"Inobstante sua notável envergadura no cenário nacional, o direito real de habitação não é absoluto, e em hipóteses específicas e excepcionais, quando não atender à finalidade social a que se propõe, poderá sofrer mitigação.”
Assim entendeu a 3ª turma do STJ ao excluir o direito real de habitação de uma viúva que recebe pensão pela morte do marido, que era procurador Federal, em benefício dos filhos do homem, que moram em imóveis alugados.
O colegiado seguiu o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, que destacou a excepcionalidade da medida, e que o direito pode ser mitigado quando houver um único imóvel a inventariar e o convivente possui recursos financeiros para assegurar moradia digna.
A sustentação oral do caso foi realizada pelo neto do falecido, o advogado Bruno Ribeiro de Saboya Moledo, e foi muito elogiada pela ministra.
Ministro Moura Ribeiro havia sinalizado pedido de vista, mas, ao ouvir a fala do advogado, convenceu-se e seguiu a relatora.
Confira trechos:
O caso
O processo envolve inventário de um homem falecido há 20 anos, e o direito real de habitação por parte da viúva. Os recorrentes são filhos do falecido.
Em sustentação oral, o neto do falecido, advogado da causa, destacou que o objeto do processo é um imóvel de médio para baixo padrão, no RJ, onde a viúva se mantém desde a morte do falecido.
O advogado afirmou que não há vínculo afetivo entre as partes, e que a viúva praticou uma série de atos de má-fé desde a morte do falecido. Entre eles, teria esvaziado a conta bancária do falecido no dia de sua morte; não deu à família acesso a documentos do falecido; negligenciou o descarte de restos mortais do falecido etc.
Disse, também, que a mulher é beneficiária de pensão do falecido, que era procurador Federal. Sendo assim, recebe proventos de uma renda considerada de alto padrão, podendo viver em outro imóvel, sem prejuízo a ela ou a seu sustento.
Neste momento da sustentação oral, ministro Moura Ribeiro afirmou que estava convencido e retirou o pedido de vista, acompanhando integralmente o voto da relatora.
O advogado dispensou o restante da sustentação.
Voto da relatora
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi pontuou que o direito real de habitação pode ser mitigado quando houver um único imóvel a inventariar entre os descendentes, e o convivente possuir recursos financeiros para assegurar sua subsistência e moradia dignas.
A ministra explicou que o objetivo da lei é permitir que o cônjuge ou companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo da sucessão, como forma não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, considerando-se o vínculo afetivo e psicológico com o imóvel onde constituíram um lar. No entanto, eventual relativização do direito é possível, e deve ser analisada de modo casuístico, "confrontando-se a necessidade de prevalência do direito dos herdeiros em face do direito do consorte".
Para a ministra, o art. 1.831 do CC deve ser interpretado da seguinte maneira: como regra geral, preenchidos requisitos legais, é assegurado ao cônjuge ou companheiro o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família. No entanto, "é possível relativizar o direito real de habitação em situações excepcionais, nas quais devidamente comprovado que sua manutenção não apenas acarreta prejuízos insustentáveis aos herdeiros, mas também não se justifica em relação às qualidades e necessidades pessoais do convivente”.
No recurso sob julgamento, o tribunal de origem manteve o direito real de habitação sobre o único imóvel a inventariar em razão do falecimento do de cujus, sendo que, ao longo do trâmite processual comprovou-se que:
1. A cônjuge sobrevivente recebe pensão vitalícia em montante elevado (o falecido era procurador Federal), possuindo recursos financeiros suficientes para assegurar subsistência.
2. Os herdeiros são os nus proprietários do imóvel, sendo que não receberam quaisquer outros valores a título de pensão, e alugam outros bens para residirem com seus descendentes, netos do falecido, os quais também poderiam ser abrigados no imóvel inventariado.
Logo, na excepcional situação examinada, entendeu que deve ser relativizado o direito real de habitação em favor dos herdeiros. O recurso foi conhecido e provido para, excepcionalmente – como frisou a ministra –, afastar o direito real de habitação do cônjuge.
- Processo: REsp 2.151.939