Em decisão proferida na última quarta-feira, 17, no julgamento do HC 126.292, o STF alterou jurisprudência para afirmar que é possível a execução da pena depois de decisão condenatória confirmada em segunda instância.
A histórica decisão, com profundo impacto no sistema de Justiça Penal, trava importante debate em torno da presunção de inocência e seu impacto nas decisões condenatórias não transitadas em julgados.
Acerca do tema, veja o que têm a dizer OABs, associações, institutos e advogados.
Artigos
Para o criminalista Luiz Flávio Borges D'Urso (D'Urso e Borges Advogados Associados), a decisão do Supremo é "um desastre humanitário, pois se está suprimindo garantias constitucionais do cidadão, no tocante a sua defesa, agravada pelo fato de nosso sistema prisional brasileiro encontrar-se falido". Veja a íntegra.
O professor de Direito Penal Adel El Tasse acredita que a decisão coloca em cheque o próprio sistema de Justiça brasileiro. "O sistema que hoje se chegou é mais limitador de garantias que o sustentado pela Corte quando da ditadura militar e nos seus momentos posteriores". Confira.
Na opinião dos causídicos Gamil Föppel El Hireche (Gamil Föppel Advogados Associados) e Pedro Ravel Freitas Santos, caminha-se, perigosamente, para a diminuição da importância conferida aos recursos extraordinários. "A ineficiência estatal não pode servir de justificativa para o malferimento de garantias básicas do cidadão". Leia o artigo.
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MDA - Movimento de Defesa da Advocacia
O MDA - Movimento de Defesa da Advocacia manifesta muita preocupação com o recente posicionamento do STF que, por maioria, autorizou prisão de acusado antes do trânsito em julgado, violando, assim, o princípio constitucional de presunção de inocência, inserido na Constituição da República como Cláusula Pétrea.
Rodrigo R. Monteiro de Castro – Presidente do MDA / Pedro Luiz Cunha Alves de Oliveira – Diretor de Prerrogativas
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OAB
O Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes Seccionais reafirmam sua histórica posição pela defesa das garantias individuais e contra a impunidade.
A OAB possui posição firme no sentido de que o princípio constitucional da presunção de inocência não permite a prisão enquanto houver direito a recurso.
A entidade respeita a decisão do STF, mas entende que a execução provisória da pena é preocupante em razão do postulado constitucional e da natureza da decisão executada, uma vez que eventualmente reformada, produzirá danos irreparáveis na vida das pessoas que forem encarceradas injustamente.
Não se pode deixar de levar também em consideração o alto índice de reforma de decisões de segundo grau pelo STJ e pelo próprio STF.
Nesse cenário, o controle jurisdicional das cortes superiores mostra-se absolutamente necessário à garantia da liberdade, da igualdade da persecução criminal e do equilíbrio do sistema punitivo, ao que a Ordem permanecerá atenta e atuante.
Diretoria do Conselho Federal da OAB e Colégio de Presidentes Seccionais
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OAB/SP
OAB/SP vê retrocesso na decisão do STF permitindo pena antes de sentença definitiva
A Seção Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, em face da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu início de cumprimento de decisão criminal antes do trânsito em julgado da sentença, por sua diretoria, vem assim se manifestar:
A mudança de orientação do STF para permitir que o cumprimento de sentença penal, com prisão do réu, ocorra antes do trânsito em julgado da decisão, representa enorme retrocesso nas conquistas democráticas alcançadas com a Constituição Cidadã de 1988, relativizando as cláusulas pétreas da presunção de inocência, do devido processo legal e da ampla defesa com os recursos a ela inerentes.
A demanda da sociedade por Justiça não será alcançada com atropelo às garantias constitucionais.
A Seção Paulista da OAB sempre estará ao lado do Poder Judiciário na luta por uma estrutura adequada para dar conta da demanda social por Justiça, mas não concorda que se neutralize a falta de estrutura por meio da desconsideração de garantias constitucionais.
