Condições e exceções para a isenção de responsabilidade da entidade hospitalar em caso de erro médico
Sob a análise da legislação e jurisprudência, embora a regra geral seja a responsabilidade objetiva, baseada na teoria do risco da atividade, existem situações excepcionais que podem isentar a entidade hospitalar do dever de indenizar.
sexta-feira, 3 de janeiro de 2025
Atualizado às 11:36
De forma introdutória, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 14, estabelece a responsabilidade objetiva dos fornecedores de serviços, incluindo os hospitais, pelos danos causados aos consumidores.
Nesse contexto, basta a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre o serviço prestado e o prejuízo sofrido para que surja o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiteradamente aplicado essa regra aos hospitais, consolidando o entendimento de que respondem objetivamente pelos atos de seus médicos, funcionários e até mesmo de profissionais terceirizados que atuam em suas dependências.
Porém, apesar da regra da responsabilidade objetiva, o CDC prevê em seu artigo 14, § 3º, inciso II, a possibilidade de exclusão da responsabilidade do fornecedor nas hipóteses de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Essa excludente, aplicada aos hospitais, configura as principais situações de isenção de responsabilidade por erro médico:
- Culpa exclusiva do paciente:
Ocorre quando o dano é causado exclusivamente pela conduta do paciente, sem qualquer contribuição do hospital ou de seus prepostos, como, por exemplo, a omissão de informações relevantes sobre o histórico médico, o descumprimento prévio ou posterior das orientações médicas, a recusa injustificada em se submeter a procedimentos necessários ou a automedicação. Nesses casos, o nexo causal entre o serviço hospitalar e o dano é rompido pela conduta exclusiva do paciente.
- Culpa exclusiva de terceiro:
Esta hipótese se configura quando o dano é causado por ato de terceiro estranho à relação entre o paciente e o hospital. Pode-se exemplificar com a sabotagem de equipamentos por pessoa alheia à instituição, a agressão física praticada por outro paciente ou a contaminação por agente externo não relacionado à atividade hospitalar.
A comprovação da culpa exclusiva de terceiro exige a demonstração inequívoca de que o hospital não concorreu de forma alguma para o evento danoso.
- Caso fortuito ou força maior:
Embora menos frequente, a ocorrência de caso fortuito ou força maior também pode eximir o hospital de responsabilidade. São eventos imprevisíveis e inevitáveis, como desastres naturais, incêndios de origem externa ou pandemias, que impedem a prestação adequada do serviço.
A caracterização do caso fortuito ou força maior exige rigorosa demonstração da sua imprevisibilidade e inevitabilidade, bem como da sua relação direta com o dano sofrido pelo paciente.
É importante destacar que o ônus da prova da excludente de responsabilidade recai sobre o hospital, ou seja, cabe à instituição comprovar a culpa exclusiva do paciente, de terceiro ou a ocorrência de caso fortuito ou força maior. Essa inversão do ônus da prova decorre da vulnerabilidade do consumidor, princípio basilar do Código de Defesa do Consumidor.
E nesse sentido, a perícia médica, realizada por profissional habilitado e imparcial, busca reconstruir os fatos e esclarecer questões técnicas imprescindíveis para a compreensão do caso, sendo de vital importância para se apurar a responsabilidade do hospital e o enquadramento em uma das situações de isenção de responsabilidade acima indicadas, o que demonstra a importância para o hospital em manter todos os seus prontuários de maneira organizada e preenchidos em tempo real, auxiliando o trabalho da assistência técnica e do perito em eventual prova pericial.
Ainda, em situações específicas, a jurisprudência admite a aplicação da responsabilidade subjetiva aos hospitais, especialmente em relação à atuação de médicos que não possuem vínculo empregatício com a instituição, mas utilizam suas instalações para atendimento particular.
Nesses casos, a responsabilidade do hospital somente se configura se comprovada a sua culpa na escolha ou na fiscalização do profissional. Contudo, essa exceção não se aplica aos casos em que o paciente é direcionado ao médico pelo próprio hospital, criando a legítima expectativa de que o profissional integra o corpo clínico da instituição.
Nesse sentido, segue trecho do voto da Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial Nº 1.579.954 - MG (2016/0020993-7):
"(...) A jurisprudência das Turmas que integram a Segunda Seção do STJ sedimentou que a responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação dos médicos contratados que neles laboram, é subjetiva, dependendo da demonstração de culpa do preposto, não se podendo, portanto, excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital. Por outro lado, se o dano decorre de falha técnica restrita ao profissional médico, que não possui qualquer vínculo com o hospital - seja de emprego ou de mera preposição - não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar a vítima" (REsp 908.359/SC, Segunda Seção, DJe 17/12/2008, REsp 1662845/SP, Terceira Turma, DJe 26/3/2018; REsp 1511072/SP, Quarta Turma, DJe 13/5/2016)(...).
Assim, conclui-se que a isenção de responsabilidade da entidade hospitalar por erro médico é excepcional, restrita às hipóteses de culpa exclusiva do paciente ou de terceiro, ou à ocorrência de caso fortuito ou força maior. A comprovação dessas excludentes recai sobre o hospital, exige robusta demonstração fática. A regra geral permanece sendo a responsabilidade objetiva, assegurando ao paciente a devida reparação pelos danos sofridos em decorrência de falhas na prestação do serviço hospitalar.
Gustavo Mosso Pereira
Advogado sênior no GHBP Advogados, MBA em Direito Empresarial pela ESAMC, Bacharel em direito pela Universidade São Francisco.