Sorteio de obra
Falar-se, hoje, em efetividade do processo civil é lugar-comum para quem quer que se preocupe com a concretização do princípio do devido processo legal, insculpido não apenas na Constituição Federal, mas no espírito do homem moderno. Uma justiça formal, preocupada em declarar, menos do que em realizar, já não pode ser classificada apenas de insuficiente ou defeituosa. E, sim, teleologicamente inapta, débil e impotente.
Entretanto, não basta alterarem-se os paradigmas teleológicos do processo, visando-se à busca de resultados práticos, e não à mera declaração formal da existência de direitos, se não forem disponibilizadas aos juízes ferramentas hábeis para a consecução deste objetivo. Neste ponto, insere-se o tema proposto para a presente obra.
As astreintes no direito processual civil brasileiro embora não recebam esta denominação na legislação — que preferiu o termo "multa" à expressão francesa —, há muito se consagraram como meio de coerção do réu tara o cumprimento de decisões judiciais. Os escassos dispositivos de lei dedicados à sua sistematização e, sem dúvida, para ela insuficientes, não correspondem à quantidade de ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais que podem ser colhidos desde as antigas ações comínatórias do Código Processual de 1939, até aquelas previstas nos artigos 461 e 461-A do CPC, introduzidas pela Lei 10.444, de 7 de maio de 2002.
É inegável, entretanto, talvez por seu caráter acessório ao processo (visto que constituem técnica de tutela, e como tal destinam-se à coerção para o cumprimento de determinações judiciais), que as astreintes até hoje receberam tratamento secundário, seja pela jurisprudência, seja pela doutrina. Esperava-se, principalmente desta, uma sistematização harmoniosa do instituto, mas o que se vê, salvo raras exceções, é uma abordagem limitada, geralmente como complementação a temas não menos palpitantes, como "tutela específica", "tutela antecipada", "tutela diferenciada", "tutela inibitória" e o próprio processo de execução.
A proposta, neste estudo, é inverter-se a lógica até então predominante na abordagem da matéria. Analisar-se-á a multa, também denominada de astreintes, sob sua própria ótica. Buscar-se-á sua natureza, sua função, formas de sua aplicação e, principalmente — o que consiste na inversão de lógica antes referida —, estudar-se-ão as consequências que outros institutos do direito processual civil, como, por exemplo, os recursos e seus efeitos, produzirão sobre a incidência e exigibilidade da multa.
Este estudo possui dois claros e interdependentes objetivos. Busca-se, primeiramente, através da análise crítica das fontes conhecidas do direito e, principalmente, da adoção de postura crítica em relação a elas — priorizando-se, assim, um posicionamento próprio —, dirimir as dúvidas quanto a aspectos práticos e teóricos do instituto. Tarefa mais difícil, entretanto, é a sistematização das conclusões advindas de tal atividade, através da construção de um todo lógico e coerente, de forma a encontrar uma solução de segurança para a aplicação da multa, compromissada em realizar, da forma mais eficaz e justa, o seu fim: pressionar o réu para alcançar a tutela específica ao autor, sem, é claro, descurar de outro valor tão caro ao processo, qual seja, o da segurança.
A análise exaustiva de temas afins do processo civil, assim como o estudo aprofundado de medidas análogas no direito comparado, não serão objeto do presente estudo. Tratar-se-á das astreintes no processo civil brasileiro. Toda e qualquer aventura em terreno diverso deste deve ser criticada com a candura de quem reconhece não ser aquela o escopo principal deste trabalho.
Sobre o autor :
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Abel Ribeiro de Macedo Junior, de Formosa/GO
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