Expertise: Conheça os árbitros da disputa pela Eldorado Brasil
Nomes internacionalmente reconhecidos, três profissionais estiveram à frente de uma das maiores arbitragens já realizadas no Brasil.
Da Redação
segunda-feira, 1 de março de 2021
Atualizado em 2 de março de 2021 11:33
Juan Fernández-Armesto, Anderson Schreiber e José Emílio Nunes Pinto. Notoriamente reconhecidos pela expertise e possuidores de extensos currículos na arbitragem, os três citados foram os árbitros responsáveis pela sentença que encerrou, provavelmente, o litígio mais vultoso envolvendo duas empresas no Brasil. Com efeito, o imbróglio acerca do controle da produtora de celulose Eldorado Brasil era um caso bilionário.
O processo arbitral culminou com a incontestável vitória da Paper Excellence, por 3 a 0 (três votos a zero), contra a J&F Investimentos, holding que controla a gigante JBS.
Como amplamente se sabe, além de possuir mais celeridade que o Judiciário, a arbitragem é considerada uma das mais confiáveis formas de resolução de conflitos, justamente porque as partes podem nomear juízes com alta expertise no tema para solucionar o litígio. E esta é uma das vantagens que fazem com que a arbitragem seja escolhida entre empresas de grande porte como meio para solucionar demandas importantes.
"São apontados costumeiramente como atrativos da adoção do juízo arbitral: especialidade do julgador, confidencialidade, celeridade e flexibilidade do procedimento, que possibilita sua modulação à luz do direito material controvertido. A flexibilidade tende a inibir o exagero nas discussões processuais, proporcionando um maior enfoque no mérito da controvérsia. Assim, contribui com a própria celeridade processual, bem como com a qualidade da decisão." (Letícia de Souza Baddauy, livro "Arbitragem - Atualidades e tendências")
Os árbitros - em sua grande maioria juristas - são sempre profissionais conceituados, especialistas em suas áreas e, por isso, quase sempre muito requisitados.
No caso da arbitragem bilionária envolvendo o controle da Eldorado, como dito, os árbitros foram Juan Fernández-Armesto, que presidiu o Tribunal Arbitral, Anderson Schreiber (indicado pela Paper) e José Emílio Nunes Pinto (indicado pela J&F).
Antes de conhecermos os juízes do caso, é preciso recordar que as partes, quando elaboram um contrato, como foi o caso da aquisição da Eldorado pela Paper, que até então era controlada pela J&F, consignam como será solucionado o conflito. Isto é, apontam o foro de escolha para dirimir eventuais dúvidas ou até mesmo litígios. Isso é de praxe, como se sabe, em todos os contratos. Nos contratos de adesão, sempre consta ao final que "fica escolhido o foro de xxxx". No caso de complexos contratos, como o que estamos a mencionar, a cláusula compromissória (que é a opção pela arbitragem) enseja, muitas vezes, uma certa discussão para se avaliar qual será a Câmara de Arbitragem escolhida. E tal se dá porque cada Câmara tem seus próprios procedimentos.
No caso da Eldorado, as partes optaram pela Corte Internacional de Arbitragem, que é a maior referência em arbitragem no mundo. Trata-se de uma seriíssima instituição, criada em 1923, nos EUA, e que é a pioneira na arbitragem comercial no planeta. Atualmente, é presidida pelo francês Alexis Mourre, e conta com 176 membros, os quais são procedentes de 104 países diferentes. Normalmente, e parece ter sido esse o caso, cada parte indica um árbitro, e estes dois apontam, entre os árbitros que compõem a Câmara, o presidente do tribunal arbitral.
Nesta arbitragem, vejamos quem escolheu cada árbitro e quem são estes juízes arbitrais.
O brasileiro Anderson Schreiber, coárbitro indicado pela Paper Excellence, é Procurador do Estado do Rio de Janeiro, parecerista e árbitro em processos no Brasil e no exterior. Em 2018, foi árbitro do caso Concessionária da linha 4 do metrô de São Paulo x Estado de São Paulo.
