Possibilidade de alteração de beneficiário de VGBL e PGBL por meio de disposição testamentária - Planejamento sucessório
A lei estadual 7.174/15 e a jurisprudência recente destacam a possibilidade de alteração do beneficiário de VGBL e PGBL por testamento, promovendo segurança no planejamento sucessório.
sexta-feira, 21 de março de 2025
Atualizado em 20 de março de 2025 15:13
Introdução
Por ocasião da publicação da lei estadual 7.174/15, escrevi um breve artigo intitulado: "A Lei Estadual nº 7.174/2015, o nosso Ornitorrinco" a fim de demonstrar a inadequabilidade da cobrança do imposto de transmissão causa mortis sobre valores recebidos por meio dos planos PGBL - Plano Gerador de Benefício Livre - ou VGBL - Vida Gerador de Benefício Livre.
Já naquela época, defendi a tese que tanto o VGBL quanto o PGBL são planos de previdência privada complementar, que deveriam seguir as regras constantes do art. 202, da CF/88 e da LC 109/01, devendo-lhes, portanto, ser conferido a ambos o mesmo tratamento.
Dessa forma, esses instrumentos, em razão da sua idêntica natureza jurídica, conforme dito acima, com o falecimento do titular do plano, o valor transferido ao beneficiário não se enquadraria como fato gerador passível da incidência do inciso I do art. 155 da CF/88 nem nas regras atinentes à sucessão causa mortis.
Retrospectiva jurisprudencial
A lei estadual 7.714/15, publicada em 28/12/15, que dispõe sobre o imposto de transmissão causa mortis e doação, é de competência do Estado do Rio de Janeiro, e de acordo com a aludida lei, a cobrança do tributo incidirá sobre a transmissão de valores e de direitos relativos a planos de previdência complementar com cobertura por sobrevivência, estruturados sob o regime financeiro de capitalização, como, PGBL - Plano Gerador de Benefício Livre ou VGBL - Vida Gerador de Benefício Livre, para os beneficiários indicados pelo falecido ou pela legislação, a partir de 1º/7/16, conforme disposto no seu art. 23, transcrito abaixo:
"Art. 23. Na transmissão causa mortis de valores e direitos relativos a planos de previdência complementar com cobertura por sobrevivência, estruturados sob o regime financeiro de capitalização, tais como Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) ou Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), para os beneficiários indicados pelo falecido ou pela legislação, a base de cálculo é:
I - o valor total das quotas dos fundos de investimento, vinculados ao plano de que o falecido era titular na data do fato gerador, se o óbito ocorrer antes do recebimento do benefício; ou
II - o valor total do saldo da provisão matemática de benefícios concedidos, na data do fato gerador, se o óbito ocorrer durante a fase de recebimento da renda."
Após intensos e longos debates, além de muito dissenso, em 2019, o TJ/RJ declarou a inconstitucionalidade da cobrança do imposto causa mortis sobre o VGBL, reconhecendo sua natureza securitária, conforme o art. 794 do CC. No entanto, manteve a tributação sobre o PGBL, sob o entendimento de que este se caracteriza como uma espécie de poupança previdenciária.
Recentemente, em acórdão publicado em 8/1/25, decorrente do RE 1.363.013/RJ, o plenário do STF se antecipando ao que seria objeto do PLP 108/24, o que de certa forma provocou a retirada dessa pauta no mencionado PL, pôs fim a discussão, reconhecendo por unanimidade a repercussão geral da matéria, Tema 1.214 e firmando a seguinte tese: "é inconstitucional a incidência do ITCMD sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao VGBL e ao PGBL, na hipótese de morte do titular do plano".
Da alteração do beneficiário por disposição de última vontade
A partir dessa contextualização, chegamos ao cerne desse artigo, que é destacar o testamento como um importante instrumento de planejamento sucessório, quando o assunto é VGBL ou PGBL.
Quando contratamos perante a instituição financeira um VGBL ou PGBL, normalmente, já indicamos quem serão os beneficiários ou o beneficiário daquele valor acumulado, na hipótese do falecimento do titular do plano.
Com efeito, na falta de indicação do ou dos beneficiários no contrato, deverá prevalecer a regra contida no art. 1.829, do Codex.
O que pouco se conhece é que o art. 438, do CC, permite a alteração do beneficiário pelo titular do plano, por meio de disposição testamentária, desde que haja previsão contratual no instrumento que indicou terceiro como beneficiário, in verbis:
"Art. 438 - O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante.
Parágrafo único - A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última vontade."
Por sua vez, a obrigatoriedade de se estipular previamente no contrato dos planos de VGBL e PGBL a possibilidade de inclusão ou substituição dos beneficiários (que pode ser feita sem a anuência do outro contratante) tem por objetivo assegurar a proteção da previsibilidade contratual, em respeito ao princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), além de evitar conflitos sucessórios.
Contudo, verifica-se que, em regra, os contratos de VGBL e PGBL não preveem essa cláusula com a possibilidade de alteração dos beneficiários pela via testamentária. No entanto, esses contratos são caracterizados como contratos de adesão, portanto, sujeitos às normas do CDC, o que demandaria interpretações mais flexíveis sobre a possibilidade de alteração de beneficiário por meio de testamento.
Além disso, o testamento é inquestionavelmente um negócio jurídico de manifestação de última vontade, devendo ser respeitado e acatado.
Diante do que foi aqui exposto, quando seria importante prever essa mudança de beneficiário no testamento?
Imaginemos o seguinte cenário: pai contrata VGBL e indica como beneficiários os seus filhos e cônjuge. Se por um infortúnio do destino, todos falecem em um acidente, nesse caso, o valor acumulado seria transferido aos herdeiros legais.
Todavia, o titular do plano não quer que esse valor seja transferido a herdeiros colaterais, considerando que os seus ascendentes são pré-mortos. Por esse motivo, decide fazer um testamento determinando que, na falta dos seus filhos e cônjuge, o valor acumulado seja transferido a sua amiga, Maria das Couves. Frise-se que, nesse caso, a vontade do titular do plano não pode ser expressa no contrato de previdência privada, pois inexiste a possibilidade de se indicar beneficiários de forma condicionada, como demandaria a situação acima.
Considerações finais
A possibilidade de alteração de beneficiário do VGBL e PGBL por disposição testamentária é um tema relevante no planejamento sucessório, especialmente em cenários inesperados, como o exemplo acima mencionado.
Nessa situação, defende-se que, na ausência dos beneficiários originais, a transferência do valor do VGBL e PGBL para herdeiros nomeados em testamento deve ser admitida, mesmo sem previsão expressa no contrato. A evolução jurisprudencial e o reconhecimento do VGBL e PGBL como instrumento de previdência privada reforçam a necessidade de uma abordagem flexível e alinhada ao princípio da autonomia privada, garantindo maior segurança patrimonial aos contratantes.
Fernanda de Freitas Leitão
Tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro.