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Retrospectiva 2024: Decisões do Poder Judiciário sobre arbitragem

Felipe Moraes, Stephannye de Pinho Arcanjo, Maria Fernanda Schettino e Eduarda Martins

O presente artigo apresenta um panorama de algumas decisões judiciais proferidas em 2024 envolvendo o instituto da arbitragem.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Atualizado às 11:45

O presente artigo apresenta um panorama de algumas decisões judiciais proferidas em 2024 envolvendo o instituto da arbitragem.

Árbitro de emergência

Na transição entre os anos de 2023 e 2024, mais precisamente em 18/12/2023, a 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, extinguiu o mandado de segurança apresentado pela concessionária do Aeroporto de Confins contra o Presidente da ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil, reconhecendo a obrigatoriedade e validade do uso do árbitro de emergência, nos termos previstos na cláusula compromissória, para avaliar a necessidade de medidas cautelares ou urgentes antes da instituição da arbitragem. 

Processo de execução e arbitragem

A relação entre a arbitragem e o processo de execução esteve no centro de debates relevantes ao longo deste ano, tendo o Superior Tribunal de Justiça proferido decisões relevantes sobre o tema.

No REsp nº 1.931.620-SP, publicado em janeiro de 2024, o STJ entendeu que a parte que inicia a execução de uma sentença arbitral deve arcar com os prejuízos causados ao executado. Na oportunidade, a 4ª Turma decidiu manter a condenação à empresa Cremer, para indenizar a Hypera por prejuízos decorrentes da ação de execução de sentença arbitral. No caso, reconheceu-se a ausência de certeza, liquidez e exigibilidade do valor pleiteado pela exequente. Por maioria dos votos, restou decidido que os custos decorrentes da execução extinta, devidamente comprovados, se enquadram no conceito jurídico de prejuízo, sendo, portanto, passíveis de ressarcimento.1

Em fevereiro, no REsp nº 2.105.872-RJ, a 3ª Turma do STJ reconheceu, por unanimidade, a existência de litispendência entre ação anulatória de sentença arbitral e impugnação ao cumprimento da mesma sentença em processo de execução.

No caso, a recorrente moveu uma ação anulatória de sentença arbitral alegando a violação dos princípios da ampla defesa e contraditório. Na mesma data apresentou, sob os mesmos fundamentos, impugnação ao cumprimento da sentença nos autos do processo de execução. Em segundo grau, o TJRJ concluiu que não se tratava de litispendência, haja vista que a impugnação em processo de execução não constitui ação de conhecimento, mas tão somente uma ferramenta de defesa, em que os assuntos se limitam aqueles previstos no parágrafo 1º do Art. 525 do CPC. Entretanto, em última instância a ministra relatora Nancy Andrighi, esclareceu que a anulação de uma sentença arbitral pode ser pleiteada, judicialmente, por duas vias, sendo elas: (i) ação declaratória de nulidade de sentença arbitral (Art. 33, § 1º, da lei 9.307/96) ou (ii) impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (Art. 33, § 3º, da lei 9.307/96). Logo, restou decidido que a impugnação à execução não ataca apenas a execução, mas também a sentença arbitral propriamente dita, configurando, portanto, litispendência em relação a ação anulatória proposta posteriormente a ação de execução.2

No REsp nº 2.108.092-SP, julgado em abril deste ano, o STJ entendeu que a existência de cláusula compromissória não impede a execução de título executivo extrajudicial, no entanto, os embargos à execução e a objeção de pré-executividade ficam limitados às questões processuais3. No caso em questão, a recorrida opôs exceção de pré-executividade tratando de questões substanciais, especificamente, acerca da inexigibilidade e iliquidez do título objeto da execução, que continha cláusula compromissória. Frente a isso, restou declarada a incompetência da justiça estatal para tratar da matéria suscitada, por versar sobre a própria existência do crédito sendo, portanto, de competência do juízo arbitral. No entanto, dado o preenchimento dos requisitos formais do título e a inexistência de procedimento arbitral instaurado, decidiu-se pelo prosseguimento da execução até o eventual estabelecimento de procedimento arbitral que discuta a existência do crédito.4

Arbitragem e Direito do Trabalho

Ao longo deste ano, foram proferidas decisões importantes que abordam a interseção entre a arbitragem e o direito do trabalho.

Em abril, a 1ª Turma do Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1)5 considerou válida a liberação de seguro-desemprego com base em sentença arbitral que homologou a rescisão de contrato de trabalho. Na ocasião, o TRF1, por unanimidade, manteve o entendimento proferido na sentença do Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judicial da Bahia, em face do qual a União havia apresentado recurso, defendendo a impossibilidade de conceder seguro-desemprego com fundamento em uma sentença arbitral, tendo em vista a falta de previsão legal para tal hipótese. Nesse contexto, em segundo grau, o Desembargador Marcelo Albernaz esclareceu que a Constituição Federal autoriza o uso da arbitragem como método de solução de litígios coletivos envolvendo empregados e empregadores. Ressaltando, inclusive, que a lei 9.307/96 atribuiu à sentença arbitral a eficácia de verdadeiro título judicial. Logo, reconheceu-se que, estando os demais requisitos para a obtenção dos benefícios preenchidos, não há prerrogativa para impedir o levantamento do FGTS ou seguro-desemprego unicamente pelo envolvimento da arbitragem.6