É também professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da mesma instituição. É doutor em Direito Privado Comparado pela Università degli studi del Molise, Itália, e mestre em Direito Civil pela UERJ.
Escreveu diversas obras jurídicas, dentre elas "A Proibição de Comportamento Contraditório", "Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil", "Direitos da Personalidade", "Equilíbrio Contratual e Dever de Renegociar" e "Manual de Direito Civil Contemporâneo".
Além de ser membro da International Academy of Comparative Law, e sócio fundador do escritório Schreiber Advogados, Anderson Schreiber também é membro do Comitê Brasileiro da Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française e vice-Presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/RJ.
Foi chefe do Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, presidente do Comitê de Desburocratização do Estado do Rio de Janeiro e Chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços do Estado do Rio de Janeiro.
Um dos autores da lei de arbitragem brasileira (lei 9.307/96), José Emílio Nunes Pinto, coárbitro indicado pela J&F, já atuou em mais de 140 procedimentos arbitrais como presidente, coárbitro e árbitro único, em procedimentos domésticos e internacionais. É sócio-fundador do José Emílio Nunes Pinto Advogados e membro da LCIA Court (The London Court of International Arbitration).
Graduado, em 1972, pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara (atualmente Universidade do Estado do Rio de Janeiro), participou, em 1977, do Programma International de Gestion Générale - PIGG do INSEAD, em Fontainebleau, França. E, em 2002, integrou o Leading Change and Organizational Renewal - LCOR, na Universidade de Stanford, em Palo Alto, na Califórnia.
Além de ter feito parte do conselho editorial nacional da Revista Brasileira de Arbitragem, José Emílio Nunes Pinto já atuou como árbitro nas Câmaras: CCBC, FIESP/CIESP, AMCHAM SP, CAM BOVESPA, FGV RIO, CBMA-RIO, ARBITAC, CAMARB, CeCAP (Panamá), CCI, LCIA, ICDR e ICSID.
As principais áreas de atuação em procedimentos arbitrais são: Direito societário (companhias cotadas em Bolsa, companhias fechadas, fusões & aquisições, joint ventures e acordos de acionistas), contratos (incluindo franquias, contratos comerciais e civis), projetos e project finance, direito da construção (EPC, FIDIC, FEED e contratos-aliança), águas e saneamento, fertilizantes, propriedade intelectual, energia elétrica, petróleo & gás, logística, ferrovias, siderurgia, mineração, projetos de infraestrutura, estradas pedagiadas, contratos de concessão, parcerias público-privadas, matéria regulatória. Ele também participou do processo de arbitragem entre a petroquímica Braskem e a multinacional alemã Lanxess.
Presidente do Tribunal Arbitral que decidiu o caso Eldorado, o espanhol Juan Fernández-Armesto tem atuado como presidente de Tribunal Arbitral, coárbitro e árbitro único desde 2001. Ele já participou de mais de 180 arbitragens comerciais, de construção e de investimento.
Juan Fernández-Armesto é formado em Direito (1977) e Ciências Empresariais (1978) pelo ICADE, em Madri. E obteve, em 1983, o título de Doutor em Direito pela Universidade Autónoma de Madrid.
Entre 1983 e 1996, ele foi sócio da sociedade de advogados Uría Menéndez. Em 1993, passou a dirigir o departamento de contencioso e arbitragem e nesse âmbito atuou como advogado em mais de 40 arbitragens, domésticas e internacionais.
Em 1996, foi designado presidente da Comissão Nacional do Mercado de Valores (CNMV) espanhola. E, em 2011, foi nomeado vice-presidente da Câmara de Recursos Conjunta das Autoridades Supervisoras Europeias, órgão que decide sobre os recursos contra as decisões da Autoridade Bancária Europeia - EBA, Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma - EIOPA e Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados - ESMA.
