Incompatibilidade
JT condena Embraer por salário incompatível ao cargo
Admitido na empresa em agosto de 1999 como trainee de produção, o funcionário foi promovido a ajudante de produção dois meses depois e, no ano seguinte, a mecânico montador de avião.
Em 2002, o funcionário foi indicado para o exercício da função de editor técnico, tendo sido aprovado no exame seletivo interno.
Após a aprovação, o funcionário iniciou no novo cargo em janeiro de 2003, sendo classificado na função de técnico, sem alteração salarial. Em março do mesmo ano, foi classificado na função de Técnico de Apoio Operacional, na qual teria que permanecer por 20 meses e somente em 1/4/5 foi classificado na função de editor técnico. No entanto, segundo o funcionário, desde a aprovação no certame exerceu as atividades próprias de editor técnico, sem perceber o respectivo salário.
Para a juíza Maria da Graça Bonança Barbosa, "se a própria reclamada fixa que a função comporta ‘módulos’, o que faz em razão da necessidade de vivência e treinamento do funcionário, mesmo depois que a pessoa já tenha provado ser apta para o exercício da função, mediante certame interno de várias fases, não se justifica o enquadramento em função diversa daquela para a qual concorreu internamente e com salários inferiores àqueles que auferiria se corretamente enquadrado".
"A existência de norma interna descrevendo as funções acarretaram legítimo direito ao autor de ser classificado e receber salários pela função que se mostrou apto a exercer", ressalta a juíza.
A Embraer foi condenada a pagar a diferença salarial e reflexos, com atualização monetária, além de incidência fiscal e previdênciária.
A empresa também deverá anotar a CTPS do ex funcionário, quanto à correta função e salários.
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Confira abaixo a decisão na íntegra.
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4ª VARA DO TRABALHO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
CONCLUSÃO
PROCESSO Nº 00707-2009-084-15-00-4
Nesta data faço os presentes autos conclusos à MM. Juíza do Trabalho, Dra. MARIA DA GRAÇA BONANÇA BARBOSA, para prolação de sentença, tendo em conta a expressa determinação de fls. 142.
São José dos Campos, 07 de abril de 2.010 – 4ª feira.
Andréa Simone Siwek
Assistente de JuizVistos etc.
FREDERICO WERNER ajuizou Reclamação Trabalhista em face de EMBRAER EMPRESA BRASILEIRA AERONÁUTICA, pleiteando a condenação da Recda no pagamento das verbas elencadas no pedido; juros e correção monetária. Requereu os benefícios da Justiça Gratuita. Deu à causa o valor de R$19.000,00. Juntou procuração e documentos.
Contestando a ação, a Recda arguiu a prescrição e impugnou os pleitos exordiais. Requereu compensação. Juntou procuração e documentos. Réplica às fls. 133/138.
Ouvidas quatro testemunhas, foi encerrada a instrução processual.
Razões finais pela Recda às fls. 144/151, com a juntada dos documentos de fls. 152/176, conforme determinado em audiência, e pelo Recte às fls. 178/180.
Inconciliados.
É o relatório.
DECIDO
PRELIMINARMENTE
Conheço da prova documental encartada com as razões finais da Recda, pois de acordo com a determinação do juízo em audiência (fls. 142), tendo o Autor oportunidade de manifestação, também em razões finais. Indefiro o requerimento de produção de novas provas documentais feito pelo Recte (fls. 180), por preclusão, ante o encerramento da instrução processual.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL
Argüida, tempestivamente, a prescrição em juízo, impõe-se reconhecer a incidência da mesma, fulminando as verbas porventura devidas ao Recte anteriores a 03/06/2004, com fundamento no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição da República.
DIFERENÇAS SALARIAIS E REFLEXOS
O autor alegou que foi admitido na Recda em 03/08/1999 como Trainee de Produção. Dois meses depois da admissão, foi promovido a ajudante de produção e, no ano seguinte, a mecânico montador de avião. Em 2002, foi indicado para o exercício da função de Editor Técnico, tendo sido aprovado no exame seletivo interno.
Após a aprovação, narra o Recte que iniciou no novo cargo em janeiro de 2.003, sendo classificado na função de técnico, sem alteração salarial. Em março de 2.003 foi classificado na função de Técnico de Apoio Operacional, na qual teria que permanecer por 20 meses e somente em 01-04-05 foi corretamente classificado na função de Editor Técnico. Aduziu, porém, que desde a aprovação no certame exerceu as atividades próprias de Editor Técnico, sem perceber o respectivo salário. Pretende diferenças salariais e retificação em CTPS.
Contestando o feito, alegou a Recda que não mantém plano de cargos e carreira, que apenas oferece oportunidade de crescimento profissional aos seus empregados e que há alguns requisitos a serem preenchidos para se galgar a função almejada. Acresceu que havia um caminho a ser percorrido para que o Recte aprendesse a desempenhar corretamente a função de Editor Técnico, que poderia ou não levar 20 meses.
