Luva de pelica
Pagamento de luvas no momento de busca e contratação de profissional é uma realidade no mercado bancário. A forma é que parece um pouco estranha
É uma prática cada vez mais comum no mercado financeiro contratar funcionários qualificados atribuindo-lhes certa remuneração em razão da própria contratação e de sua escolha em integrar o quadro de funcionários da empresa. É o que chamamos de "luvas".
Contudo, há casos em que o pagamento desta remuneração ocorre por meio da formalização de um contrato de mútuo (!), que garante a permanência do empregado na empresa por determinado período.
Como bem visto, a par da forma estranha, é uma garantia do empregador caso o empregado não cumpra o contrato. Ou seja, não pode, nunca, ser usada quando o próprio empregador rescinde o contrato por sua vontade.
Mas foi o que aconteceu com um executivo de negócios sênior contratado pelo Banco Pine S/A, em 2003. O banco e o executivo firmaram, em julho daquele ano, um contrato de emprego. Na ocasião, o Banco ofereceu ao executivo a quantia de R$ 100 mil a título de luvas para que ele aceitasse sua proposta de emprego e rejeitasse as recebidas dos concorrentes.
O executivo, atraído pela oportunidade, aceitou a proposta. O banco, entretanto, querendo garantir a manutenção do contrato de emprego com o executivo por um tempo determinado, exigiu que a formalização do pagamento das luvas ocorresse por meio de dois contratos de empréstimo. Um, no valor de R$ 70 mil, representaria a parcela de luvas que o executivo estaria obrigado a restituir ao banco caso rescindisse por sua própria vontade o contrato de emprego, antes do prazo de vencimento indicado na cédula.
O outro, no valor de R$ 30 mil, representaria as luvas recebidas como antecipação das comissões que o executivo receberia durante o exercício de suas funções, de modo que, em caso de rescisão contratual, somente seria restituído ao banco o valor residual da antecipação, ou seja, abatido das comissões que seriam auferidas pelo executivo.
Segundo o executivo, o banco exigiu, na ocasião dos fatos, que ele assinasse diversos documentos, dentre eles uma correspondência fictícia solicitando tais empréstimos, sob o falso argumento de que, em caso de fiscalização, precisaria a instituição financeira ter como se justificar perante o Banco Central do Brasil.
Poucos meses depois da contratação, em março de 2004, o banco rescindiu o contrato com o executivo, sem justa causa. E, desde então, apesar do ajustado, o banco passou a exigir do executivo o pagamento das cédulas de crédito bancário.
O executivo, representado pelo advogado Luciano Medeiros, do escritório Medeiros Advogados, entrou com ação contra o Banco Pine solicitando a declaração de nulidade e o conseqüente reconhecimento da inexigibilidade das obrigações previstas nas cédulas de crédito bancário firmadas com o banco.
O pedido foi julgado procedente em 2005, pela 33a Vara Cível Central do TJ/SP.
O magistrado, dr. Luis Mário Galbetti, observou que "o método utilizado pelo Banco Pine não é diverso de seus concorrentes e prima pela desonestidade com que é elaborado uma vez que (...) o crédito e a assinatura do suposto empréstimo é realizado depois de alguns dias que a pessoa está trabalhando na instituição, a tornar no mínimo constrangedor indagações maiores para quem inicia a carreira na instituição e não poderia ser visto, ou gostaria de ser taxado, como encrenqueiro."
Enfeixando sua decisão, o magistrado de primeiro grau - "pela postura inaceitável do banco, alterando a verdade dos fatos e procedendo de modo temerário no processo" - ainda condenou o banco a pagar ao autor, pela litigância de má-fé, 20% do valor da condenação.
O caso, em grau de recurso, foi parar no TJ/SP. Em novembro de 2007 foi publicado Acórdão da 24a Câmara de Direito Privado do TJ/SP que negou recurso de apelação do Banco Pine.
Relatado pelo desembargador Roberto Mac Cracken, o acórdão confirma a sentença, qualificando-a como proferida de forma "insofismável", que por sua clareza "bem demonstram os fatos que nortearam a procedência" da demanda.
O desembargador ainda ponderou ser "
totalmente incompatível com a probidade, que deve ser viga mestra das relações humanas, dentre elas as negociais de qualquer natureza, que uma pessoa, contratada para prestação de certos serviços e que seria remunerada de determinada forma para a realização de respectivo trabalho, seja, poucos dias após a sua contratação, compelida à subscrição de contratos ou títulos de crédito, no valor respectivo à contratação laboral, ou seja, "luvas", e, que, depois, com o seu desligamento motivado pelo empregador, venha este último a promover atos visando o recebimento, ou melhor, a devolução da quantia para a qual o profissional foi contratado, tudo sob a irreal e infundada alegação da existência de inadimplemento de uma determinada obrigação."Relembramos agora o que disse Machado de Assis num dos seus primeiros romances : "É como se aquela luva tivesse sido feita para aquela mão."
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Confira abaixo:
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Acórdão - Novembro de 2007 - clique aqui.
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Sentença - Setembro de 2005 - clique aqui.
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