O comando constitucional supremo estabelece que a todos os brasileiros, como regra, está assegurada a liberdade até o trânsito em julgado da decisão condenatória. Apenas excepcionalmente, nos casos de absoluta e imperiosa necessidade comprovadamente demonstrada, é que o ordenamento permite a segregação ante tempus do acusado. Não é dado ao Judiciário legislar, nem a exceção pode se transformar em regra, máxime quando em aberta colidência com a Carta Magna.
Ademais, no passado recente, por meio de seu então presidente, o STF encaminhou ao Congresso Nacional proposta de emenda constitucional exatamente para permitir a execução provisória de sentenças penais, que não foi aprovada pelo Poder Legislativo. O debate social então havido mostrou os riscos irreparáveis de se antecipar a prisão de alguém que, depois, tivesse sua inocência reconhecida pela Corte Suprema. Não se admite que, não tendo alcançado êxito naquela mudança, no palco adequado, o Congresso Nacional, com os legítimos representantes da sociedade, eleitos pelos brasileiros, venha agora o STF a verdadeiramente afastar a cláusula pétrea por decisão de seus Ministros.
Diretoria da OAB/SP
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Instituto dos Advogados de São Paulo
Perplexos assistimos, apesar de ainda não ter sido publicado o acórdão, o STF, no julgamento de um HC, usurpar a competência do Poder Legislativo ao revogar o inciso LVII do art. 5 da CF que estabelece a garantia constitucional de que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". A situação é de extrema gravidade, não somente pelo evidente caos do sistema carcerário e pela insegurança jurídica, mas, especialmente, porque há muito a doutrina abalizada considera a garantia constitucional como cláusula pétrea que não pode ser abolida ou modificada, o que impediria o Poder Legislativo de mudar a norma criada por Assembleia Nacional Constituinte. Se, de fato, compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Carta Magna, não há tecnicamente interpretação possível para justificar o julgamento proferido. Se não há brasileiro acima da lei, também não existe abaixo dela.
José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro - Presidente do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil
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OAB/PE
OAB/PE vê com preocupação decisão do STF que autoriza prisão após julgamento em 2ª instância
O presidente da OAB-PE, Ronnie Preuss Duarte, demonstrou perplexidade e preocupação pelos efeitos práticos potenciais da medida do STF, determinando que pessoas condenadas pela Justiça possam começar a cumprir as penas a partir de uma decisão condenatória confirmada pelos tribunais de segunda instância, sem a necessidade do esgotamento de todos os recursos. "Uma decisão preocupante, especialmente para Pernambuco, onde o sistema prisional já está sobrecarregado ao extremo", destacou o presidente.
A mudança de jurisprudência aconteceu nesta quarta-feira, dia 17. Na quinta-feira, dia 18, o presidente Ronnie Duarte recebeu na sede da Ordem, representantes da União dos Advogados Criminalistas (UNACRIM), que entregaram uma Nota de Repúdio à decisão do STF. O texto destaca que a Suprema Corte ignorou que a existência de recursos decorre da possibilidade de erro humano nos provimentos jurisdicionais que, ainda segundo a nota, não são corriqueiros. Da UNACRIM, estiveram presentes no encontro o presidente Carlos Barros; o vice, Gustavo Rocha; o diretor financeiro adjunto, Carlos Sá; e o secretário geral, Yuri Herculano. Luciana Brasileiro, secretária geral adjunta da OAB-PE, também esteve na reunião.
Ronnie Duarte também chamou a atenção para os possíveis desdobramentos da decisão. "O STF está criando um passivo para o Estado ao permitir que um cidadão ainda não condenado possa ser preso", afirmou. "Enquanto houver direito a recurso, o princípio constitucional da presunção de inocência não permite a prisão", concluiu.
O Conselho Federal (CFOAB) também divulgou nota assinada pela diretoria e por todo o Colégio de Presidentes Seccionais. No texto, o CFOAB afirma respeitar a decisão do STF, mas entende que a execução provisória da pena é preocupante em razão do postulado constitucional e da natureza da decisão executada, uma vez que eventualmente reformada, produzirá danos irreparáveis na vida das pessoas que forem encarceradas injustamente.
