Como minimizar os custos de arrecadação do IBS
Em uma Federação, o sistema tributário nacional é um micro sistema jurídico inserido dentro de um sistema jurídico global que é a Constituição.
quinta-feira, 2 de janeiro de 2025
Atualizado em 3 de janeiro de 2025 11:29
1 Introdução
O sistema tributário nacional, esculpido pelo legislador constituinte de 1988, respeita a forma federativa do Estado, instituída desde a primeira Constituição Republicana de 1981, que assegura a autonomia dos entes federados.
A Federação Brasileira formou-se de um movimento centrífugo, ou seja, a Federação teve origem em um Estado Unitário que se fragmentou n'um movimento de dentro para fora. Daí o centralismo de nossa Federação que reserva à União maior poder.
A Federação Americana, ao contrário, resultou de um movimento centrípeto, isto é, vários estados soberanos se agregaram em um movimento de fora para dentro. Daí a grande autonomia dos estados membros americanos.
Em consequência da forma federativa do Estado Brasileiro, desde a Constituição de 1981 adotou-se um sistema tributário nacional peculiar em que a União e os Estados são contemplados com impostos privativos. Na Constituição de 1981, embora o município não tenha sido contemplado expressamente com impostos privativos, ficou consignado que os Estados "organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios em tudo quanto respeito ao seu peculiar interesse".
A partir da Constituição de 1934, até a atual de 1988, a discriminação constitucional de impostos passou a contemplar as três entidades políticas juridicamente parificadas, compondo o sistema tributário nacional.
Em uma Federação, o sistema tributário nacional é um microssistema jurídico inserido dentro de um sistema jurídico global que é a Constituição. Não pode haver um sistema tributário que não se harmonize com a ordem jurídico-constitucional. O poder estatal no qual se insere o poder de tributar há de conformar-se com o princípio da autonomia dos entes federados (art. 18 da CF).
2 Condições básicas para elaboração de uma proposta de reforma constitucional
Qualquer preposta de reforma tributária pressupõe o conhecimento da forma federativa de nosso Estado, bem como das suas peculiaridades de ser um país de dimensão continental (5º maior país do mundo) a gerar naturais desníveis socioeconômicos entre as várias regiões do país. Os Estados componentes das Regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste apresentam realidades bem distintas das dos Estados que compõem as Regiões Sul e Sudeste.
O sistema tributário nacional vigente é o único que se ajusta à peculiaridade de nossa Federação: impostos privativos aos três entes federados, de um lado, e distribuição dos produtos de arrecadação de impostos federais (IPI e IR) por meio de fundos de participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM), além de destinação específica da parte desses recursos para os Estados das Regiões N, ND e CO.
Com esse mecanismo fica assegurada a autonomia de que cuida o art. 18 da Constituição de 1988. Não há independência político-administrativa sem independência financeira.
Outrossim, não é suficiente atribuir imenso poder tributário a estados e municípios pobres, pois sem produção abundante de riquezas, a retirada da parte delas não assegurará a autonomia daqueles entes regionais e locais. Daí a partilha de impostos da União, contemplada com fatia maior do bolo tributário.
O outro pressuposto para a elaboração da proposta de reforma é que o seu autor ou autores tenham o mínimo de conhecimento do sistema tributário vigente e da jurisprudência dos tribunais superiores (STJ e STF) para eliminar os pontos de atritos que geram tantas demandas judiciais, sem a necessidade de destruir o sistema vigente, a pretexto de simplificá-lo partindo para o raciocínio matemático de unificar quatro tributos de competência impositiva diferente em torno de um só imposto - o IBS.
Os autores da reforma, jejunos em direito, em nome da simplificação do sistema tributária destruiu a forma federativa de nosso Estado e criou um caos tributário com inserção de 141 normas constitucionais epidêmicas e mais de 8 mil normas infraconstitucionais, redundando em um verdadeiro inferno fiscal para cobrar o maior imposto incidente sobre o consumo do mundo.
3 Como baratear os custos da arrecadação do IBS e minorar o grau de inconstitucionalidade
Para restabelecer a forma federativa de estado, protegida em nível da cláusula pétrea (art. 60, § 4º, da CF), só existe um caminho: a revogação da EC 132/2023, uma alternativa improvável devido a dispendiosa propaganda veiculada pela mídia paga, que vem enganando a opinião pública, consciente ou inconscientemente..
Essa reforma é um embuste do começo ao fim, aprovada a toque de caixa, regada por bilhões em emendas parlamentares inconstitucionais a cada etapa do processo legislativo na Câmara Federal e no Senado Federal. Nunca se sangrou tanto o tesouro nacional como a aprovação dessa infernal reforma que conduz a sociedade ao abismo.
Fala-se em alíquota básica de 26,5%, mas, já houve época em que o governo anunciava com mais realismo a alíquota padrão em torno de 28,5%. Porém, a Câmara rejeitou 34 alterações feitas pelo Senado Federal, para retomar a alíquota originalmente prevista de de 26,5%. Se for verdade, pergunta-se, por que não se fixou essa alíquota na regulamentação do IBS? Por que definir o fato gerador, os contribuintes e a base de cálculo do IBS, sem fixar a sua alíquota?
