Aprovado recentemente na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que regulamenta a prática da educação básica domiciliar no país — o chamado homeschooling — traz riscos sobre os direitos das crianças. É o que afirma a professora da FGV Direito Rio, Elisa Cruz. Para a jurista, que também atua como defensora pública no Rio de Janeiro, a escola não serve apenas para a educação formal e o aprendizado de conteúdo.
O PL 3.179/12 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para prever a admissão da educação domiciliar, além da escolar. O projeto prevê que a educação básica domiciliar passe a ser admitida por livre escolha e sob a responsabilidade dos pais ou responsáveis legais pelos estudantes. A educação básica compreende os ensinos infantil, fundamental e médio.
No entanto, para Elisa Cruz, o projeto tem riscos sobre os direitos das crianças. “A escola não serve apenas para a educação formal e o aprendizado de conteúdo. Tem o papel ainda de socialização e desenvolvimento de habilidades motoras, físicas, emocionais e sociais. A retirada da escola como esse espaço de encontro pode provocar impactos sobre o desenvolvimento infanto-juvenil. E, além disso, reduz o direito à convivência comunitária, que se constitui enquanto direito fundamental previsto no art. 227 da Constituição”, assinala.
De acordo com a professora da FGV Direito Rio, a legislação atual proíbe essa modalidade de educação nos ensinos fundamental e médio porque a Lei de Diretrizes e Bases e o ECA possuem regras sobre a obrigatoriedade da matrícula de crianças em instituições de ensino. Nesse sentido, a docente explica que, com a aprovação do PL, torna-se possível que os pais optem pelo ensino domiciliar, desde que um membro da família tenha graduação no ensino superior, envie relatórios trimestrais de aprendizagem e a criança ou adolescente faça anualmente prova para avaliação do conteúdo aprendido para a sua idade e determinado na base curricular nacional.
A proposta de legislação também determina que o Conselho Nacional de Educação ficará responsável por editar as diretrizes nacionais. Já os sistemas de ensino precisarão adotar as providências para assegurar e viabilizar o direito de opção dos pais ou responsáveis legais do aluno pelo homeschooling e sua aplicação prática.
A defensora pública destaca ainda que, do ponto de vista do gênero, a educação familiar significa a delegação à mulher do papel de ensino da criança. Reforça a ideia de que a função feminina é aquela dedicada à casa e aos cuidados dos filhos. Reflexamente, retira as mulheres do mercado de trabalho e reduz sua autonomia financeira.
“A educação domiciliar invisibiliza a violência contra criança que ocorre prioritariamente no âmbito familiar. Segundo o Ministério da Saúde, no Boletim Epidemiológico 27 (2019) 70% das violências contra crianças ocorreram na residência (69,2%) ou em habitação coletiva (0,8%). Os agressores são do sexo masculino (80%) e, na maioria das vezes, familiares (32%) ou amigos/conhecidos (22,6%). A escola permite a identificação das situações de violência, sendo possível afirmar que crianças serão vítimas de violência sem que elas se tornem conhecidas”, completa a professora da FGV Direito Rio.
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*Elisa Cruz é professora da FGV Direito Rio. Doutora e mestra em Direito Civil pela Uerj e pós-doutoranda na Escola de Serviço Social da UFRJ.
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