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Embargos de declaração: O erro da falta de indicação de vício

O texto versa sobre a fundamentação vinculada dos EDs, a necessidade de indicação do vício e as consequências caso não indique o vício, com a análise do AgInt nos EDcl no AREsp 2410475.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Atualizado às 08:55

Os embargos de declaração são cabíveis contra quaisquer decisões judiciais, o que importa em um recurso eminentemente diferente dos demais, sem um cabimento específico sobre singularidade e adequação de uma decisão específica e o cabimento recursal.

O cabimento é claramente aberto, uma vez que pode ser interposto contra os 4 tipos de decisões existentes no processo civil: sentenças, decisões interlocutórias, decisões monocráticas e acórdãos.

O art. 1.022 do CPC positiva o posicionamento pertinente na doutrina e na jurisprudência, possibilitando a utilização para impugnar qualquer decisão. A expressão é exatamente essa: qualquer decisão1. Qualquer decisão dada por um juízo, caso haja imperfeição que cause incompreensão, cabe reexpressão ou explicação, com o intuito de possibilitar às partes uma ciência maior e detalhada do ato decisório.

O fato de que todos os atos decisórios são passíveis de embargos retira essa singularidade, uma vez que serão decisões impugnáveis por outros recursos também? Essa resposta deve ser vista como negativa, ao menos em regra.

De uma sentença, por exemplo, cabe apelação, como preconiza o art. 1.009 do CPC, no entanto, se a parte interessada tiver uma dúvida sobre o ato sentencial, seja por omissão, obscuridade, erro material, seja pela necessidade de complementação, serão cabíveis embargos de declaração. Por um determinado prisma analítico, cabem dois recursos de uma só decisão, com a possibilidade de escolha pelo pretenso recorrente.

Mas, estaria correta essa visão? A singularidade está envolta a estes 3 pontos: (i) usar somente um recurso; (ii) ser o adequado para a finalidade almejada; (iii) ser o correspondente para aquela decisão.

No tocante ao cabimento de embargos de declaração em todas as decisões, por mais que seja uma abertura bifurcada de impugnabilidade, ainda assim, o recorrente deve optar pelos embargos de declaração ou por outro recurso cabível, sem poder utilizar dos dois.

Sobre a finalidade, cada uma das espécies recursais terá uma finalidade específica, com os embargos para esclarecer ou integrar a decisão e o recurso adequado para anular ou reformar a decisão.

Sobre a correspondência, há a necessidade de que a lei permita o cabimento daquela espécie recursal para determinada situação processual.

Mesmo que sejam cabíveis, da mesma decisão, o recurso adequado e os embargos de declaração, ambos respondem a estes pontos de modo diferente, principalmente sobre a finalidade.

De uma sentença formalmente perfeita, com as respostas a todos os pontos, sem erros materiais e outras possibilidades, não serão cabíveis embargos de declaração e a apelação será o recurso adequado. De modo diverso, se a sentença estiver com vícios, imperfeita em relação a obscuridade, contradição e erro material, a apelação não seria o modo adequado para sanar essa dúvida, mas sim para anular ou reformar a decisão.

Na relação entre os embargos de declaração, os demais recursos e a singularidade, é pertinente que se entenda que não há ofensa, com a manutenção do princípio, mesmo sobre o cabimento dos embargos de declaração de qualquer decisão.

Os recursos podem ter fundamentação livre ou vinculada, como dito na classificação recursal quanto à fundamentação. Nos recursos de fundamentação vinculada, o cabimento está condicionado a utilizar-se de argumentos específicos previstos em lei para que o recurso seja viável. A própria norma já descreve quais as hipóteses de fundamentos que devem ser construídos na impugnação recursal.

Desse modo, o recorrente não detém liberdade impugnativa de fundamentação para essas hipóteses, com a necessidade de seguir o que descreve a norma.

As hipóteses de cabimento dos embargos de declaração estão claras no art. 1.022 do CPC, como explicado nas finalidades e subcapítulos anteriores: (i) obscuridade ou contradição; (ii) omissão; e (iii) erro material.

Para a devida interposição dos embargos de declaração, o recorrente deve fundar-se em um destes pontos e construir uma impugnação condizente com estes pontos, sob pena do recurso não ser conhecido. Obviamente que a existência ou não dos erros na decisão que levam aos embargos de declaração é um juízo de mérito, o recorrente não pode ser punido pela improcedência de seu argumento, mas o que deve é alegar a existência do erro.