- Instituto de Garantias Penais - IGP
O Instituto de Garantias Penais - IGP vem manifestar seu repúdio ao precedente firmado pelo Plenário do STF em julgamento do dia 17 de fevereiro de 2016, no âmbito do HC 126.292/SP.
No julgamento de ontem, a Corte Suprema brasileira fez letra morta da cláusula pétrea insculpida no art. 5º, LVII da CF ao permitir a execução provisória de pena privativa de liberdade, a partir da confirmação pelo segundo grau, de sentença penal condenatória.
A dicção da garantia constitucional da presunção de inocência é claríssima ao assegurar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Não há margem de interpretação possível que permita a conclusão de que os recursos de caráter extraordinário não estariam abarcados pela expressão "trânsito em julgado", de forma que ficou evidente que a Suprema Corte buscou, de forma lamentável, reescrever a citada garantia constitucional.
É triste que a restrição dessa garantia constitucional tenha sido guiada com o fim de atender a anseios da sociedade, criando uma dualidade inexistente entre sociedade e acusados, quando, ao contrário do que se pensa, há incontáveis recursos interpostos diuturnamente nas instâncias superiores, ajuizados em favor dos mais diversos tipos sociais de réus, inclusive por bem estruturadas defensorias públicas, bem como por diversos advogados.
É censurável, ainda, a forma como o precedente foi julgado, sem que fosse possibilitada uma ampla, prévia e efetiva discussão pública.
Ressalte-se que esse importante e paradigmático julgamento foi afetado ao Plenário do STF apenas na última sessão da 1ª turma de 2015 e, para perplexidade geral, não obstante a sua manifesta relevância, foi levado a julgamento já na terceira sessão deste ano 2016.
É preocupante, ainda, que a decisão não tenha levado em consideração a quantidade de recursos que são providos na Corte Suprema, tampouco tenha sopesado o seu imenso impacto carcerário, tema a respeito do qual o STF jamais poderia se desincumbir de refletir.
Finalmente, cumpre destacar que a decisão não apresentará impacto real sobre o ponto de vista da alardeada impunidade. Isso porque, os recursos de índole extraordinária continuarão a ser interpostos e, por vezes, providos, com a diferença de que, a partir de agora, os acusados ficarão presos injustamente até que seu processo seja julgado no STJ e/ou no STF.
Enquanto isso, os acusados vivenciarão uma prisão injusta e suas defesas, diligentemente, não terão alternativa, senão abarrotar o STJ e o STF com pedidos de habeas corpus, afim de sanar as flagrantes ilegalidades que fatalmente ocorrerão.
Portanto, afora o seu impacto simbólico e midiático, as consequências reais dessa decisão serão: o aumento vertiginoso de prisões injustas e a multiplicação de pedidos de habeas corpus no âmbito do STJ e do STF.
O IGP lamenta os tempos sombrios que estão por vir...
Ticiano Figueiredo, Cezar Bitencourt e Pedro Machado de Almeida Castro.
Diretoria, eleita para o triênio 2016/2018, do Instituto de Garantias Penais- IGP.
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Nota Oficial da Anadef
A Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (ANADEF) vem manifestar sua contrariedade e tristeza com a decisão do STF na sessão realizada na tarde de ontem, 17 de fevereiro de 2016, no julgamento do HC 126.292. A Corte máxima do país, a quem compete velar pela impecável aplicação e observância do texto constitucional vigente, protagonizou um retrocesso jurídico jurisprudencial.
Se em 2009, quando do julgamento do HC 94.408, comemorávamos a superação da inadmissível execução antecipada da pena, com a conclusão do STF de que "enquanto não houver trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não seria possível a execução da pena privativa de liberdade, ressalvadas as hipóteses que, efetiva e justificadamente, se amoldem ao desenho balizador das prisões cautelares", o dia de ontem, indubitavelmente, foi de derrota para a Constituição, para o Estado Democrático, para o garantismo penal e, sobretudo, para o próprio Direito.
