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PEC Kamikaze: STF invalida emenda que ampliou benefícios sociais

Maioria dos ministros entendeu pela invalidade da EC 123, que, aprovada meses antes das eleições de 2022, ampliou benefícios sociais devido à alta dos combustíveis.

1/8/2024

Na tarde desta quinta-feira, 1º de agosto, inaugurando as sessões plenárias do 2º semestre de 2024, o STF, por maioria, decidiu pela invalidade da EC 123, que ampliou pagamento de benefícios sociais após elevação dos preços de combustíveis.

Prevaleceu a divergência inaugurada pelo ministro Gilmar Mendes, que considerou a emenda, derivada da "PEC Kamikaze", inválida por ter sido votada e aprovada dois meses antes das eleições de 2022.

A ação foi julgada parcialmente procedente, declarando-se a inconstitucionalidade, com efeitos ex nunc, dos arts. 3º, 5º e 6º da EC 123/22, bem como da expressão "e sobre medidas para atenuar os efeitos do estado de emergência decorrentes da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais dela decorrentes", presente no art. 1º da EC 123/22.

A Corte ressaltou os efeitos ex nunc da decisão, destacando que a emenda não será anulada, pois, como seus efeitos já se exauriram, a anulação poderia prejudicar aqueles que receberam os valores de boa-fé.

Veja o placar:

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Perda do objeto e inépcia da inicial

O relator, ministro André Mendonça, ao proferir voto, propôs que o Supremo se limitasse a analisar a ação a partir de aspectos estritamente processuais. 

Apontou a perda superveniente de objeto, pois os prazos abrangidos pela EC já teriam se esgotado com o fim do estado de emergência.

Além disso, o ministro destacou a inépcia da inicial, devido à falta de fundamentos jurídicos específicos para cada artigo da EC impugnado. S. Exa. observou que a argumentação jurídica apresentada estava centrada na definição de estado de emergência e não impugnava diretamente os dispositivos. 

Apesar de propor a delimitação da análise às questões processuais, Mendonça, considerando a possibilidade de escolha de exame do mérito pelos pares, entendeu que a EC seria plenamente válida, formal e materialmente.

Com base no contexto fático informado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, concluiu que não houve ofensa ao direito parlamentar nem infringência às normas. No que diz respeito aos biocombustíveis, entendeu pela possibilidade de instituição do diferencial de competitividade.

Ademais, quanto à existência de estado de emergência, Mendonça afirmou que a União pode adotar tal medida via EC. Rejeitou a alegação de criação de uma terceira modalidade de salvaguarda de defesa estatal, explicando que o objeto impugnado não se caracteriza como um instituto de salvaguarda, como os estados de defesa ou de sítio, que envolvem a suspensão temporária de garantias fundamentais dos cidadãos em contextos críticos. A EC 123, na realidade, refere-se a um conceito similar ao de "situação de emergência" e de "estado de calamidade pública".

Ao final, o ministro entendeu pela perda superveniente do objeto e extinção sem resolução do mérito da ação por inépcia da inicial, mas, considerando a possibilidade de julgamento de mérito pela Corte, entendeu que a EC 123 seria constitucional.

Ao final propôs duas teses de caráter estritamente processual:

"I - Há perda superveniente de objeto quando verificado o término do prazo de vigência de leis temporárias, sobretudo nas situações em que seus efeitos tenham sido integralmente exauridos.

II - A não observância do ônus processual previsto no art. 3º da lei 9.868/99, que impõe a necessidade de expor na petição inicial os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações, enseja o reconhecimento da inépcia da petição inicial, impondo-se o não conhecimento da ação em relação à parcela das impugnações especificamente não fundamentadas."

Impugnação adequada

Ministro Gilmar Mendes, inaugurando divergência, afirmou que inexiste a perda superveniente do objeto, porque muitas ações relativas a leis com tempos exíguos, dificilmente, são julgadas em tempo hábil.

