O juiz Federal Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª vara do DF, decidiu o mérito da ação popular ajuizada contra o Conselho Federal de Psicologia (CFP) com o objetivo de suspender os efeitos da resolução 1/99, que estabeleceu normas de atuação para os psicólogos em relação às questões relacionadas à orientação sexual.
Ele determinou que CFP que se abstenha de interpretar a resolução de modo a impedir os psicólogos, sempre e somente se forem a tanto solicitados, no exercício da profissão, de promoverem os debates acadêmicos, estudos (pesquisas) e atendimentos psicoterapêuticos que se fizerem necessários à plena investigação científica dos transtornos psicológicos e comportamentais associados à orientação sexual egodistônica. Além disso, estabeleceu que referida atividade psicoterapêutica seja reservada ao recinto estrito dos consultórios, sem qualquer propaganda ou divulgação de supostos tratamentos, com intuitos publicitários, respeitando sempre a dignidade daqueles assistidos.
“Embora integrantes de uma mesma minoria oprimida, não se pode confundir situações tão díspares: uma coisa é um homossexual realizado com sua orientação sexual, com seu ego plenamente sintonizado como as práticas homoeróticas; outra bem diferente é aquele egodistônico, em conflito ou indisposto com sua própria sexualidade, a também merecer o apoio e toda ajuda que o profissional da Psicologia possa lhe oferecer na busca de sua felicidade e plena realização pessoal.”
O juiz rejeitou o pedido de suspensão da resolução, “porquanto perfeitamente aplicável à proteção dos homossexuais egossintônicos”, na medida em que “licitamente impede a adoção de ações coercitivas tendentes a conduzi-los a tratamentos psicológicos por eles não solicitados”.
O magistrado ressaltou que o que se pretendeu na ação, desde o início, não foi a promoção da propalada “cura gay”, consistente na adoção de ações coercitivas tendentes a orientar homossexuais para tratamentos por eles não solicitados. E que questão posta em juízo resumiu-se em saber se é legítima, ou não, a restrição imposta pelo CFP aos psicólogos, a partir da interpretação dada à resolução 1/99, quanto à divulgação, ao atendimento ou à realização de pesquisas relacionadas aos transtornos psicológicos e comportamentais associados à orientação sexual egodistônica.
“Registre-se que, apesar da homossexualidade não ser uma doença, conforme já reiterado inúmeras vezes, a egodistonia é, sim, um transtorno psíquico devidamente catalogado na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a merecer a devida atenção da Psicologia e demais ciências do comportamento humano.”
Segundo os autores da ação, diz-se “egodistônico” para os aspectos do pensamento, dos impulsos, atitudes, comportamentos e sentimentos que contrariam e perturbam a própria pessoa. Por exemplo: a pessoa sente atração sexual por outras do mesmo sexo, porém, discorda desse jeito de ela própria ser. É o oposto do "egossintônico", cuja referência a comportamentos, sentimentos, ideias e crenças do indivíduo se encontram de acordo, em harmonia/sintonia com o seu eu (ego).
Histórico
A ação ganhou notoriedade quando, em setembro do ano passado, o magistrado concedeu tutela de urgência para que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) não privasse os psicólogos de estudar ou atender àqueles que, voluntariamente, buscassem orientação acerca de sua sexualidade.
A ação popular foi ajuizada por psicólogos que alegavam que a resolução 1/99 impedia os psicólogos de desenvolverem estudos, atendimentos e pesquisas científicas acerca dos comportamentos ou das práticas homoeróticas, constituindo-se, assim, em ato lesivo ao patrimônio cultural e científico do País, na medida em que restringe a liberdade de pesquisa científica assegurada a todos os psicólogos pela Constituição, em seu art. 5º, inciso IX.
Eles esclarecem que nunca foi a intenção divulgar ou propor terapias tendentes à reorientação sexual, até porque constitui papel do psicólogo no processo terapêutico apenas auxiliar as pessoas que buscam auxílio psicológico, e não tomar as decisões em seu lugar. Eles juntaram declarações afirmando que somente após a liminar concedida na presente ação alguns psicólogos deixaram de se sentir perseguidos por promoverem atendimentos a homossexualidade egodistônica, visto que antes daquela decisão diversos colegas de profissão tiveram seus registros profissionais cassados ou ameaçados pelo CFP.
Ao decidir o mérito, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho pontuou que não sendo a Psicologia uma ciência exata, mas tendo por objeto o comportamento humano, cuja complexidade e diversidade exsurge no estudo da respectiva sexualidade, o CFP não poderia fechar questão de forma contrária a uma determinada linha de pesquisa a ponto de proibir e punir a investigação científica e o atendimento de indivíduos egodistônicos, mesmo que no intuito de se evitar a discriminação e o aumento do preconceito.
“Constitui uma “imprecisão” do CFP dizer que não interfere na liberdade de pesquisa dos psicólogos que pretendam investigar eventuais transtornos psicológicos e comportamentais associados à orientação sexual egodistônica¸ uma vez que restringe tais atendimentos psicoterapêuticos apenas à promoção da aceitação da referida situação, sem possibilitar qualquer outra alternativa terapêutica. Com efeito, impedir tais atendimentos psicológicos inviabiliza qualquer pesquisa de campo dessa ciência comportamental.”
Em diversos pontos da decisão, ele frisou que não se deve confundir a homossexualidade, que por si só não constitui patologia, com os possíveis transtornos psíquicos e comportamentais associados à orientação sexual egodistônica, passíveis de tratamento.
Transexuais e travestis
No último dia 29, o Conselho Federal de Psicologia editou resolução (1/18) estabelecendo normas de atuação para as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis. O texto dispõe que os psicólogos, em sua prática profissional, atuarão segundo os princípios éticos da profissão, contribuindo com o seu conhecimento para uma reflexão voltada à eliminação da transfobia e do preconceito em relação às pessoas transexuais e travestis. Além disso, não exercerão qualquer ação que favoreça a discriminação ou preconceito em relação às pessoas transexuais e travestis.
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Processo: 1011189-79.2017.4.01.3400