Afirma textualmente a Carta Magna, no artigo 5º, LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Salvo a resistência em aplicar direitos fundamentais, típicas de uma estrutura conservadora de Estado, nada justifica a demora em materializar a garantia esculpida em 1988 pelo Constituinte, consolidada (apenas) em 2009 pelo STF. Afinal, ao ler o dispositivo extrai-se, necessariamente, que somente se pode considerar culpado em direito penal alguém que detenha contra si condenação com trânsito em julgado. O trânsito em julgado é, pois, fato que marca o início de uma situação jurídica nova, caracterizada pela existência da coisa julgada – formal ou material, conforme o caso.
O direito fundamental à presunção de inocência, estabelecido pela CF/88, precisa de constante proteção da ordem jurídica. Como toda garantia, não possui caráter absoluto e já é mitigada pelas hipóteses legais de prisões cautelares. A função da Corte Suprema, a nosso ver, não é de enfraquecer e mitigar ainda mais esse direito fundamental, mas sim de fortalecer constantemente a Constituição. A decisão no HC 126.292 desnatura a ideia de que justiça penal não se opera em praça pública, negando concretamente a função do Judiciário como garantidor e protetor de valores fundamentais independente de pressões midiáticas e sociais.
Os efeitos práticos dessa decisão serão devastadores, pois todos aqueles condenados nas esferas dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, que aguardam apreciação de seus recursos nas instâncias superiores, poderão ser recolhidos imediatamente à prisão, agravando ainda mais a caótica situação do sistema carcerário de nosso país.
Um triste passo foi dado ontem, trazendo decepção aos que têm como missão a defesa dos direitos humanos, dos direitos e garantias fundamentais e, sem compromisso com a impunidade, a defesa intransigente do respeito à Constituição para todos.
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IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros
Nota do IAB sobre a decisão do STF no HC 126.292-SP
O Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB vem publicamente manifestar sua profunda preocupação e desalento com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que, por maioria, entendeu pela constitucionalidade da execução provisória da pena após acórdão proferido em segundo grau de Jurisdição, mesmo que na pendência de recursos aos Tribunais Superiores, portanto antes do trânsito em julgado da condenação, quando ainda não estabelecida a culpabilidade em sentido estrito, invertendo a lógica da Liberdade como regra democrática.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, uma escolha clara e inquebrantável emergiu, a de que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo, dentre seus fundamentos, a Dignidade da Pessoa Humana, artigo 1º, inciso III da CF/88, iluminando os Direitos Fundamentais e suas garantias elencados no texto constitucional.A Presunção de Inocência, expressa no inciso LVII do artigo 5º da Constituição da República - "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" - além de prevista em diversas Declarações de Direitos do Homem e Convenções Internacionais, é direito fundamental de dimensão constitucional, e não mero tecnicismo jurídico que pode ser afastado via interpretação constitucional. É condicionante da atuação dos agentes estatais, dos diferentes Poderes. Possui natureza de princípio político, que conecta o Processo Penal com as escolhas político-constitucionais do Estado Democrático de Direito.
Desta forma, a Presunção de Inocência é princípio essencial do Processo Penal Democrático, configurando-se regra de tratamento processual no qual o sujeito acusado preserva seu Estado de Inocência até que uma sentença condenatória não mais passível de recurso firme a certeza jurídica de sua culpabilidade, não podendo uma acusação, em um primeiro momento, ou até mesmo uma condenação em segundo grau, "suspender" provisoriamente sua inocência e nem as garantias que a acompanham.
A decisão do Supremo Tribunal Federal se configura em retrocesso inaceitável, sobretudo quando se atenta para o fato de que na seara penal não existe execução de condenação que não seja definitiva. Providos os Recursos Especial ou Extraordinário, quem devolverá ao cidadão acusado o tempo executado provisoriamente? A pena foi cumprida, antecipadamente, e ilegalmente, eis que violou o estado de inocência do Acusado que posteriormente teve seu recurso provido.
A Presunção de Inocência é cláusula pétrea da Constituição da República e a vedação ao retrocesso é princípio de natureza político-jurídica que não permite a vulneração de Direitos Fundamentais e suas Garantias.