Entre 2020 e 2019, participou como árbitro em relevantes litígios, tais como os casos: Chinese Company and Brazilian Companies x Brazilian citizens, JSC DTEK Krymenergo x The Russian Federation, Indian Company x African State, Enel Fortuna S.A. x Republic of Panama, LSG Building Solutions GmbH x Romania, Carlyle Group x Kingdom of Morocco, Dick Fernando Abanto Ishivata x Bolivarian Republic of Venezuela, Shokat Mohammed Dalal x United Arab Emirates, Russian Company x Latin American State Entity.
As sentenças e outras decisões em arbitragem comercial não são públicas. No entanto, Juan Fernández-Armesto publica em seu site as decisões e sentenças arbitrais emitidas em arbitragens de investimento que são, frequentemente, publicadas pelas partes. Estas podem ser conferidas neste link.
ICC
Soma-se ao currículo dos árbitros o prestígio da Corte Internacional de Arbitragem, que é considerada a instituição arbitral de maior projeção internacional. Estabelecida em 1923 como a entidade arbitral da ICC (International Chamber of Commerce), a Corte Internacional de Arbitragem foi pioneira na arbitragem comercial internacional, tendo iniciado e liderado o movimento que culminou a adoção da Convenção de Nova Iorque de 1958, sobre o Reconhecimento e Aplicabilidade das Sentenças Arbitrais Estrangeiras.
Caso Eldorado
Apesar da qualidade dos árbitros, da credibilidade da instituição e do reconhecimento do procedimento arbitral no Brasil e no mundo, não raro o instituto sofre injustos ataques. Aliás, nota divulgada recentemente no jornal O Globo informa que a sentença arbitral do caso entre a Paper Excellence e a J&F Investimentos, por exemplo, pode ser questionada no Judiciário.
Como se viu, todavia, o Tribunal Arbitral entendeu por unanimidade, 3 x 0, que a J&F manipulou informações de forma a desfazer o negócio com a Paper, fechado em 2017. Isso porque quando a Paper adquiriu por R$ 15 bilhões a Eldorado Brasil, da J&F Investimentos, ficou acordado que a operação seria finalizada em etapas. Contudo, em uma das etapas da compra, quando a J&F ainda possuía 50,59% da Eldorado, e a Paper já havia efetivado a aquisição de 49,41%, a J&F declarou unilateralmente extinto o contrato.
A justificativa foi a de que a sócia não havia liberado garantias prestadas em dívidas da produtora de celulose, uma pré-condição para aquisição do controle. A Paper, por seu turno, alegava má-fé da J&F, que teria dificultado a liberação das garantias, e ainda cobrava R$ 6 bilhões a mais para dar sequência ao negócio.
O Tribunal Arbitral entendeu que a Paper tinha razão. A decisão declarou que "a J&F Investimentos S.A. e a Eldorado Brasil Celulose S.A. obstaram maliciosamente o implemento da condição referente à Liberação das Garantias dos Vendedores", além de terem "inadimplido o seu dever de cooperar".
Declara que a J&F Investimentos S.A. e a Eldorado Brasil Celulose S.A. obstaram maliciosamente o implemento da condição referente à Liberação das Garantias dos Vendedores, nos termos do Art. 129 do Código Civil, além de terem inadimplido o seu dever de cooperar previsto na Cláusula 15.3 do SPA e no Art. 422 do Código Civil."
É forçoso lembrar que o Judiciário está cada vez mais refratário quanto a se imiscuir nas decisões arbitrais. Com efeito, apenas cabe ao Judiciário exercer um "controle de legalidade", para verificar, quando questionado pelas partes, se o procedimento ocorreu conforme estabelece a lei. No caso de uma instituição centenária como o ICC, a mera alegação de irregularidade soa como um vitupério. Ademais, os árbitros da referida Câmara são independentes e a Corte Arbitral supervisiona o processo do início ao fim, com o propósito de aumentar a qualidade do processo e reforçar a aplicação das sentenças.
Diante disso, para desmoralizar uma arbitragem, quando o resultado lhe é adverso, muitas vezes o que se faz é atacar a integridade dos árbitros. Isso também é algo que, no caso, soa como um devaneio.