Em face dos termos em que apresentada a defesa restou incontroverso que a Recda implantou certame interno, no qual se submetem apenas as pessoas de seu quadro de empregados, tendo o Autor sido aprovado para a função de Editor Técnico, tendo a função alterada em janeiro de 2.003, mas não para Editor Técnico, mas sim para Técnico de Apoio Operacional.
Há que se esclarecer a controvérsia estabelecida quanto a necessidade de treinamento e capacitação, para somente então ser efetivada a alteração de função, período no qual o Recte teria a função de Técnico de Apoio Operacional.
A primeira testemunha do Autor, C., apenas confirmou que a empresa realiza concurso interno e que o Recte concorreu para a função de editor técnico, esclarecendo ainda que "tanto o depoente quanto o reclamante fizeram as provas, testes de inglês, dinâmicas de grupo e entrevista com o gestor; que o reclamante foi aprovado e o depoente não; que não é divulgado o valor do salário mas todos os funcionários sabem que cada função tem um teto mínimo e um teto máximo na qual o funcionário evolui" - fls. 141.
Já a segunda testemunha do Autor, F., em extenso e detalhado depoimento, confirmou em juízo que participou da formulação da descrição de função do editor técnico, cuja norma foi juntada pela Recda e que:
"toda função tem módulos que devem ser superados pelo funcionário, sendo o módulo 1 funções mais simples com supervisão, até o módulo 4, com plena autonomia; que a função de técnico de apoio operacional já existia e na qual o reclamante foi enquadrado, já que não poderia ter um aumento salarial previsto para a faixa de editor técnico; a reclamada não possibilitava um aumento muito alto da faixa anterior do funcionário para a faixa da função que passasse a exercer; na realidade, as funções de técnico de apoio operacional e editor técnico são praticamente as mesmas, havendo diferença apenas nos respectivos níveis salariais; que acredita não ter sido divulgado aos candidatos interessados que haveria enquadramento inicial em função diferente daquela para a qual se candidataram; esclarece o depoente que tal se confirma já que apenas depois que os funcionários, incluindo o reclamante, já estavam exercendo as funções no setor técnico, é que souberam do problema salarial; a saída encontrada foi de classificá-los como técnico operacional que inclusive não é da área do depoente, mas sim da área de produção, além de outras áreas; depois do fato ocorrido com o reclamante a empresa passou a divulgar em outras APIs que o enquadramento seria feito, inicialmente, na função de técnico de apoio operacional" - fls. 141-verso.
No mais confirmou a testemunha que "o recte desde que aprovado no concurso interno passou a exercer as funções pertinentes ao cargo de editor técnico, passando pelos respectivos módulos..." - fls. 141-verso. A primeira testemunha da Recda, R., confirmou tal modelo de progressão funcional, mas validando o procedimento da empresa destacou que:
"o técnico de apoio operacional ganha salários inferiores àqueles do editor técnico, exatamente por estar em período de avaliação das competências; que enquanto o reclamante estava no período de avaliação, que durou 2 anos, havia no setor técnico, outros funcionários que já exerciam a função de forma plena; que somente depois do prazo de 2 anos é que o funcionário seria enquadrado como editor técnico, no módulo 1; que o depoente confirma que só depois de 2 anos o reclamante teria condições de exercer a função de editor técnico, obtendo então as noções e conhecimentos listados às fls. 123".
A referência ao documento de fls. 123 é fundamental para o deslinde da controvérsia, pois indica as "competências" do editor técnico no módulo 1 até o módulo 3, sendo que o módulo 1 exige apenas "noções" e "alguns conhecimentos" da função, nível que o Recte foi enquadrado somente depois de 2 anos de efetiva prática, na função intermediária de técnico de apoio operacional !?
Ora, se a própria Recda fixa que a função comporta "módulos", o que faz em razão da necessidade de vivência e treinamento do funcionário, mesmo depois que a pessoa já tenha provado ser apta para o exercício da função, mediante certame interno de várias fases, não se justifica o enquadramento em função diversa daquela para a qual concorreu internamente e com salários inferiores àqueles que auferiria se corretamente enquadrado.
Destaco que a questão é apenas de correto enquadramento, pois a prova é clara no sentido de que o Autor desde a aprovação, passou a trabalhar no setor de normas, exercendo efetivamente a função de editor técnico, ainda que inicialmente precisasse de supervisão, aliás, como previsto pela norma interna da empresa !
Nesse sentido o depoimento da segunda testemunha da Recda, G.:
"que o depoente era líder de equipe e fez as últimas avaliações do reclamante; que o reclamante no início teve supervisão, que perdurou por mais de 1 ano; que durante esse período o reclamante exerceu atividades paralelas com outros editores" - fls. 142.