A decisão do Supremo Tribunal Federal lança mais uma ofensa contra o que deveria ser um intransponível limite aos desmesurados poderes punitivos do Estado, corroendo o Processo Penal Democrático, abrindo mais uma brecha, em última análise, contra o próprio Estado Democrático de Direito.
Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2016.
Técio Lins e Silva - Presidente Nacional do IAB
FADESP – Federação das Associações dos Advogados do Estado De São Paulo
A Federação das Associações dos Advogados do Estado De São Paulo (FADESP), por seu presidente, entidade de defesa da Advocacia, dada sua incessante luta em prol do Estado Democrático e de Direito, dos Valores Universais da Humanidade e dos Direitos Humanos, se manifesta acerca da recente decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, a qual admitiu como sendo constitucional a execução provisória de pena antes do seu trânsito em julgado.
Cada vez mais, por meio de motivações diversas, quiçá alheias à seara jurídica, há o recrudescimento penal das prerrogativas profissionais dos advogados, mas também dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, conquistados ao longo da História da Humanidade e mediante Revoluções que iluminaram o conhecimento e o saber. Parece que todo o progresso caminha para o esquecimento!
O STF, por intermédio de sua maioria, reunido em Plenário no dia de anteontem (17 de fevereiro de 2016), para o julgamento de um habeas corpus (HC n.º 126.292/SP), decidiu distorcer a natureza garantista do Processo Penal Pátrio. Revogou, como se tal fosse possível, cláusula pétrea, ao admitir que a execução de pena fosse antecipada ao trânsito em julgado. Isto é, aquele que ainda pode vir a ser considerado inocente deve, diante de uma decisão condenatória confirmada ou proferida por tribunal estadual ou regional federal, iniciar imediatamente a execução da sanção penal.
Trata-se de verdadeira inversão de valores e de conceitos!
Essa atração pelo cárcere, como se fosse ele a solução milagrosa para todos os problemas da Nação, causa espanto crescente! O Brasil prende muito! Conta com mais de meio milhão de encarcerados, incluídos os presos provisórios.
A alteração brusca de orientação do STF agravará o quadro não apenas carcerário, mas social. A população carente, certamente, será afetada de imediato! Trata-se de nítido retrocesso acerca das conquistas democráticas obtidas quando da promulgação da Constituição Cidadã de 1988.
O processo penal deve ser garantia de julgamento justo, jamais instrumento de aplicação de pena onde os fins justificariam os meios. Não é possível dar com os ombros diante de tamanho equívoco cometido pelo Excelso Pretório, pois a “política do tanto faz” remete a conceitos facistas!
Chamado a defender a Constituição Federal, o Supremo claudicou!
Curvou-se ao ouvir outras vozes, sabe-se lá quais!
Parece ter perdido a coragem de tomar decisões impopulares, porém jurídicas!
Tem-se, assim, um julgado que parecer ter sido proferido por ministros que pouco entendem do Direito Penal e Processual Penal. Afinal, realmente não é possível exigir que todos daquela conspícua Corte dominem plenamente os mais diversos ramos do Direito! O que revela, ainda, o perigo da delegação de decisões - acerca sobre temas tão caros aos cidadãos - a nobres assessores que acabam por adquirir, por vias indiretas, verdadeiro status de ministro!
Advogados e advogadas brasileiros: não vos conformeis diante dessa desastrosa decisão! É momento de luta em defesa da Constituição, afrontada - pasme-se - pela Corte que deveria defendê-la! O sacrossanto direito de defesa e seus corolários precisam, ironicamente, de defesa! No Brasil é assim! O Judiciário legisla e com poderes de constituinte!
Não se pode admitir que o palco legítimo seja, por vias oblíquas, deslocado do Congresso Nacional para o Plenário do Supremo, muito menos com a finalidade de restrição das liberdades públicas!
Vale ressaltar que o alegado atraso na prestação jurisdicional não é culpa dos advogados ou dos cidadãos processados. É questão estrutural que não deve ser sobreposta às garantias fundamentais. Presumir a inocência de uma pessoa significa tratá-la, efetivamente, como tal durante o processo penal.
