Fluxo migratório internacional e apatridia
Uma análise do instituto jurídico da nacionalidade e sua aplicabilidade como ferramenta de promoção de direitos humanos à população refugiada.
segunda-feira, 14 de abril de 2025
Atualizado às 11:26
O Direito Internacional regula as relações entre Estados, organizações internacionais e indivíduos, e a nacionalidade é um vínculo jurídico fundamental entre a pessoa e o Estado, garantindo direitos e deveres. A Convenção de Haia (1930), a Convenção sobre a Redução da Apatridia (1961) e outras normas internacionais buscam promover a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, além de proteger os direitos dos indivíduos, como o direito à nacionalidade e a prevenção da apatridia.
No Brasil, a CF/88 trata da nacionalidade, estabelecendo que são brasileiros natos os nascidos no território nacional e os filhos de brasileiros nascidos no exterior, desde que atendam a certos requisitos. A nacionalidade brasileira também pode ser adquirida por naturalização, com exigências como residência ininterrupta e idoneidade moral para estrangeiros de países de língua portuguesa, ou residência de quinze anos e sem condenação penal para outros estrangeiros. A perda da nacionalidade pode ocorrer por cancelamento judicial ou pedido expresso, salvo se resultar em apatridia. A legislação brasileira, como a lei 13.445/17, regula os direitos dos migrantes, enquanto a jurisprudência do STF tem sido essencial na interpretação das normas sobre a nacionalidade, reafirmando sua importância como direito fundamental.
O fluxo migratório internacional é um fenômeno complexo, impulsionado por fatores como conflitos armados, desigualdades sociais e mudanças climáticas. A questão da nacionalidade é crucial para garantir os direitos humanos dos refugiados, especialmente em cenários de guerra, como na Ucrânia e no Oriente Médio. As políticas de fronteiras da União Europeia e dos Estados Unidos geram controvérsias, com diferentes perspectivas sobre sua liberalidade ou rigidez. Nesse sentido, o direito à nacionalidade se mostra vital para a proteção dos direitos dos refugiados, que muitas vezes enfrentam dificuldades para obtê-la, devido à xenofobia, o que pode resultar em apatridia, privando-os de acesso a serviços essenciais e proteção contra abusos.
No Brasil, a nacionalidade pode ser originária (adquirida pelo nascimento ou ascendência) ou secundária (adquirida por naturalização). A nacionalidade originária pode ser obtida por jus soli (nascimento no território brasileiro) ou jus sanguinis (filhos de brasileiros nascidos no exterior, com requisitos como registro consular ou serviço ao Brasil). Já a nacionalidade adquirida ocorre por meio da naturalização, conforme os requisitos estabelecidos pela CF/88, como residência, capacidade civil e idoneidade moral. Há também tipos especiais de naturalização, como a ordinária (para estrangeiros residentes por mais de 4 anos) e a extraordinária (para estrangeiros residentes por 15 anos ininterruptos). A legislação brasileira também oferece facilidades para estrangeiros de países de língua portuguesa, com requisitos mais simples de residência e idoneidade moral. Assim, a nacionalidade brasileira é regulada por critérios claros e busca assegurar a identidade e integração dos cidadãos à sociedade. Ambos têm direitos fundamentais, mas existem diferenças, especialmente quanto a direitos políticos e cargos públicos.
Brasileiros natos podem ocupar cargos como presidente da República, ministro do STF e oficial das Forças Armadas já brasileiros naturalizados podem ocupar outros cargos públicos, com exceção daqueles reservados para natos. Além disso, os natos são imunes à extradição, enquanto os naturalizados podem ser extraditados em situações específicas, como crimes cometidos antes da naturalização ou tráfico de drogas.
Assim, apesar de compartilharem muitos direitos, as distinções entre brasileiros natos e naturalizados visam garantir a soberania nacional e os interesses do Estado brasileiro, especialmente em questões de cargos públicos, extradição e propriedade de empresas de comunicação.
A nacionalidade também regula os vínculos sociais, sendo necessário evitar situações de apatridia, onde o indivíduo não pertence a nenhum Estado. É, portanto, considerada essencial, uma vez que proporciona a proteção de outros direitos reconhecidos no Direito Internacional dos Direitos Humanos.