Em maio, o Tribunal Superior do Trabalho declarou a invalidade de cláusula compromissória firmada em contrato de jogador de futebol, por entender que a disposição contraria o Art. 90-C da Lei 9.615/98 (Lei Pelé)7, a qual determina que a opção pela arbitragem deve constar também em acordo ou convenção coletiva. No caso em questão, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, em 2ª instância, havia extinguido o processo sem resolução do mérito, com base na existência de cláusula compromissória, conforme autorizado pelo artigo 507-A da CLT. O TST, embora tenha reconhecido que essa disposição da CLT, por ser mais recente, permite a inclusão da cláusula compromissória em contratos individuais de trabalho, considerou que, tratando-se de contrato de atleta, deve prevalecer o disposto no artigo 90-C da Lei Pelé, em observância ao princípio da especificidade. Assim, diante da ausência de previsão em acordo ou convenção coletiva no caso, decidiu-se pela invalidade da cláusula compromissória e pela continuidade do processo judicial.8

Dever de revelação dos árbitros

O dever de revelação dos árbitros, tema que há muito figura em relevantes discussões no cenário arbitral, também foi objeto de decisão pelo Superior Tribunal de Justiça neste ano.

Em junho, o STJ decidiu pela necessidade de análise da relevância e do impacto de uma omissão para decidir se ela afeta a imparcialidade e independência do árbitro.

No julgamento do REsp nº 2102901-SP, sob relatoria da Min. Nancy Andrighi, restou estabelecido que eventual omissão no dever de revelação, por si só, não é suficiente para comprometer a atuação do árbitro e levar à anulação da sentença arbitral. A decisão reforçou o entendimento proposto pelas Diretrizes sobre Conflitos de Interesse da Internacional Bar Association (IBA) e, também, o entendimento das Diretrizes sobre o Dever de Revelação do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), associação que apresentou intervenção como amicus curiae no processo.

Na oportunidade, pontuou-se também que: (i) as partes devem colaborar com o dever de revelação, solicitando informações aos árbitros; (ii) a parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro deve fazê-lo na primeira oportunidade que tiver; e (iii) a imparcialidade do árbitro é questão de ordem pública e, portanto, pode ser alegada a qualquer momento, entretanto, deve-se observar a boa-fé por parte de quem a alega.9

Sentença estrangeira proferida por árbitros brasileiros

Ainda em junho, outro tema de relevância foi objeto de julgamento: a necessidade de homologação da sentença estrangeira proferida por árbitros brasileiros.

No caso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro extinguiu, sem resolução do mérito, ação anulatória em face de sentença arbitral proferida em Londres por árbitros brasileiros. Isso porque, entendeu que, tratando-se de sentença estrangeira, proferida em Londres, é imprescindível sua homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. Isso porque, sem a homologação prévia, a sentença estrangeira não gera efeitos no direito interno, o que resulta na impossibilidade de propor ação, no território brasileiro, para contestar a sua validade, como se pretendia no caso em questão.

Em sede de recurso, o recorrente alegou que a sentença deveria ser considerada doméstica, sob o fundamento de que os árbitros residem no Brasil e que, portanto, todos os atos procedimentais ocorreram no território nacional. Argumentou, ainda, que a sentença mencionava Londres apenas como o local da sede da arbitragem e não como local de prolação da sentença.

Nesse contexto, o TJRJ entendeu que, em que pese não constar da sentença arbitral o seu local de prolação, mas apenas a sede da arbitragem, não poderiam os árbitros proferir a sentença em outro local diverso daquele estabelecido pelas partes no Termo de Arbitragem, qual seja Londres. Portanto, restou decidido, por presunção absoluta, que a sentença foi proferida em território estrangeiro, atribuindo ao STJ competência primária para sua homologação.10

Aplicação do CPC em arbitragem

Em agosto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu acerca da aplicação do Código de Processo Civil em procedimentos arbitrais, tema este que há muito já tem sido debatido pela doutrina.

No REsp nº 1851324-RS, de relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze, restou decidido que as regras do CPC apenas se aplicam ao procedimento arbitral quando tal incidência for expressamente pactuada pelas partes. O caso tratava de ação anulatória de sentença arbitral, em que se alegava sua nulidade por suposta inobservância, pelo Tribunal Arbitral, de disposição do Código de Processo Civil acerca da imparcialidade do tradutor (Art. 138, IV CPC).

A decisão explicou que o árbitro não se encontra vinculado ao procedimento do CPC, inexistindo regramento legal que determine, genericamente, sua aplicação, ainda que subsidiária, à arbitragem, sem comprometimento à observância dos princípios basilares do processo. Ainda, pontuou que a Lei de Arbitragem, nos específicos casos em que preceitua a aplicação do diploma processual, assim o faz de maneira expressa11.