Alegar o erro é cumprir o requisito de admissibilidade do cabimento, a existência do erro é pertinente ao juízo de mérito. O próprio art. 1.023 do CPC versa sobre as razões dos embargos de declaração necessitarem da "indicação do erro, obscuridade, contradição ou omissão."

Diante disso, os embargos de declaração que sequer alegar que há um dos vícios do art. 1.022 do CPC, é um recurso equivocado e mal construído, com a necessidade de não conhecimento. É uma situação diversa o fato de não conhecer por ausência de alegação de vício do art. 1.022 do CPC do que a resposta ao recurso que alegou um destes vícios, com o teor pelo improvimento desta alegação.

Na primeira hipótese, parou na admissibilidade, na segunda, admitiu e julgou improvido, no mérito.

O STJ, no julgamento dos EDcl no AgInt no AREsp 837.3832, deixou clara essa distinção e o não conhecimento do recurso quando não indicado o vício do art. 1.022 do CPC na fundamentação dos embargos de declaração. Não é o caráter protelatório por fundamentos meramente que visam atrasar o processo, é justamente por usar um recurso que sem manuseá-lo, construtivamente, da maneira adequada, sem vincular a fundamentação ao que a norma exige.

É notória a fundamentação vinculada necessária nos embargos de declaração.

Uma vez interpostos os embargos de declaração, há o efeito interruptivo, como dito, porém o recurso detém fundamentação vinculada e a necessidade de que na sua construção impugnativa contenha a fundamentação em algum dos vícios indicados no art. 1.022 do CPC. É o próprio cabimento recursal que impõe essa necessidade, dada a recorribilidade somente ser possível com a alegação do vício.

Ou seja, o conhecimento dos embargos de declaração dependem da alegação de um vício na decisão, ainda que não o juízo decida pelo improvimento do recurso, sem a existência do vício, o recorrente cumpre a construção argumentativa ao impugnar com base em um vício. A admissibilidade está na alegação, não na incidência real do vício.

Dessa maneira, se o recorrente utilizar dos embargos de declaração sem a indicação de qual o vício do art. 1.022 do CPC, é um recurso que será não conhecido, por inadequação da fundamentação, sem atender à vinculação necessária indicada pelo art. 1.023 do CPC.

No julgamento do AgInt nos EDcl no AREsp 24104753, a 4ª turma do STJ decidiu que os embargos de declaração que não indicam qualquer vício, sendo um mero inconformismo ou um pedido de reconsideração da decisão, não interrompem o prazo para o recurso, pelo não conhecimento recursal necessário, por vício de fundamentação.

É uma interpretação diferente do não conhecimento por protelação.

Nesse caso, o recorrente errou ao recorrer sem fundamentar em qualquer um dos vícios do art. 1.022 do CPC, o que gerou - e gera em qualquer embargos de declaração - o não conhecimento, o caráter protelatório estará em querer utilizar-se desta espécie recursal com fundamentação vinculada para uma reconsideração da decisão.

O mérito dos embargos é justamente a existência ou não do vício, se o juízo responder que não há o vício indicado, é juízo de mérito, com a interrupção, contudo se o recorrente sequer indicar o vício, não se conhece e não interrompe o prazo.

___________

1 Sobre esse acerto e pacificação: "À primeira vista, no concernente aos provimentos embargáveis, o art. 1.022, caput, mostra-se superior a qualquer um dos seus conspícuos antecessores, prevendo embargos de declaração 'contra qualquer decisão judicial'". ASSIS, Araken de. Manual de recursos. 8a. ed. São Paulo: Ed. RT, 2017. p. 532.

2 (A jurisprudência desta eg. Corte firmou-se no sentido de que a não indicação de um dos vícios previstos no art. 1.022 do CPC/15, nos termos do exigido no art. 1.023, caput, do CPC/15, inviabiliza a compreensão da controvérsia a ser sanada nos embargos de declaração, caracterizando deficiência de fundamentação (súmula 284/STF) (.) STJ - EDcl no AgInt no AREsp 837.383, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, DJe: 24/5/19).

3 (1.1. A oposição de embargos de declaração manifestamente inadmissíveis, por ausência de indicação de qualquer vício previsto no art. 1.022 do CPC/15, não interrompe o prazo para interposição de recursos subsequentes. (.) . 3. Agravo interno não conhecido. STJ - AgInt nos EDcl no AREsp: 2410475/SP, Rel.Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, DJe: 18/03/2024).

Vinicius Silva Lemos

VIP Vinicius Silva Lemos

Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto UFAC. Conselheiro Federal pela OAB Rondônia. Advogado.

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