O governo e o Parlamento totalmente aparelhado à custa da liberação de emendas parlamentares, pretendem empurrar com a barriga essa questão da alíquota padrão do IBS até o final de 2033, quando os atuais impostos serão extintos e serão definitivamente incorporados ao IBS, com a fixação de alíquotas municipais e estaduais. Na verdade, são três alíquotas. A referida alíquota de 26,5% é apenas do IBS da União denominado de CBS, um dos estratagemas para disfarçar a natureza federal do IBS dual.
No final de 2033, a população em geral, que hoje estão aplaudindo a reforma por conta da propaganda falaciosa, irá ter uma grande surpresa com o IBS escorchante. Os problemas são sempre empurrados para o futuro.
A União, por sua vez, sentirá a diminuição de sua receita por conta do abocanhamento pelo Comitê Gestor de 60% da arrecadação do IBS de 2026 e de 50% dos exercícios subsequentes.
Esse Comitê Gestor foi inventado pelos burocratas, cuja única virtude é a infinita capacidade de complicar e caotizar o sistema tributário, para disfarçar a quebra do princípio federativo ao preconizar um IBS dual, a ser arrecadado e repartido por um órgão dito paritário e neutro. Na prática, o IBS passou a ser um imposto federal, à medida que ele é instituído por lei complementar federal e terá um regulamento único para gerir tanto o IBS, como a sua irmã gêmea, a CBS federal.
Com o pouco de inteligência é possível economizar os custos da arrecadação desse IBS e dessa CBS.
As três entidades políticas já têm as suas administrações tributárias, reputadas pela Constituição como essenciais ao funcionamento do Estado, integradas por servidores de carreiras específicas, com recursos prioritários para a realização de suas atividades e que atuarão de forma integrada, incluindo o compartilhamento de cadastros fiscais e informações fiscais na forma do convênio (art. 37, inciso XXII da CF).
Se for assim, por que não encarregar a Secretaria da Receita Federal de proceder a arrecadação da CBS? A final, tanto o Comitê Gestor, como a SRF são órgãos federais! Qual a justificativa para essa dualidade de órgãos com função arrecadadora contra expresso texto constitucional?
No que tange ao IBS por que razão o Estado deixou de ter competência para arrecadar na proporção da alíquota fixada por lei estadual? A mesma indagação se faz em relação ao Município que, igualmente, tem a competência para fixar a sua alíquota em relação do IBS.
Estados e Municípios procederiam as respectivas arrecadações do IBS na parte que lhe cabe e dirimiriam o contencioso administrativo por meio de seus respectivos órgãos administrativos, compostos de experientes profissionais de carreira específica (agentes fiscais de rendas e inspetores fiscais, respectivamente, para os estados e municípios).
Só é preciso melhor definir o fato gerador do IBS (idêntico ao da CBS) para evitar divergência de critérios no lançamento do imposto, suprindo as confusas e nebulosas normas do PLP 68/2024, já aprovado e em vias de sanção presidencial. Apesar de mais de 5.000 normas, a regulamentação desse imposto não foi capaz de definir com precisão as hipóteses de sua incidência. N'um item fala-se em operações com bens tangíveis e intangíveis a título oneroso. N'outro item refere-se a operações com bens tangíveis e intangíveis a título gratuito, lançando confusão com o ITCMD. Afinal, qual é o objeto de tributação do IBS? Não sabemos, nem se descobre! Apesar de importado da Europa, o IVA mudou de denominação para obscurecer a sua natureza mercantil: Imposto sobre o Valor Agregado (em cada operação de venda). O IBS é um conceito indeterminado.
Outrossim, não faz o menor sentido lógico conferir a um órgão federal o poder de arrecadar e distribuir o IBS e julgar em instância recursal o contencioso administrativo resultante dos autos de infração lavrados pelos estados e municípios. Tanto a União, como os estados e municípios têm os seus órgãos para processar o contencioso administrativo fiscal.
Tentar descaracterizar a natureza federal do IBS por meio desse expediente pueril de confiar a administração do imposto a um órgão federal, formado por representantes dos estados e dos municípios, é o mesmo que querer tapar o sol com a peneira. A final, quem nomeia esses representantes? Qual o critério?
4 Conclusão
Em face do exposto é lícito presumir que os astutos autores da desastrada reforma tributária, que coloca de perna para o ar o sistema tributário vigente, estão de olho nos cargos do Comitê Gestor com remunerações polpudas a serem preenchidos na base do QI, isto é, sem concurso de títulos e provas como manda o art. 37, XXIII da CF.
De fato, essa figura mitológica do Comitê Gestor, que faz às vezes de Estado como se fosse um quarto ente federativo, compõe-se de Conselho Superior, Secretaria Geral, Gabinete da Presidência e nove Diretorias Executivas, sendo que 30% dos cargos deverão ser preenchidos por mulheres. Quais mulheres?
Esse Comitê Gestor vai na contramão da reforma administrativa em curso, que visa exatamente enxugar os órgãos administrativos, a fim de reduzir o tamanho do Estado que não mais cabe dentro do PIB.
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.