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Tutela antecipada antecedente a arbitragem e a regra da estabilização

É possível a concessão, pelo Judiciário, de uma tutela antecipada antecedente a uma arbitragem. A pergunta é: se não houver recurso contra essa tutela antecipada, ela também se estabiliza?

31/3/2016

1. A questão

No texto de ontem, apresentou-se breve panorama da disciplina da tutela provisória no CPC/15. Viu-se que a tutela antecipada, doravante, pode passar a ser concedida em caráter antecedente à formulação do pedido de tutela principal (como já ocorria, no CPC/73, relativamente às cautelares preparatórias). Viu-se que, quando essa tutela antecipada não é objeto de recurso por parte do réu, ela estabiliza-se. Continua produzindo efeitos por tempo indeterminado, dispensando a subsequente formulação de pedido principal.

Por outro lado, quando um tribunal arbitral não está instituído e o processo arbitral, ainda não iniciado, cabe ao Poder Judiciário conceder medidas urgentes que se façam necessárias em relação ao conflito objeto da convenção arbitral (STJ, REsp 1.297.974, CC-AgRg 116.395, CC 111.230 e REsp 1.325.847). Isso se aplica tanto às medidas cautelares quanto à tutela antecipada.

Assim, é possível a concessão, pelo Poder Judiciário, de uma tutela antecipada antecedente a uma arbitragem. A pergunta que se põe é: se não houver recurso contra essa tutela antecipada, ela também se estabiliza? Em outras palavras, a norma de estabilização aplica-se à tutela antecipada concedida pelo Poder Judiciário em caráter antecedente à instituição de uma arbitragem?

A resposta é negativa, por um conjunto de fundamentos.

2. Precariedade da competência judicial pré-arbitral

A competência do Judiciário, na atividade urgente pré-arbitral, é provisória e temporária – “precária”, na já dicção do STJ (REsp 1.297.974). A jurisdição estatal atua apenas para suprir uma lacuna decorrente da inviabilidade de atuação da jurisdição arbitral naquele momento. Trata-se de intervenção meramente colaborativa, coadjuvante. O órgão judicial opera “de empréstimo” e, em tal condição, tem um escopo específico e limitado: debelar perigo de dano enquanto o tribunal arbitral não estiver em condições de atuar.

Admitir-se a estabilização da tutela antecipada nessa hipótese implicaria igualmente tornar estável, permanente, a competência judicial estabelecida como provisória, “precária”.

3. A finalidade primordial da estabilização

Além disso, o objetivo principal do mecanismo de estabilização da tutela antecipada é a diminuição da carga de trabalho do Poder Judiciário. Trata-se de instrumento funcionalmente destinado à racionalização da atuação judiciária. Encerram-se desde logo os processos em que, ao se produzir um resultado prático contra o réu, esse não se insurgiu recursalmente.

Também sob essa perspectiva não se justifica a incidência da estabilização sobre a tutela antecipada pré-arbitral. Não faz sentido diminuir-se uma carga de trabalho que não existe. O Judiciário, em qualquer caso, já não teria de resolver definitivamente o mérito dessa causa: a prévia convenção arbitral já o havia dispensado disso.

4. A “pacificação social” e o incentivo à judicialização

Em que medida a oferta da possibilidade de estabilização da tutela pré-arbitral não representa um artificial incentivo para a ida ao Judiciário (e consequentemente um desincentivo à pacificação)?

A resposta é positiva. Longe de servir para pacificar, a perspectiva de estabilização da tutela judicial antecipada pré-arbitral funcionaria como incentivo ao ingresso no Judiciário, antes da instauração da arbitragem.

5. O incentivo ao recurso

Haveria ainda outra consequência indesejável e correlata à anterior.

Quando concedida tutela judicial urgente pré-arbitral, não é incomum que a parte atingida pela medida não recorra, preferindo logo submeter a revisão da questão ao tribunal arbitral, assim que esse se instale. Já se a regra da estabilização fosse aplicável à tutela antecipada pré-arbitral, provavelmente as partes deixariam de adotar essa postura. Recorreriam para evitar a estabilização.

6. A confirmação no texto da lei: o ônus de instauração da arbitragem

O simples argumento de ordem literal seria despido de maior força. Mas, considerando-se todos os aspectos até aqui indicados, ele se torna definitivo.

Além de explicitar as diretrizes relativas à divisão de trabalho entre juiz e árbitro no âmbito da tutela urgente, a Lei 13.129/15 incorporou à Lei de Arbitragem regra expressa acerca do ônus de instauração da arbitragem após a concessão da medida pré-arbitral.

Nos termos do parágrafo único do art. 22-A: “Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão”.

Daí se extrai que:

(a) é sempre de trinta dias o prazo para a formulação do requerimento de instauração de arbitragem, para que fique preservada a eficácia da medida urgente pré-arbitral – seja ela cautelar ou antecipada. Portanto, não se aplica o art. 303, § 1º, I, do CPC/15, que, na hipótese de tutela antecipada antecedente, prevê que o pedido principal deve ser formulado “em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar”;

(b) a preservação da eficácia da medida urgente preparatória depende do simples requerimento da instauração da arbitragem, e não propriamente da formulação da demanda principal em sede arbitral, que normalmente só se aperfeiçoa em momento subsequente do procedimento arbitral; e

(c) não há nenhuma ressalva ou exceção quanto à incidência deste ônus sobre o autor da ação judicial urgente. Cabe sempre a ele requerer a instauração da arbitragem no prazo de trinta dias, caso pretenda manter a tutela urgente em vigor. Vale dizer, a tutela antecipada pré-arbitral não se estabiliza.

A regra em questão prevalece sobre aquela do art. 304 do CPC/15 (que prevê a estabilização da tutela antecipada) – seja pelo critério da temporalidade (a Lei 13.129 é posterior ao CPC/15), seja pelo critério da especialidade (é regra especial para a arbitragem).

______________

*Eduardo Talamini é advogado, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados. Livre-docente em Direito Processual (USP). Mestre e doutor (USP). Professor da UFPR.

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