Não é da competência do Supremo a segurança pública, ou mesmo, decidir com base nas "vozes das ruas". Até porque, a História está repleta de exemplos contrários ao vox populi, vox Dei! Deve defender a Constituição Federal, sem a preocupação com holofotes ou com a concordância dos arbitrários!
Lamenta-se que, desta vez, uma decisão seja considerada com histórica pela violência que representa aos marcos civilizatórios brasileiros!
A FADESP, indignada, expressa sua discordância diante do estado atual das coisas, como acima narrado, o qual revela equívocos graves e que mancharam a História da Democracia Brasileira, na medida em que a mais alta Corte do país revogou garantias constitucionais inerentes ao conceito universal de Cidadania!
O Juiz e Filósofo ELIÉZER ROSA alertava que "num mundo democrático o Estado não tem o direito de sofismar com a liberdade do homem"(in “Dicionário de Processo Penal”, Ed. Rio, 1975, p. 213).
Contudo, o contexto atual do Direito Penal e Processual Penal parece não ter atentado para lição tão básica, demonstrando que é muito comum o tropeço, justamente, naquilo que parece ser o óbvio!
São Paulo/SP, 19 de fevereiro de 2016.
RAIMUNDO HERMES BARBOSA
Presidente da Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo – FADESP
Leitores
"Em data de ontem, ao julgar o HC 126.292, o STF retrocedeu de maneira significativa em sua jurisprudência, ao permitir a execução provisória de condenação criminal, revendo posicionamento anterior [HC 84.078]. Tratou-se de nítida afronta a algumas das mais importantes garantias constitucionais. A inocência passa a ser parcial e temporariamente presumida, não mais obedecendo a regra do artigo 5, inciso LVII da CF. A defesa deixa de ser ampla [art. 5, LV, da CR/88], tornando-se restrita, na medida em que não mais abriga, em sua plenitude, os recursos superiores. Sem falarmos do art. 283 do CPP, de menor hierarquia, que se torna palavra ao vento. Nunca é demais lembrarmos que um significativo número de recursos extraordinários é provido pelo STF, o que acarretará a execução provisória de penas, que serão reformadas, pela própria Corte, no nosso mais que falido sistema prisional."
- Castellar Guimarães Neto - Castellar Guimarães Advogados Associados.
"Decisão equivocada tão só para agradar a mídia. A sentença condenatória só pode ser executada depois do trânsito em julgado. Ainda que uma só sentença condenatória seja reformada para reduzir a pena ou absolver o réu já é o bastante para não se aceitar o cumprimento imediato da decisão condenatória."
- Fernando Tourinho Neto
"Retrocesso garantista em um Estado Constitucional de Direito."
- Carlos da Silva Teixeira Neto
"Vejo como temerária e um grande retrocesso esta decisão do Supremo. Atualmente estamos vivenciando um momento de descrédito do Poder Judiciário, estamos atravessando um turbilhão onde o Judiciário tropeça em suas próprias pernas e o jurisdicionado fica a mercê da sorte. O devido Processo Legal, assegurado na CRFB, objetiva sedimentar princípios que homenageiam a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Retirar direitos conquistados a duras penas, é cortar na carne e não avançar!"
- Douglas Scoot Lessa
"Lamentável o entendimento do Supremo. Ao meu ver, fere de morte o princípio constitucional da presunção de inocência e cerceia o direito de recurso, pois sabido e consabido que quando os recursos forem julgados pelo STJ e pelo STF o réu, mesmo que absolvido em um daqueles tribunais, já terá cumprindo a pena, que por ter sido absolvido, tornou 'ilegal'. A morosidade nos julgamentos é pública e notória, aguardando no cárcere falido, a prolação do julgamento dos recursos."
- Wexley de Nunes e Silva
"Como sempre o Brasil demonstra que realmente é um país ímpar em sua decisões que vão em caminho inverso ao pensamento jurídico do mundo oriental e ocidental. Exemplo: réus considerados culpados após milhares de recursos que podem durar uma eternidade e quando condenados por falta de defesa ainda restam regalias de um cidadão em plena liberdade. Realmente este país é uma brincadeira."
