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Suspensão da redução de IPI pelo STF é abuso jurídico

A decisão é extremamente polêmica, tendo em vista que é vaga, entrando em uma zona cinzenta entre política e Direito.

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Atualizado às 10:50

O STF concedeu medida cautelar na ADIn 7153 para suspender a íntegra do decreto 11.052, de 28/4/22 e dos decretos 11.047, de 14/4/22, e 11.055, de 28/4/22, no tocante à redução das alíquotas de IPI em relação aos produtos produzidos pelas indústrias da Zona Franca de Manaus que possuem o Processo Produtivo Básico, conforme conceito constante do art. 7º, § 8º, b, da lei 8.387/91. 

A decisão é extremamente polêmica, tendo em vista que é vaga, entrando em uma zona cinzenta entre política e Direito. 

Quando se fala em Zona Franca de Manaus, recorre-se a artigos da Constituição que timidamente dizem que a zona de livre comércio está prorrogada até 2073. Tratam-se dos arts. 40, 92 e 92-A do ADCT, abaixo transcritos: 

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 (ADCT)

Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição.     (Vide Decreto nº 7.212, de 2010)

Parágrafo único. Somente por lei federal podem ser modificados os critérios que disciplinaram ou venham a disciplinar a aprovação dos projetos na Zona Franca de Manaus. (...)

Art. 92. São acrescidos dez anos ao prazo fixado no art. 40 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.            (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)     (Vide Decreto nº 7.212, de 2010)

Art. 92-A. São acrescidos 50 (cinquenta) anos ao prazo fixado pelo art. 92 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.                  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 83, de 2014)

Percebe-se que a Constituição não tratou pormenorizadamente da ZFM, apenas consignou que a área é de livre comércio, de exportação e importação, além de estabelecer até que ano ela estaria em vigor.

Devido à falta de regulação constitucional sobre o tema, fica a critério do intérprete o entendimento de que há comandos mais ou menos protetores da ZFM. A decisão do STF partiu do princípio de que a Constituição protege plenamente o benefício fiscal da ZFM.

Pois bem. Mesmo que assim seja, isso não significa que a zona franca é a única legitimada pelo poder constituinte a receber benefícios fiscais. O legislador infraconstitucional poderia perfeitamente criar uma zona franca em outra cidade, estabelecendo uma série de benefícios fiscais para as empresas que lá se instalem.

Um bom exemplo de zona com privilégios fiscais é a Zona Portuária do Rio de Janeiro, protegida pelo Município como uma área de interesse público com privilégios fiscais de tributos municipais.

Nada obstante, nada impede que o governo amplie para todo o território nacional qualquer benefício que antes era exclusivo da Zona Franca de Manaus. Isso não significaria a destruição da área privilegiada pela Constituição. Apenas significa que tal direito não é mais exclusivo daquela área.

Se a zona de livre comércio de Manaus possui uma cesta de incentivos fiscais e um desses incentivos é ampliado para o resto do país, o que há de errado? Absolutamente nada. Em nenhum momento afirmou-se que tais privilégios fiscais seriam exclusivos da ZFM. Mesmo que se torne todos os privilégios da ZFM uma regra geral para o país, de maneira que ela perca sua atratividade, ainda assim tal concessão por parte do governo deve ser vista com bons olhos pela sociedade. A ZFM não foi criada para escravizar os brasileiros que não estão nela localizados. Se existe uma maneira legítima de tornar inócua a área de livre comércio é transformar em regra todos os seus privilégios.

Caso tal medida seja tomada pelo governo, seria uma maneira legítima de acabar com a atratividade da zona franca. Não faz sentido proibir o governo de conceder benesses à sociedade brasileira ao argumento de que estaria acabando com a exclusividade da zona franca. Não há regra jurídica que proíba o governo de tornar regra um privilégio. Muito pelo contrário, até consagra o princípio da isonomia.

Mas sequer é isso que está em debate na ADIn 7153. Nesta ação direta, está sendo atacada a exclusividade de apenas um dos benefícios da ZFM, que é a isenção de IPI. E além disso, até o momento tal exclusividade está apenas sendo parcialmente atacada, já que a ADIn está atacando a redução de IPI em todo o território nacional. Sequer está sendo concedida isenção pelos decretos questionados. Foi concedida alíquota zero apenas para alguns poucos produtos da TIPI, de maneira geral a redução foi apenas parcial.

É apenas um pouco do privilégio de Manaus que está sendo estendido para o resto do Brasil. É muito pouco para argumentar que a zona franca está perdendo sua atratividade. A redução é de no máximo 35% da carga tributária. Há um longo caminho a se trilhar até afirmar-se que a ZFM não é mais atrativa do ponto de vista fiscal.

O Min. Paulo Guedes já afirmou ter a intenção de zerar a alíquota do IPI no Brasil. Quando esse dia chegar, aí sim o debate será mais problemático, por enquanto tal dia não chegou. Ainda assim, poderíamos afirmar que seria legítima a alíquota zero de IPI para todo o Brasil. Como já dito, se há uma maneira constitucional de acabar com esse privilégio regional é torna-lo regra geral para o país.

Pedro Augusto de Almeida Mosqueira

Pedro Augusto de Almeida Mosqueira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense e advogado no Rio de Janeiro.

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