Assim, concluiu-se que o rito da arbitragem guarda a flexibilidade como característica inerente, sendo, pois, regido pelas disposições estabelecidas entre as partes litigantes, o que se dá tanto por ocasião da assinatura da convenção e do termo de arbitragem, como no curso do procedimento, pelo regulamento da câmara de arbitragem eleita e pelas determinações dos árbitros. Portanto, entendeu-se pela validade da sentença, visto que não havia, no caso, nenhuma disposição celebrada pelas partes que determinasse a aplicação do CPC.12

Arbitragem e prazo prescricional

Em setembro, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 1981715-GO, decidiu que a instauração anterior de procedimento arbitral constitui causa de interrupção de prazo prescricional, mesmo antes do advento da Lei nº 13.129/2015.

Tratava-se de ação anulatória, em que se defendeu a nulidade da sentença arbitral sob o fundamento jurídico de que apenas com o advento da Lei nº 13.129/2015, que modificou a Lei de Arbitragem, passou a existir no ordenamento jurídico pátrio expressa previsão acerca da instituição do procedimento arbitral como causa de interrupção da prescrição.

O relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva explicou que, por tratar-se de procedimento hetero compositivo, a propositura de demanda arbitral produz alguns dos efeitos próprios do exercício do direito de ação em juízo, dentre eles a interrupção do prazo prescricional. Isso porque, a inequívoca iniciativa da parte em buscar a tutela dos seus direitos pelo meio pactuado, ainda que sem a intervenção estatal, é suficiente para encerrar o estado de inércia. Restando, portanto, afastada a alegação de nulidade com base no decorrer do prazo prescricional.

__________

1 STJ. REsp nº 1.931.620-SP. 4ª Turma, Relator Min. Raul Araújo, julgado em: 05/12/2023.

2 STJ. REsp nº 2105872-RJ. 3ª Turma, Relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em: 06/02/2024.  

3 No mesmo sentido: STJ. AgInt no AgInt nos EDcl no REsp nº 2095245-SP. 3ª Turma, Relator Min. Humberto Martins, julgado em: 14/10/2024. Trata-se de Agravo Interno em que a discussão central também se centrava na competência para conhecer de embargos à execução de contrato com cláusula compromissória. Na oportunidade, o STJ, novamente, entendeu pela competência do juízo arbitral para conhecer e julgar quaisquer impugnações de mérito à execução.

4 STJ. Recurso Especial nº 2.108.092-SP. 3ª Turma, Relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em: 16/4/2024.

5 Processo nº 0020279-11.2015.4.01.3300.

6 TRF1. Apelação nº 0020279-11.2015.4.01.3300. 1ª Turma, Relator Des. Federal Marcelo Albernaz, julgado em: 25/4/2024.

7 Art. 90-C.  As partes interessadas poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, vedada a apreciação de matéria referente à disciplina e à competição desportiva. Parágrafo único.  A arbitragem deverá estar prevista em acordo ou convenção coletiva de trabalho e só poderá ser instituída após a concordância expressa de ambas as partes, mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral. 

8 TST. Recurso de Revista com Agravo nº TST-RRAg-11748-91.2019.5.15.0043. 5ª Turma, Relator Min. Breno Medeiros, julgado em: 22/5/2024.

9 STJ. REsp nº 2101901 - SP. 3ª Turma, Relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em: 18/06/2024. Em sentido contrário ao disposto pela Ministra a respeito da observância do impacto de uma omissão na análise da imparcialidade do árbitro, decidiu o TJSP em Apl. 1093678-77.2022.8.26.0100, julgada em 24/09/2024. No acórdão, que anulou, por unanimidade, uma sentença arbitral por falha no dever de revelação, o Relator Grava Brasil dispõe em seu voto, fazendo menção ao voto do Min. Huberto Martins no julgamento do REsp nº 2101901-SP, que "deve ser exigido do árbitro a maior transparência possível, de forma que todos os dados e circunstâncias sobre seu histórico profissional e social que podem, razoavelmente, gerar dúvida ou abalar a crença sobre sua imparcialidade e independência devem ser por ele revelados".

10 TJRJ. Apelação Cível nº 0158867-88.2020.8.19.0001. 21ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Fábio Uchôa Pinto de Miranda Montenegro, julgado em: 12/6/2024.

11 Tem-se como exemplo o artigo 14 da LArb (lei 9.307/96), que dispõe:

"Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.'

12 STJ. Recurso Especial nº 1851324-RS. Terceira Turma, Relator Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em: 21/8/2024.

Felipe Moraes

Felipe Moraes

Sócio de Azevedo Sette Advogados. Professor do Ibmec. Conselheiro do CBAr - Comitê Brasileiro de Arbitragem. Doutorando em Direito pela USP. Mestre pela PUC-MG. Atua como advogado e como árbitro.

Stephannye de Pinho Arcanjo

Stephannye de Pinho Arcanjo

Advogada da área de Arbitragem do Azevedo Sette Advogados.

Maria Fernanda Schettino

Maria Fernanda Schettino

Graduanda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e estagiária na área de Arbitragem do Azevedo Sette Advogados.

Eduarda Martins

Eduarda Martins

Graduanda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e estagiária na área de Arbitragem do Azevedo Sette Advogados.

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