- Ivan Gobbo
"O 'jeitinho brasileiro' fez uma visitinha ao Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal nesta semana. Acredito que influenciados pelo discurso de que 'o Brasil é o país de impunidade' - apesar de nunca se ter prendido tanto neste país - a maioria dos ministros da Suprema Corte de Justiça brasileira revogou a basilar regra constitucional de que se presume inocente quem não tem contra si sentença penal condenatória, transitada em julgado. Ao contrário do que já tinha afirmado em outros tempos, decidiu que a pena dos condenados em segundo grau poderá ser logo executa (prisão), antes da eventual análise de recursos por Tribunais superiores. Tomou tal providência, partindo da premissa de que há no processo penal diversos e vagarosos recursos que servem apenas para atrasar o efetivo cumprimento de penas desenhadas em ações penais. Ou seja, para o Supremo, a culpa para a 'impunidade' está nos recursos. Todavia, essa premissa é completamente equivocada. Talvez tenham os ministros esquecido quantos recursos especiais e extraordinários foram admitidos e providos, exterminado condenações penais e livrando acusados das drásticas consequências do injusto aprisionamento. Talvez tenham esquecido que a liberdade é a regra e a prisão é exceção, e que a demora no julgamento dos recursos poderia ser amenizada com mudanças da lei processual ou com maior empenho dos magistrados, hoje agraciados com dois meses de férias por ano. Pois, sem atacar as causas do problema, o Supremo Tribunal Federal deu um clássico 'jeitinho', rasgando a Constituição Federal e eliminando essencial direito individual dos cidadãos, para atender às vozes enfurecidas de quem clama por vingança a qualquer custo - e não Justiça- e não enxerga o prejuízo que um dia poderá bater em sua porta."
- Vinicius Lapetina
"O texto é impreciso no seu título pois não há problema (e deve ser assim) que o STF mude de entendimento sobre algum assunto. O que ele não pode e não deve, por uma questão funcional obrigatória (defensor da Constituição) é agir como poder constituinte."
- Rogério Florentino Pereira
"Embora saiba que sou minoria entre os advogados, concordo com a emblemática decisão de ontem, do STF, que passa a entender que a condenação criminal em segunda instância permite a prisão do réu. Muito se fala sobre o Princípio da Presunção de Inocência mas, como presumir inocente quem foi condenado em primeira instância (por um juiz singular) e, posteriormente, teve esta condenação confirmada pelo Tribunal, onde três desembargadores analisaram o processo? Na minha modesta opinião, depois de condenado por quatro magistrados, mediante exercício do amplo direito à defesa e à observância do devido processo legal, nasce o Princípio da Presunção da Culpa, ou até, a comprovada culpa. Com esta decisão vamos retirar das ruas bandidos comprovadamente culpados, que apenas estão em liberdade - e, no mais das vezes cometendo novos crimes -, por conta de chicanas processuais. Antes de defender direitos de bandidos, vamos proteger os homens de bem. Parabéns ministros do STF, por corajosa decisão."
- Fernando Moreno Del Debbio
"Vamos aguardar o acórdão. Achei interessante a postura de alguns ministros, porque não conseguiram dar um fundamento jurídico. Não há lei, nem previsão constitucional que autorize essa interpretação. Falta a alguns votos motivação jurídica o que poderia comprometer a própria validade da decisão, afinal nao seria na Suprema Corte aceitável a ausência de fundamentação (art. 98, IX, da CF), nao podendo supri-la a opinião pessoal sem alicerce jurídico. Mas como diziam velhos advogados: o Supremo corrige os erros alheios e perpetua os próprios."
- Antonio Sergio de Moraes Pitombo - escritório Moraes Pitombo Advogados.
"Nesse caso, como há indício forte de culpa poderia ser determinada medidas cautelares alternativas até eventual confirmação da culpabilidade nas instâncias superiores. Não podemos fechar os olhos para o risco de erro nos tribunais de 2ª instância, sempre tão assoberbados por milhares de processos."
