnico e a assistente recorreram à Justiça e pediram a rescisão indireta do contrato de trabalho, alegando que o empregador "praticou ato de obscenidade e pornografia nas dependências da empresa" e, com isso, "lesionou a honra e a boa fama" de seus empregados. Pediram, ainda, indenização por danos morais no valor de 2.106 salários mínimos para a assistente e 1.843 salários mínimos para o técnico.

O episódio deu origem a dois inquéritos policiais. No primeiro, um grupo de funcionários pediu à autoridade policial "para tomar as providências penais cabíveis". A empresa, por sua vez, acionou a polícia afirmando que os empregados, "imbuídos do propósito de ganharem dinheiro fácil", teriam tentado extorquir R$ 600 mil e, sem obter sucesso, recorreram à JT.

Ao analisar o caso, a juíza de Direito da 3ª vara do Trabalho de Feira de Santana concluiu que as afirmações dos trabalhadores à polícia estavam "em frontal contradição" com os fatos narrados na reclamação trabalhista, uma vez que eles admitiram, nos interrogatórios policiais, ter negociado valores para uma possível reparação extrajudicial. Além disso, a conduta dos dois, descrita nos documentos da polícia, revelava a tentativa de "obtenção dolosa de vantagem de qualquer ordem", caracterizando ato de improbidade previsto no artigo 482, alínea "a", da CLT como motivo para justa causa.

A juíza julgou improcedentes os pedidos de dano moral e de rescisão indireta do contrato. A condenação à empresa se limitou a férias vencidas, 13º proporcional e multa por atraso no pagamento de verbas rescisórias.

No recurso ao TRT da 5ª região, os trabalhadores anexaram sentença da 2ª vara Criminal de Feira de Santana (posterior à sentença trabalhista) que determinou o arquivamento do inquérito por tentativa de extorsão. A magistrada entendeu que os fatos que deram origem ao inquérito não caracterizaram o crime de extorsão. "A simples ameaça de um processo ou de instauração de inquérito policial, em regra, não caracteriza a ação criminosa", concluiu.

No julgamento do recurso, o TRT da 5ª região afirmou que a existência da câmera no banheiro já caracterizaria a violação à intimidade, à honra e à vida privada dos trabalhadores. A versão da empresa de que a câmera teria sido colocada pelos empregados não foi provada, assim como a alegada tentativa de extorsão. Outro aspecto destacado pelo Tribunal foi o fato de a empresa, ao receber as denúncias, não ter investigado o fato nem os denunciado à polícia, conduta considerada "reprovável". O acórdão fixou a condenação em R$ 200 mil e reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho.

A empresa interpôs agravo de instrumento. Afirmou que o valor da condenação foi desproporcional porque, em ação idêntica, outra empregada recebera apenas R$ 10 mil. Os R$ 200 mil arbitrados correspondiam, segundo a empresa, a mais de 28% de seu capital social, e isso, somado ao número de trabalhadores que usavam o banheiro e poderiam reclamar indenizações, poderia levá-la à falência.

Para o relator, ministro Alexandre Agra Belmonte, não há dúvida de que a queima do material encontrado na sala do primeiro sócio gera a presunção de que as provas estavam ali – e não em poder dos trabalhadores para fins de extorsão. A circunstância, segundo ele, é incompatível com os argumentos da empresa "de desconhecimento da prática voyeurista por seu sócio-irmão" e de ter sido vítima de uma farsa armada pelos empregados. "Afinal, aquele material era a prova não só da imoral vigilância, mas também do período em que ela se deu", afirmou.

Quanto à indenização, o ministro destacou que o fato de ter sido arbitrado valor inferior em outra ação não condiciona, vincula ou sujeita de qualquer forma a condenação no presente caso. O argumento do risco de falência também foi afastado. "Embora seja certo que em 2003 o capital social da empresa era mesmo de R$ 700 mil, não há prova de que seu patrimônio hoje coincida com o que foi declarado", ressaltou. Ainda que o fosse, Alexandre Agra assinalou que não se poderia estabelecer um "teto" para a indenização por conta da possibilidade de outros empregados ajuizarem ações semelhantes, "por absoluta ausência de previsão legal ou de razoabilidade para tal pretensão".

Veja íntegra do acórdão.

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