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PGR: Direito ao esquecimento não pode limitar liberdade de expressão

Em parecer no caso de Aída Curi, Janot sustenta que não existe direito subjetivo a indenização apenas pela lembrança de fatos passados.

12/7/2016

“Não é possível, com base no denominado direito a esquecimento, ainda não reconhecido ou demarcado no âmbito civil por norma alguma do ordenamento jurídico brasileiro, limitar o direito fundamental à liberdade de expressão por censura ou exigência de autorização prévia. Tampouco existe direito subjetivo a indenização pela só lembrança de fatos pretéritos.”

A tese consta no parecer do procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, em caso que será analisado pelo STF sob o manto da repercussão geral.

Direito ao esquecimento na esfera cível

A isonomia permite a extensão do direito ao esquecimento às vítimas do crime? Qual o ponto de equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito à informação versus a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada? Esses importantes questionamentos serão analisados pelo STF no processo de familiares de Aída Curi contra o programa da TV Globo Linha Direta, que retratou os pormenores do crime quase 50 anos após o fato.

Os irmãos da vítima alegam que o crime, quando ocorrido, “provocou um sensacionalista, caudaloso e prolongado noticiário” e deixou “feridas psicológicas” na família, aprofundadas pela notoriedade.

Eles afirmam que “o tempo se encarregou de tirar o tema da imprensa”, mas voltou à tona com o programa, que explorou o nome e a imagem da vítima e de alguns de seus familiares “sem pudor ou ética” e sem autorização para tal. Por isso, pediam que a rede de televisão fosse desautorizada a utilizar a imagem, nome e história pessoal da vítima e condenada ao pagamento de indenização por dano moral.

A Globo, na contestação, sustentou que o programa era um documentário “que abordou fotos históricos e de domínio público”, composto em grande parte de imagens de arquivo e de material jornalístico da época, “focado em fatos já intensamente divulgados pela imprensa”.

O pedido foi julgado improcedente tanto pelo juízo da 47ª vara Cível do RJ quanto pelo TJ/RJ. Para a juízo de primeiro grau, o programa não veiculou “qualquer insinuação lesiva à honra ou imagem da falecida e tampouco à de seus irmãos ou qualquer outro membro da família”. O STJ manteve as decisões de origem.

Os irmãos da vítima afirmam que o caso trata de um aspecto da proteção da dignidade humana que ainda não foi apreciado pelo STF: o direito ao esquecimento na esfera cível. O instituto já se encontra regulamentado na esfera penal, e é invocado por aqueles que, em nome da própria ressocialização, não querem ver seus antecedentes trazidos à tona após determinado lapso de tempo.

Peculiaridades

Ao manifestar opinião em parecer, Janot consignou que há uma série de variáveis envolvidas com a aplicabilidade do direito a esquecimento e, assim sendo, dificilmente caberia disciplina jurisprudencial desse tema.

“É próprio de litígios individuais envolver peculiaridades do caso, e, para reconhecimento desse direito, cada situação precisa ser examinada especificamente, com pouco espaço para transcendência dos efeitos da coisa julgada, mesmo em processo de repercussão geral.”

O procurador-Geral aponta que o direito ao esquecimento leva à vedação de acesso à informação não só por parte da sociedade em geral, mas também de estudiosos como sociólogos, historiadores e cientistas políticos.

“Impedir circulação e divulgação de informações elimina a possibilidade de que esses atores sociais tenham acesso a fatos que permitam à sociedade conhecer seu passado, revisitá-lo e sobre ele refletir.”

Indenização

Quanto a pleito indenizatório quando de divulgação de informação de terceiro que resulte em violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, Rodrigo Janot considera “dispensável para tal finalidade reconhecimento de suposto direito a esquecimento”.

No caso concreto, manifestou pela inviabilidade da indenização, “quando o acórdão recorrido conclui, com base no conjunto fático-probatório, por inocorrência de violação a direitos fundamentais devido a veiculação, por emissora de televisão, de fatos relacionados à morte da irmã dos recorrentes, nos anos 1950”.

Veja a íntegra do parecer.

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