A juíza de Direito Renata Mota Maciel, da 2ª vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem de SP, na noite de sexta-feira, 29, quando o Sol já se tinha partido, rejeitou pedido para anular decisão arbitral acerca do controle da Eldorado Brasil.
Sem esconder um certo enfado com o processo, o que, consoante ressabido, é contraproducente, a magistrada consigna que "a proporção tomada nesta ação judicial, com todo respeito às partes e advogados aqui envolvidos, extrapolou e muito o limite do esperado". Segundo ela, "não por conta do direito envolvido e a ser resguardado", mas "por conta do incansável fôlego da autora e da requerida em litigar".
As circunstâncias nas quais se deu a prolação da sentença talvez expliquem tanto o momento (noite do 29, dia consagrado ao saboroso "nhoque della fortuna"), como a confessada fadiga. É que a magistrada foi convocada para ser juíza auxiliar no STJ, ficando o fim de julho como término de sua jurisdição em SP. E bem se imagina o cansaço diante da dificuldade de deixar a casa arrumada antes de partir... Aliás, tais vicissitudes também podem ter contribuído para a negativa de produção de novas provas solicitada pela parte (atrasaria o fim do processo). E um despacho negando produção de provas é algo até corriqueiro nas lides, não fosse o fato de que, na conclusão, ela assevera - em vários momentos - que não se viu prova suficiente para a comprovação do alegado.
Quanto a um dos pontos objeto da impugnação, acerca do dever de revelação dos árbitros, a magistrada, compreendendo que a preservação da confiança "é a baliza fundamental para compreender a extensão do dever de revelação", acaba por relativizar tal obrigação. Com efeito, ela entendeu que não houve prejuízo para a J&F o árbitro não ter feito revelações que, na visão da empresa, poderiam ser fundamentais para eventual escolha do tribunal arbitral.
Para ela, a prevalecer regra no sentido de que toda “dúvida mínima” deva ser revelada, "a etapa de constituição do painel arbitral seria um tanto morosa".
Paradoxalmente, a magistrada faz uma reflexão quanto à questão:
"O aprimoramento da arbitragem no Brasil por certo recomenda reflexões sobre o mercado de árbitros, parâmetros de nomeações e de reconhecimento de conflitos de interesses, e o momento parece oportuno, observada a quantidade de litígios que vem sendo instaurados perante o Poder Judiciário a debater o tema do dever de revelação com consequências na imparcialidade e na independência dos árbitros."
Quanto à alegação de que hackers teriam sido utilizados pela demandada, de modo a conhecer a estratégia da autora, o que é objeto de investigação policial adiantada, a magistrada passa ao largo dizendo que “o nexo causal entre a alegada espionagem cibernética e o procedimento de arbitragem em questão” não teria ficado demonstrado, "ao menos não para o fim de ser considerado como elemento a justificar a nulidade da sentença arbitral por violação ao devido processo legal".
E, de certa forma confirmando a existência de hackeamento, entende que "se nexo causal houve, foi em relação à conduta extraprocessual tomada pelas partes durante a disputa na qual se funda o procedimento arbitral, tudo a confirmar tenham extrapolado, de parte a parte, a justa expectativa de comportamento de dois agentes econômicos no curso de negociação empresarial".
De acordo com a juíza, de fato, parece ter ocorrido o desvio de e-mails ligados à J&F, porém, não se pôde precisar exatamente o contexto no qual ocorrido, o que inclui a falta de elementos suficientes a demonstrar tenha sido realizada por ordem ou com a participação da requerida.
Na decisão de mais de 200 páginas, nas quais cerca de 90% são cópias desnecessárias de partes do processo, de decisões e de doutrina, a juíza majora ex officio o valor da causa (antes de R$ 100 milhões) para R$ 6 bilhões, a partir de um hipotético ganho, contrariando até mesmo o que havia entendido quando do saneamento do processo, oportunidade na qual observou que o eventual proveito econômico seria o custo da arbitragem, e não o valor do negócio em disputa, cujo montante nem se sabe se é o que arbitrariamente arbitrou.
Consciente de que é apenas e tão somente uma primeira etapa do processo ("o exercício de suas posições jurídicas ainda é possível às partes, afinal, a obrigação vista como processo ainda está em curso"), a magistrada diz que "se novos capítulos serão iniciados nesta disputa, que o sejam em observância às regras jurídicas e nos limites do que é tolerável pelo mercado".
Oxalá!
Disputa bilionária
Em 2017, a J&F Investimentos resolveu vender a Eldorado Celulose para a Paper Excellence. O negócio foi fechado, mas na efetivação da venda houve um agastamento: a J&F acusou a Paper de descumprir prazos e garantias; a Paper, por seu turno, afirmou que a J&F estava dificultando a conclusão do negócio.
Com a lide instalada, as partes deliberaram, então, (como constava no contrato) resolver o desentendimento em um Tribunal Arbitral.
Em fevereiro de 2021, a Corte arbitral da International Chamber of Commerce (ICC Brasil) decidiu que o grupo J&F teria de vender o restante final da Eldorado Celulose à Paper Excellence. Foi a partir dessa decisão, e lobrigando vícios e ilegalidades, que a J&F deliberou judicializar o caso que teve a decisão de primeiro grau aqui anunciada.