A perda da nacionalidade brasileira está prevista no art. 12, § 4º da CF/88, ocorrendo principalmente em duas situações: (i) quando o brasileiro adquire voluntariamente outra nacionalidade, salvo em casos excepcionais, como quando a nova nacionalidade é exigida para a permanência no país estrangeiro, e (ii) quando o indivíduo pratica atos atentatórios aos interesses nacionais. Embora a segunda hipótese seja mais rara, ela ainda tem relevância jurídica. A legislação anterior (lei 818/49) não definia de forma clara quais atos seriam prejudiciais ao interesse nacional, mas essa omissão foi corrigida pelo advento da lei de migração (lei 13.445/17).
Nesse sentido, a aquisição voluntária de outra nacionalidade por um brasileiro é vista como um ato de desvinculação do Estado brasileiro, justificando a perda da nacionalidade. A naturalização em outro país é considerada como prova de que o indivíduo rompeu o vínculo com o Brasil. A perda é retroativa à data da naturalização, não dependendo de ato declaratório.
Por outro lado, a lei de migração estabelece a possibilidade de reaquisição da nacionalidade brasileira, caso a causa da perda seja superada. Para isso, o interessado deve comprovar que a causa foi cessada e formalizar o pedido ao Ministério da Justiça.
Em relação aos estrangeiros no Brasil, é fundamental garantir que seus direitos sejam respeitados, especialmente em casos de perda de nacionalidade ou outras situações migratórias. A assistência jurídica torna-se essencial para proteger os direitos desses indivíduos, prevenindo vulnerabilidades e garantindo o acesso a serviços essenciais, evitando riscos de irregularidade migratória e deportação arbitrária. A falta de apoio legal pode resultar em dificuldades para os estrangeiros acessarem seus direitos e oportunidades no país.
O maior desafio acerca dos direitos dos refugiados no âmbito internacional, é que não são diretamente regulamentados pelos Estados e dependem de convenções ou tratados internacionais que, embora possam ser ratificados pelos países, nem sempre são implementados no direito interno. Um exemplo disso é o tratamento dos apátridas, que, muitas vezes, não encontram a devida proteção em suas relações jurídicas com os Estados.
Neste contexto, a assistência jurídica surge como uma ferramenta essencial para garantir que imigrantes e estrangeiros no Brasil tenham seus direitos devidamente respeitados. A assistência jurídica não apenas facilita a reivindicação e efetivação de direitos, mas também é um direito social fundamental, como expressado por Cappelletti e Garth (1988, p. 5), que afirmam que o acesso à justiça é o requisito básico para garantir a efetividade de todos os outros direitos humanos. Sem mecanismos adequados para reivindicação, os direitos não têm sentido prático, pois não podem ser exercidos.
O conceito de acesso à justiça não é uniforme e pode ser abordado sob diferentes perspectivas, como a do processo civil ou da justiça social. De maneira geral, o acesso à justiça envolve não apenas a resolução de disputas no âmbito judicial, mas também a possibilidade de acesso a diversos serviços administrativos essenciais, como o INSS, órgãos de segurança pública (polícia civil ou Federal), e questões de políticas municipais. A ausência de assistência jurídica pode prejudicar significativamente os imigrantes, que frequentemente enfrentam barreiras devido ao desconhecimento das normas por parte dos servidores públicos, resultando na negação de acesso a serviços fundamentais, como saúde, educação e habitação (WALDMAN et al., 2020).
Portanto, a efetividade da assistência jurídica não depende apenas do trabalho dos profissionais do direito, mas também de políticas públicas que sejam eficazes para lidar com as questões migratórias. A falta de conhecimento institucional sobre os direitos dos imigrantes e as barreiras burocráticas reforçam a necessidade de um sistema jurídico mais acessível e inclusivo. Nesse sentido, a assistência jurídica deve ser vista não apenas como um recurso reativo para a violação de direitos, mas também como uma medida preventiva e educativa, essencial para garantir a integração e proteção da população refugiada no Brasil.
Aline Silva Montovani
Advogada associada no escritório Chalfun Advogados Associados, Especialista em Direito Constitucional, Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Única de Ipatinga
Ana Luísa Santos Diamantino
Advogada associada no escritório Chalfun Advogados Associados, Especialista em Direito Processual Penal - Faculdade IBMEC SÃO PAULO.
Alice Duarte Mendonça
Advogada associada no escritório Chalfun Advogados Associados, Especialista em Direito e Processo do Trabalho; Direito Médico e da Saúde e Direito do Agronegócio, todas, pela Faculdade Legale.