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A estabilidade do julgamento conforme o estado do processo

A definição da estabilidade dos pronunciamentos proferidos nessa fase assume grande importância. O grau de estabilidade do julgamento conforme o estado do processo depende do seu conteúdo.

terça-feira, 8 de março de 2016

Atualizado em 7 de março de 2016 13:33

Uma vez que a função do "julgamento conforme o estado" é conferir eficiência e previsibilidade ao processo, a definição da estabilidade dos pronunciamentos proferidos nessa fase assume grande importância. O grau de estabilidade do julgamento conforme o estado do processo depende do seu conteúdo.

(a) A decisão negativa de resolução do mérito, total ou parcial, não poderá ser revista pelo órgão judicial que a proferiu, exceto em juízo de retratação recursal (arts. 485, § 7º, e 1.018, § 1º).

No caso da negativa integral de solução do mérito, isso é mais evidente: o juiz profere sentença e exaure seu poder para tanto (art. 494). Mas também se aplica à decisão de parcial impossibilidade de julgamento do mérito. Há a redução do objeto da fase cognitiva do processo - e, ressalvado o oportuno juízo de retratação ou provimento de recurso, o juiz não poderá julgar aquela parcela do mérito cujo exame já foi declarado inadmissível. Aliás, uma vez preclusa a faculdade recursal, a decisão de parcial impossibilidade do julgamento do mérito faz coisa julgada formal, no sentido de impedir a reinclusão, no processo, do objeto já dele excluído.

(b) Similares considerações aplicam-se ao julgamento imediato do mérito, total ou parcial, em qualquer de suas modalidades indicadas em texto anterior desta série (clique aqui). Além disso, nesse caso há a própria coisa julgada material (art. 502).

Mesmo no julgamento parcial de mérito, o juiz não poderá mais alterar seu pronunciamento (ressalvado oportuno juízo de retratação recursal), ainda que, na instrução probatória da parcela do mérito não julgada, se depare com fundamentos processuais ou materiais que seriam em tese aptos a alterar seu anterior juízo. A decisão de julgamento parcial de mérito transita em julgado separadamente da sentença proferida ao final (art. 353, § 3º).

(c) Na situação inversa, todavia, normalmente não há preclusão. Em regra, se o juiz, num primeiro momento, descarta as hipóteses previstas nos arts. 354 a 356 (de negativa de julgamento do mérito ou de julgamento direto do mérito - totais ou parciais) e profere a decisão de saneamento ou designa audiência para tanto, nem por isso fica impedido de, subsequentemente, constatando a presença dos respectivos fundamentos, vir a negar o julgamento do mérito ou a julgá-lo independentemente de novas provas, total ou parcialmente.

Mesmo se tiver havido expressa decisão afirmando a presença dos pressupostos de admissibilidade da tutela jurisdicional (pressupostos processuais e condições da ação), em princípio, o juiz pode depois voltar atrás e redecidir a questão no sentido oposto. Como tais questões constituem matéria de ordem pública, o juiz está autorizado a redecidir sobre elas, enquanto detiver competência para tanto (arts. 337, § 5º, 485, § 3º, e 505, II).

Mas cabem duas ressalvas: (1ª) o juiz não poderá surpreender as partes com essa mudança de rumo, devendo submeter ao contraditório o fundamento pelo qual ele está inclinado a mudar de orientação (CF, art. 5º, LV; CPC, arts. 9º e 10); (2ª) se já há provas deferidas e início da instrução probatória, está precluso o poder do juiz de agora indeferi-las para julgar o mérito diretamente, conforme se vê a seguir.

(d) A estabilidade da decisão de saneamento e organização varia conforme seu conteúdo.

O § 1º do art. 357 do CPC traz disposição que prestigia o contraditório e a estabilidade da decisão de saneamento. Segundo esse dispositivo, "realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de cinco dias, findo o qual a decisão se torna estável".

