Procuradora exibe vídeo forte no STF e Toffoli adverte: "não deixaria"
Reportagem exibida retratava o incêndio no Edifício Andorinha, no Rio de Janeiro, em 1986, que vitimou 21 pessoas.
Da Redação
quinta-feira, 20 de março de 2025
Atualizado às 17:34
Na sessão plenária do STF desta quinta-feira, 20, a procuradora do Estado do Rio de Janeiro, Cristina Siqueira Dias, solicitou a exibição de um vídeo durante a sustentação oral. No entanto, as imagens eram tão chocantes que a reprodução foi interrompida antes do término. Ministro Dias Toffoli, relator da ação, advertiu que, se soubesse do teor do material, não teria permitido sua exibição.
O episódio ocorreu no contexto do julgamento da constitucionalidade das taxas de incêndio instituídas nos Estados do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Pernambuco.
O vídeo era uma reportagem da TV Globo sobre o incêndio ocorrido em 1986 no Edifício Andorinha, tragédia que vitimou diversas pessoas.
Diante da forte carga emocional das cenas, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, solicitou a interrupção da exibição.
"Doutora Cristina, podemos suspender a emissão, por favor", disse.
A procuradora justificou a escolha do vídeo ao afirmar que ele ilustrava a importância da estrutura do Corpo de Bombeiros e como a modernização da corporação poderia ter evitado parte da tragédia. "Se houvessem as estruturas que hoje existem, esse acidente, essas vidas poderiam ter sido muito menores do que demonstrado", afirmou.
O relator do caso, ministro Dias Toffoli, manifestou desconforto com a exibição das imagens e destacou que não tinha sido previamente informado sobre o conteúdo. "Se eu soubesse, eu não aceitaria", declarou, lembrando que o jornalista Armando Nogueira, ex-diretor da TV Globo, arrependeu-se de transmitir aquelas imagens no passado.
Veja o momento:
Edifício Andorinha
Em fevereiro de 1986, um incêndio de grandes proporções atingiu o Edifício Andorinha, localizado no centro do Rio de Janeiro.
O fogo foi causado por um curto-circuito em um aparelho de ar-condicionado no nono andar do prédio comercial, onde funcionava a empresa General Electric. A tragédia resultou na morte de 21 pessoas e deixou outras 50 feridas.
Os bombeiros chegaram rapidamente ao local, mas o combate às chamas só foi iniciado uma hora depois devido a problemas nos equipamentos. A situação se agravou com a falta de água nos hidrantes da região e a precariedade da estrutura de prevenção de incêndios do edifício. Em três horas, o fogo consumiu cinco andares.
O resgate das vítimas foi dificultado pela limitação das escadas Magirus dos caminhões dos bombeiros, que alcançavam apenas até o nono andar.
Nos andares superiores, pessoas tentaram escapar pelo terraço ou descer pelos cabos do elevador. Duas delas, desesperadas, se jogaram do 12º andar.
O então prefeito do Rio de Janeiro, Roberto Saturnino Braga, afirmou que os hidrantes nas proximidades do prédio não estavam secos, contradizendo informações passadas pelos bombeiros. O síndico do edifício, Coroacy de Oliveira, explicou que o portão de acesso ao terraço ficava trancado por questões de segurança, impedindo que mais vítimas conseguissem escapar pelo topo do prédio.
A cobertura jornalística foi intensa. Equipes de reportagem acompanharam o trabalho de resgate, o atendimento dos feridos nos hospitais Souza Aguiar, Andaraí e Miguel Couto, e os desdobramentos da tragédia.
No dia seguinte, a Globo noticiou as condições precárias de outros prédios comerciais na região, evidenciando o risco de novos incêndios.
O incêndio escancarou a fragilidade das normas de segurança contra incêndios nos edifícios do Rio de Janeiro. Reportagens posteriores mostraram que muitos prédios comerciais não contavam com equipamentos adequados para emergências, como escadas enclausuradas e portas corta-fogo.
A tragédia gerou ações judiciais contra o governo do Estado, o condomínio do edifício e a General Electric.
O edifício permaneceu interditado por oito anos até que, em 1993, sua demolição foi autorizada. No local, foi construída a Torre Almirante, concluída em 2005.
Indenização
Durante a sessão, ministro Luís Roberto Barroso mencionou que um conhecido, o advogado Eugênio Lyra Filho, morreu na tragédia.
O escritório do causídico localizava-se no 12º andar do prédio. Apesar de ter conseguido fugir, retornou para ajudar duas funcionárias e não resistiu às queimaduras.
A família de Eugênio moveu ação judicial contra a General Electric do Brasil.
A viúva argumentou que a propagação do incêndio ocorreu devido a falhas estruturais do edifício e à falta de equipamentos adequados para conter as chamas. Segundo ela, houve negligência na manutenção da parte ocupada pela GE e ineficiência no combate ao fogo em sua fase inicial.
Em 2001, o STJ condenou a empresa e o condomínio do edifício a indenizar a viúva e o filho de Eugênio, reconhecendo a responsabilidade pelo incidente. A Corte determinou o pagamento de pensão mensal à viúva e ao filho do advogado, correspondente a 2/3 do rendimento líquido da vítima.
Os ministros entenderam que a indenização deveria incluir o chamado "dano futuro", considerando que Lyra Neto, jovem advogado de classe média alta e sócio de um escritório especializado em direito tributário, teria um futuro profissional promissor.
- Processo: REsp 121.135