- Mario Martinelli
"Lembram quando, ao comentarem e Emenda Peluzzo, Migalhas foi irônico com a minha aprovação? 'Tem até gente a favor', disseram. Nada como a evolução, como diria o ministro Gilmar Mendes."
- Caio Márcio Lopes Boson
"Lamentavelmente o STF vem se posicionando contra a Constituição Federal e os tratados internacionais aos quais o Brasil aderiu. A meu ver, diante dos problemas de demora da prestação jurisdicional que não é um problema da presunção de inocência, bastaria aumentar os prazos prescricionais para cada crime e tornar alguns imprescritíveis como por exemplo: o crime de homicídio. O STF com todo respeito que merece está legislando o que é vedado em nosso sistema Republicano, lamentável e perigoso."
- Osires Aparecido Ferreira de Miranda
"STF: guardião da Constituição?
Breve reflexão: "Princípio da presunção de inocência", em sua categórica dicção constitucional: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". E não "até decisão de segundo grau". Submeter o acusado com condenação lavrada – ou confirmada – em 2ª instância, mas não recoberta pelo manto da coisa julgada, ao cumprimento de pena, longe de constituir "uma forma de 'harmonizar' o princípio da presunção de inocência com a efetividade da justiça" (voto do relator, ministro Zavascki), não significa senão incinerar o preceito constitucional que o consagra com peremptória literalidade: "até o trânsito em julgado". Antes dele, sujeitar o réu à execução da pena implica e traduz – retórica e sofismas à parte – não apenas considerá-lo, mas também concretamente tratá-lo como "culpado", como busquei demonstrar em trabalho publicado há 25 anos: A sentença penal condenatória e a prisão do acusado. É... O STF guardou a Constituição. Debaixo do tapete!"
- Leônidas Scholz – escritório Advocacia Criminal Leônidas Scholz.
"A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no último dia 17 de fevereiro mudou o entendimento sobre a execução provisória antes do trânsito em julgado da sentença penal. Na prática, a primeira consequência que se tem em mente é o aumento da população carcerária, o que preocupa, vez que segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça, a população carcerária brasileira é a quarta maior do mundo, com 600 mil presos. Segundo a mesma pesquisa, o Brasil possui um déficit de 230 mil vagas no sistema penitenciário. E pior: 41% dos presos não possuem condenação transitada em julgado, o que reforça o argumento de que parte da causa da expansão do sistema carcerário é a excessiva segregação de pessoas que nem mesmo foram definitivamente condenadas. Ou seja: o sistema carcerário brasileiro está falido e a decisão proferida pelo STF vai piorar a situação dos presos".
- Mariana Michelotto, chefe do Departamento Criminal do escritório Arns de Oliveira & Andreazza Advogados Associados.
"Há realmente uma demora maior nos tribunais superiores, mas isso não pode ser argumento para que a gente tenha pessoas inocentes na cadeia. Há um índice bastante alto de pessoas que foram consideradas inocentes e que hoje, se prevalecer essa decisão, vão estar presas. A Constituição Federal não permite outra análise que não a da validade plena do princípio da presunção da inocência. Sendo assim, todos, sem exceção, são inocentes até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Caso o Supremo Tribunal Federal tenha a intenção de modificar sua orientação definitivamente, tal matéria deverá ser objeto de reforma constitucional. Lembro que a matéria já está em debate através do projeto de lei 402/2015".
- Marlus Arns de Oliveira, sócio do escritório Arns de Oliveira & Andreazza Advogados Associados.
"Gostaria de chamar a atenção para a nota inserida ao inciso LVII do artigo 5º da Constituição da República no livro Constituição da República Federativa do Brasil anotada/ notas de doutrina, legislação e jurisprudência por Luís Roberto Barroso. - São Paulo: Saraiva, 1998: "Os princípios da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII) e da liberdade provisória (art. 5º, LXVI) se travejam na viga mestra da 'dignidade humana'." Ao que parece, a viga de ontem hoje não passa de uma simples vara."
- Quintino Antonio Facci Filho - Sócio do escritório Facci & Facci Filho Sociedade de Advogados.