Discute-se se essa manifestação constitui recurso de embargos de declaração (art. 1.022 e seguintes). O prazo e uma de suas funções, obtenção de esclarecimentos da decisão, coincidem com os dos embargos. A solicitação de ajustes, todavia, é providência mais ampla, que não se insere necessariamente no escopo daquele recurso, que serve ainda para eliminar contradições, suprir omissões e corrigir erros materiais. O ajuste pode ir além disso. Quanto à forma, tanto os embargos declaratórios quanto a manifestação ora em discurso devem ser formulados em simples petição e independem do recolhimento de custas. A discussão tende a não se revestir de maior relevância prática, desde que se reconheça que a manifestação do art. 357, § 1º, tanto quanto os embargos, interrompe o prazo para eventual agravo de instrumento contra a decisão de saneamento (quando couber, como é o caso, p. ex., dos incisos III e XI do art. 1.015).

Escoado o prazo sem que nenhuma das partes tenha pedido esclarecimentos ou ajustes, ou uma vez resolvidos tais pleitos, a decisão de saneamento se torna estável e vinculante para as partes e o juiz. Como dito acima, em excepcionais hipóteses, caberá contra ela agravo de instrumento - caso em que a decisão poderá ser revista pelo órgão recursal ou pelo próprio juiz, em juízo de retratação (art. 1.018, § 1º). Mas, mesmo fora dessa hipótese, tal estabilidade não é absoluta.

Primeiro, como já dito, ainda que se tenha rejeitado, na decisão de saneamento, a existência de defeito que imponha a negativa de julgamento do mérito, a questão poderá ser depois revista, com as cautelas e limites indicados na letra "c", acima.

Por outro lado, se o juiz vem a constatar que existe alguma outra questão fática ou jurídica que é relevante e foi deixada de fora do elenco veiculado na decisão de saneamento, impõe-se que ele então a inclua - submetendo-a ao contraditório (CF, art. 5º, LV; CPC, arts. 9º e 10). Isso se aplica tanto aos casos em que a questão foi simplesmente ignorada no saneamento, quanto àqueles em que a questão foi descartada como sendo relevante ou controvertida. Assim, se o juiz reputou irrelevante determinado ponto, dispensando atividade probatória que se lhe referisse, pode voltar atrás e, tendo-o por relevante, determinar as medidas instrutórias antes indeferidas ou nem mesmo cogitadas. Essa possibilidade funda-se inclusive nos poderes consagrados nos arts. 370 e 371.

O mesmo vale para os meios de prova que, de início não tenham sido considerados ou até mesmo tenham sido indeferidos. Se, subsequentemente, o juiz constata a necessidade de um meio probatório para a adequada instrução da causa, cumpre-lhe determinar sua produção.

Mas a recíproca não é necessariamente verdadeira. Se a parte vê deferido no saneamento o seu requerimento probatório, o juiz não pode depois simplesmente voltar atrás e determinar a cessação da produção daquela prova. Aperfeiçoa-se uma situação dentro do processo, que não pode ser suprimida (há inclusive quem fale em "direito adquirido" à prova).

Por esse mesmo motivo, em regra, uma questão fática já definida como controvertida no saneamento não poderá depois ser excluída do objeto da instrução probatória. Afinal, a fixação das questões controvertidas é o antecedente lógico do deferimento de uma prova. Havendo o juiz tomado um ponto por relevante e controvertido, convencendo-se depois do contrário, não poderá restringir a atividade de instrução probatória relativa àquela questão que tiver sido requerida pela parte e já estiver sendo desenvolvida.

O juiz pode também constatar a necessidade de inversão do ônus da prova, não cogitada ou descartada na decisão de saneamento. Nesse caso, como já dito, haverá de propiciar o contraditório às partes e reabrir desde o início o procedimento probatório, de modo a não prejudicar a parte ora atingida pela redistribuição. Isso vale também para o caso inverso - em que o juiz primeiro determina a redistribuição e depois constata que ela não deve ocorrer.

Quanto ao grau de vinculação estabelecido pela homologação da delimitação consensual de questões controvertidas e meios de prova (art. 357, § 2º), o tema comporta maiores nuances, que já examinei em outra oportunidade ("Um processo pra chamar de seu: nota sobre os negócios jurídicos processuais", em Migalhas, em 21.10.2015).

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*Eduardo Talamini é advogado, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados. Livre-docente em Direito Processual (USP). Mestre e doutor (USP). Professor da UFPR.

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