Migalhas Quentes

Toffoli propõe tese para que redes removam conteúdo sem ordem judicial

Em seu voto, ministro destacou que notificação é suficiente para que a inércia das redes na remoção de conteúdo gere responsabilidade.

5/12/2024

Nesta quinta-feira, 5, em sessão plenária, STF, voltou a julgar a responsabilidade de provedores de internet pela não remoção de conteúdos de terceiros mesmo sem ordem judicial. 

A análise ocorre no julgamento da constitucionalidade do art. 19 da lei 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet.

O dispositivo prevê que, para garantir a liberdade de expressão e evitar censura, "o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário".

Ministro Dias Toffoli, que é relator  do RE 1.037.396, concluiu a leitura de seu voto, no qual defendeu que provedores de internet podem ser responsabilizados por não removerem conteúdos de terceiros, desde que sejam notificados para isso, sem a necessidade de uma ordem judicial.

Portanto, o ministro considerou o art. 19 do Marco Civil da Internet inválido e sugeriu interpretação conforme a CF para o art. 21 da mesma lei.

O julgamento continuará na sessão plenária da próxima quarta-feira, 11.

Perfil falso

No RE 1.037.396 (tema 987) , de relatoria do ministro Dias Toffoli, uma mulher ajuizou ação na Justiça paulista após descobrir, por meio de parentes, um perfil falso no Facebook que usava seu nome e fotos para ofender terceiros. Alegando que sua vida "tornou-se um inferno", pediu a exclusão do perfil e indenização por danos morais.  

O JEC de Capivari/SP ordenou a exclusão do perfil e o fornecimento do IP, mas negou o pedido de indenização, com base no art. 19 do Marco Civil da Internet. O dispositivo limita a responsabilidade civil de provedores a situações em que, após ordem judicial, eles não removam o conteúdo infrator.  

A autora recorreu. A turma recursal determinou indenização de R$ 10 mil, argumentando que exigir ordem judicial específica para remover perfis falsos desconsidera o CDC e a CF, que prevê o dever de indenizar.  

No STF, o Facebook questiona a decisão, defendendo a constitucionalidade do art. 19. A empresa sustenta que a norma preserva a liberdade de expressão e impede censura, ressaltando que remover conteúdo sem análise judicial transferiria a empresas privadas o poder de limitar a comunicação pública, em contrariedade à CF e ao marco civil.

Conteúdo de usuários

No RE 1.057.258 (tema 533), de relatoria do ministro Luiz Fux, o STF analisa a responsabilidade de provedores de aplicativos e ferramentas de internet por conteúdo gerado por usuários. Aborda também a possibilidade de remoção de conteúdo que possa violar direitos de personalidade, incitar o ódio ou propagar notícias falsas mediante notificação extrajudicial. 

No caso, a Google recorreu de acórdão da 1ª turma recursal cível do JEC de Belo Horizonte/MG, que confirmou a sentença condenatória responsabilizando a rede social Orkut pela remoção da página intitulada "Eu odeio a Liandra", além de determinar o pagamento de R$ 10 mil por danos morais. Mesmo após notificação, a Google se recusou a retirar do ar a página que continha ofensas à vítima.

Voto do relator

Ministro Dias Toffoli, em seu voto, criticou a imunidade das plataformas digitais conferida pelo art. 19 do Marco Civil da Internet, que limita a responsabilidade civil ao descumprimento de ordens judiciais.

420984

Destacou que essa norma permite a permanência de conteúdos prejudiciais online, defendendo que o mesmo tratamento aplicado ao mundo físico deveria valer no ambiente digital. 

Toffoli apontou que as redes sociais priorizam o lucro, promovendo inverdades e conteúdos nocivos por meio de algoritmos que buscam engajamento, sem considerar a verdade ou ações positivas.

Alertou que a ausência de regulamentação clara sobre liberdade de expressão agrava problemas como fake news, discursos de ódio, cyberbullying e outras formas de violência digital, que muitas vezes transbordam para o mundo real, exemplificando com ataques ao STF, ao Capitólio e em escolas.

O ministro mencionou projetos de lei, como o PL das Fake News, cuja tramitação foi suspensa, e ressaltou a necessidade de regulamentação mais eficaz. Em relação a blogs e plataformas jornalísticas, defendeu que devem seguir o mesmo regramento do jornalismo tradicional, conforme a lei 13.188/15.

Responsabilidade subjetiva

Nesta quinta-feira, Toffoli apresentou proposta de novas diretrizes para a responsabilização civil de provedores de aplicações de internet.

O ministro votou para declarar a invalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet, e para dar interpretação conforme à CF ao art. 21 da mesma lei.

"É inconstitucional o art.19, caput e § 1º do Marco Civil da Internet, sendo inconstitucionais por arrastamento os demais parágrafos do art. 19."

Assim, os provedores deverão ser notificados por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros, especialmente em casos que envolvam violações à intimidade, honra e imagem. A responsabilidade dos provedores surgirá quando, notificados pelo ofendido ou seu representante legal, não tomarem medidas em prazo razoável. 

Toffoli destacou que "basta a ciência inequívoca, ou seja, a notificação extrajudicial do provedor de aplicações de internet, preferencialmente por canais específicos de notificação quanto ao conteúdo supostamente infringente, para que o provedor possa vir a responder pelo dano daí decorrente, caso permaneça inerte".

Responsabilidade objetiva

O ministro propôs exceções à regra geral, atribuindo responsabilidade objetiva, independentemente de notificação, em casos envolvendo contas inautênticas, práticas graves que coloquem em risco direitos fundamentais e situações que afetem a integridade de processos eleitorais, saúde pública e direitos de grupos vulneráveis.