Para S.  Exa., a jurisprudência é clara ao não considerar a perda do objeto quando o ato normativo questionado foi impugnado de maneira adequada, dentro do prazo e conforme os procedimentos corretos. "Muitas vezes pode não haver tempo para a colocação em pauta, mas houve a impugnação", concluiu.

Ademais, destacou que a superação da prejudicialidade se justificaria pela relevância política, social e jurídica dos tratados em questão, como ocorreu no caso da ADPF 623, que declarou a inconstitucionalidade de decreto editado pelo ex-presidente, Jair Bolsonaro, para reduzir o número de integrantes no Conama - Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Assim, votou por conhecer a ação e julgar parcialmente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da EC, mas sem pronunciar a nulidade da emenda para evitar prejuízos a quem recebeu valores de boa-fé, pois a norma já produziu seus efeitos.

Gilmar Mendes também ressaltou a importância de analisar o mérito para evitar que em futuras eleições a votação de emendas desse gênero se repita.

S. Exa. foi seguida pelos ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux e pela ministra Cármen Lúcia.

Inconstitucionalidade

Ministro Flávio Dino, em seu voto, destacou que ainda há relações jurídicas pendentes relacionadas à EC, como a análise das contas da presidência de 2022, que não foram julgadas pelo Congresso.

No que diz respeito ao mérito, Dino afirmou que a igualdade de oportunidades na eleição é um direito resguardado pelo STF e que deve ser preservado.

No caso, entendeu que ele foi prejudicado pelo prática do "constitucionalismo abusivo", pelo qual normas aparentemente válidas do ponto de vista formal podem ser materialmente antidemocráticas. Segundo Dino, a EC teve esse efeito porque liberou R$ 41 bilhões a três meses das eleições.

O ministro também ressaltou a importância do respeito aos princípios da anterioridade e anualidade pelo legislador derivado, afirmando que estes princípios são aplicáveis às emendas constitucionais.

Dino também criticou o uso do estado de emergência para justificar a propositura da PEC, apontando uma dissonância entre as declarações do então ministro da Economia, Paulo Guedes, que afirmava que a economia brasileira estava em boa situação, e a declaração de emergência.

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"Temos uma dissonância, em que o ministro da economia diz que em 2022 tudo ia muito bem [...] Há frases bem eloquentes: 'A economia está voando'", disse Dino, destacando a falta de suporte empírico para a emergência declarada.

Dino também criticou a votação da PEC no Congresso Nacional, comparando-a a um "código civil da coação", observando que poucos parlamentares estariam dispostos a votar contra auxílios populares a dois meses das eleições.

Ao final, em seu voto pela inconstitucionalidade da EC, Dino propôs uma modulação de efeitos para proteger aqueles que receberam os auxílios de boa-fé, além de sugerir a comunicação à PGR, ao TCU e ao TSE para apurações de improbidade.

O ministro apresentou as seguintes teses:

"I - O princípio da anualidade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição Federal aplica-se a qualquer alteração normativa, ainda que originada de Emenda Constitucional.

II - O art. 73, § 10 da lei 9.504/97 não pode ser burlado mediante a aprovação de Emendas Constitucionais que configuram constitucionalismo abusivo."

O caso

O Partido Novo afirmou que a EC reconheceu o estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e derivados e dos impactos sociais decorrentes. 

Entretanto, alegou que as hipóteses de estado de exceção – sítio e defesa - previstas na CF são taxativas. Assim, o texto teria criado nova modalidade, via emenda, afrontando direitos e garantias fundamentais e o federalismo. 

Também afirmou que existiria violação ao voto direto, secreto, universal e periódico, pois a EC pretendeu a distribuição gratuita de bens em ano eleitoral, proibida pelo princípio da anterioridade eleitoral, segundo o art. 16 da CF.  Tal regra, afirma o partido, visa evitar o uso abusivo ou casuístico do processo legislativo para manipular e deformar o processo eleitoral.

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