Não há que se falar em ausência de fundamento legal a impelir a Recda a efetuar o correto enquadramento, ao contrário, pois o procedimento interno de movimentação e a existência de norma interna descrevendo as funções, acarretaram legítimo direito ao Autor de ser classificado e receber salários pela função que se mostrou apto a exercer e, principalmente, efetivamente exerceu a partir de janeiro de 2.003. Destaco, também, que a capacitação exigida para o cargo de Editor Técnico era superior àquela exigida para o exercício de Técnico de Apoio Operacional, função genérica, de pequena complexidade e abrangência, conforme definido nas próprias normas internas da Recda (fls. 121-123) Para concluir, os documentos de fls. 152/176 apenas comprovam que na área em que trabalhou o Recte existiam editores técnicos e técnicos de apoio operacional, o que ratifica a prova oral, no sentido de que o enquadramento nessa última função era feito apenas para que não fosse pago o salário devido para o correto cargo exercido.
Por todos esses fundamentos julgo procedente o pedido de diferenças salariais, que serão apuradas com base no salário de editor técnico, devidas no período imprescrito até dispensa, como postulado, pois apesar de ter sido enquadrado para a correta função em 01-04-2005, o foi no modulo 1, com prejuízo salarial, pois já detinha prática de mais de 20 meses nessa função. As diferenças salariais refletirão nas verbas rescisórias constantes do TRCT de fls. 20, bem como na parcela PLR paga durante o período, na forma do pedido.
Defere-se, ainda, a retificação da CTPS para que conste a correta função, editor técnico, a partir de 01-01-03.
JUSTIÇA GRATUITA
O Autor apresentou a declaração de fls. 10, informando sua miserabilidade jurídica, diante do que se defere o benefício da Justiça Gratuita, concessão esta autorizada pelo artigo 790, §3º, da CLT, com a redação dada pela Lei n. 10.537/02, para fins de isentá-lo das despesas processuais.
INCIDÊNCIAS FISCAIS E PREVIDENCIÁRIAS
Para fins do artigo 832, §3º. da CLT, arcarão as partes, nas suas respectivas quotas, com os recolhimentos previdenciários incidentes sobre as verbas salariais objeto da condenação, diferenças salariais, que deverão ser calculados e recolhidos pela Recda até o dia 20 do mês seguinte ao da quitação do débito, conforme artigo 30 da Lei 8.212/91, com redação dada pela Lei 11.488, de 11/07/2007.
Na hipótese das contribuições não serem recolhidas no prazo acima indicado é que sofrerão a incidência juros equivalentes à taxa SELIC e multa moratória, nos termos dos artigos 34 e 35 da Lei nº 8.212/91.
Recolhimentos fiscais incidentes sobre as verbas tributáveis objeto da presente sentença deverão ser calculados e recolhidos pela Recda, arcando o Recte com a parte que lhe couber, tudo nos termos do artigo 46 da Lei nº 8.541/92.
Observar-se-ão os critérios estabelecidos pela Súmula 368 do C.TST, para comprovação e recolhimento das contribuições fiscais e previdenciárias.
CRITÉRIOS PARA LIQUIDAÇÃO
Antes de iniciado o procedimento de cálculos deverá a Recda trazer aos autos a evolução salarial da função de editor técnico havida durante o período da condenação, janeiro de 2.003 a 01-01-2007, propondo a respectiva evolução salarial, de acordo com a progressão que o Autor teve na empresa no referido período, ficando autorizada a juntada de novos documentos.
Cumprido, dê-se vista ao Recte para que se manifeste, no prazo de 10 dias, devendo no mesmo prazo, caso concorde com a evolução salarial apontada pela Recda, apresentar seus cálculos de liquidação.
JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
Juros de 1% ao mês a contar do ajuizamento da ação e correção monetária a contar do vencimento de cada obrigação, aplicando-se os critérios da Súmula 16 do TRT da 15ª. Região.
ISTO POSTO,
Julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, declarando a prescrição das verbas porventura devidas ao Recte anteriores a 03/06/2004, para condenar EMBRAER – EMPRESA BRASILEIRA DE AERONÁUTICA S/A a pagar a FREDERICO WERNER, após regular liquidação de sentença, observados os parâmetros e critérios fixados na fundamentação: diferenças salariais e reflexos, com atualização monetária, além de incidência fiscal e previdenciária. A Recda deverá anotar a CTPS do Autor, quanto à correta função e salários, depois de comprovada a evolução salarial na fase de liquidação, devendo para tanto ser intimada, após ter sido tal documento entregue pela Recte em juízo, arcando com multa do valor de R$100,00 por dia de atraso no cumprimento de tal obrigação. Na omissão da Recda, a providência deverá ser cumprida pela Secretaria da Vara, que aplicará o disposto no artigo 39, parágrafo 1º da CLT, sem prejuízo da multa, que será cobrada até o limite de R$ 1.000,00.
Deferem-se os benefícios da Justiça Gratuita ao Autor.
Custas a cargo da Recda, no importe de R$ 400,00, calculadas sobre o valor ora arbitrado da condenação de R$ 20.000,00.
Intimem-se as partes e a União. Nada mais.
São José dos Campos, 8 de abril de 2.010.
MARIA DA GRAÇA BONANÇA BARBOSA
Juíza do Trabalho
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