"A manutenção de contas inautênticas, desidentificadas e/ou automatizadas nos ambientes virtuais constitui ilícito civil grave e pode colocar em risco a própria liberdade de expressão", ressaltou Toffoli.

Assim, incluiu um rol taxativo de condutas que devem gerar responsabilização objetiva das plataformas, como violações contra mulheres, infrações sanitárias e divulgação de conteúdos notoriamente falsos que incitem violência ou prejudiquem o equilíbrio do pleito eleitoral.

Dúvida razoável

Dias Toffoli destacou que sua proposta busca um "meio-termo", considerando que, no "mundo do dia a dia", a prática de um ilícito enseja reparação desde o momento do fato.

S. Exa. reconheceu a complexidade das situações em que os provedores precisam avaliar a veracidade do conteúdo antes de agir. Nessas circunstâncias, com dúvida razoável, as plataformas podem se apoiar no art. 21 do Marco Civil da Internet e aguardar uma notificação.

No entanto, Toffoli advertiu que, se a Justiça decidir pela responsabilidade objetiva, a responsabilização poderá ser retroativa à data do ocorrido.

Veja a manifestação:

Exceções

O ministro propôs interpretação específica para excluir algumas plataformas de responsabilização civil por conteúdos gerados por terceiros, considerando as atividades desempenhadas.

Entre as plataformas que não seriam responsabilizadas estão os provedores de serviço de e-mail, aplicações para reuniões fechadas por vídeo ou voz, como Zoom e Google Meet, e serviços de mensageria instantânea privada, como aqueles usados em comunicações interpessoais protegidas pelo sigilo.

A justificativa é baseada na presunção relativa de inexistência de nexo causal entre a conduta técnica dessas plataformas e eventuais danos, dado que operam apenas no transporte e armazenamento de dados. No entanto, caso essas ferramentas sejam utilizadas como redes sociais, a responsabilização seguiria as regras do art. 21 do Marco Civil da Internet.

Veja o voto:

Marketplaces

Toffoli destacou a responsabilidade dos provedores que atuam como marketplaces em relação aos produtos anunciados em suas plataformas.

Segundo S. Exa., "os provedores que funcionarem como marketplaces respondem objetiva e solidariamente com o respectivo anunciante, nas hipóteses de anúncios de produtos de venda proibida ou produtos sem certificação ou homologação pelos órgãos competentes do país, sem prejuízo da responsabilidade por vício ou defeito do produto ou serviço, conforme o Código de Defesa do Consumidor e da aplicação do regime do art. 21 do Marco Civil da Internet [...] nas hipóteses residuais".

Veja o voto:

Blogs jornalísticos

Quanto a plataformas e blogs jornalísticos, o ministro entendeu que devem responder exclusivamente na forma da lei 13.188/15, a qual já foi declarada constitucional pelo STF, no julgamento da ADIn 5.418.

A lei 13.188/15, conhecida como lei do direito de resposta, estabelece o direito de resposta ou retificação para pessoas ou entidades que se sentirem ofendidas por informações divulgadas por veículos de comunicação.

Recomendações

No voto, o ministro também abordou a necessidade de atuação mais transparente por parte das plataformas, que deverão criar mecanismos para assegurar a autenticidade das contas e adotar medidas contra a criação de perfis falsos.

Enfatizou o combate à desinformação, à violência digital e às notícias fraudulentas, com a exigência de relatórios periódicos de transparência e canais específicos para denúncias.

Apelo ao Legislativo

Na conclusão, Toffoli apelou aos poderes Legislativo e Executivo para que, em 18 meses, elaborem política pública interinstitucional e multidisciplinar para enfrentamento da violência digital e promoção da transparência no ambiente digital. "Essa política deve ser baseada em evidências científicas, nas boas práticas internacionais e voltada à maior responsabilidade dos provedores e proteção dos direitos fundamentais", enfatizou.

CNJ

Também propôs ao CNJ a criação de um departamento de acompanhamento da internet, que atuaria em colaboração com o STF e o TSE, com foco na promoção de um ambiente digital mais seguro e na proteção de direitos fundamentais. 

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

Ministro Dias Toffoli diz que país deve deixar "complexo de vira-lata"

5/12/2024
Migalhas Quentes

Blogs jornalísticos não devem remover conteúdo previamente, diz Toffoli

4/12/2024
Migalhas Quentes

Moraes associa "cérebro podre" a conteúdo de redes sociais; entenda o termo

4/12/2024
Migalhas Quentes

"Algoritmos deveriam ser usados para combater informações falsas", diz Toffoli

4/12/2024
Migalhas Quentes

Para Toffoli, redes devem remover posts mesmo sem determinação judicial

4/12/2024
Migalhas Quentes

Toffoli diz que estímulo ao ódio e inverdades dão lucro às redes sociais

28/11/2024
Migalhas Quentes

Toffoli defende lei única para ocorrências no mundo físico e digital

28/11/2024

Notícias Mais Lidas

Juiz invalida prints de WhatsApp como prova por falta de autenticidade

3/1/2025

STJ afasta regra de transição e nega aposentadoria integral a celetista

3/1/2025

Barroso mantém nomeação de juiz eliminado de concurso por responder ação penal

3/1/2025

Conselho da Justiça Federal divulga feriados e pontos facultativos de 2025

3/1/2025

STF invalida lei que obriga bancos a fazer prova de vida do INS

5/1/2025

Artigos Mais Lidos

Embargos de declaração: O erro da falta de indicação de vício

3/1/2025

Precatórios e RPVs: O que todo servidor público deve saber

3/1/2025

Condições e exceções para a isenção de responsabilidade da entidade hospitalar em caso de erro médico

3/1/2025

O empreendimento de economia solidária: Comentários ao novo instituto

3/1/2025

Retrospectiva 2024: Decisões do Poder Judiciário sobre arbitragem

3/1/2025