O plenário do STF deu continuidade, na tarde desta quarta-feira, 23, ao julgamento que discute a possibilidade de prisão após condenação em 2ª instância.
O julgamento das ADCs 43, 44 e 54 teve início na semana passada e teve prosseguimento nesta manhã. Até o momento, quatro ministros votaram: o relator, ministro Marco Aurélio, contra a execução antecipada da pena; Alexandre de Moraes, inaugurando a divergência pela constitucionalidade do início da execução da pena após decisão de 2º grau; e os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, que acompanharam a divergência. Placar está 3 a 1 a favor da prisão antecipada.
O julgamento foi suspenso e será retomado na quinta-feira, 24, às 14h.
Pela ordem, a primeira ministra a votar amanhã é Rosa Weber. Trata-se de um dos posicionamentos mais esperados do julgamento, e que pode ser o voto de minerva na apertada maioria que deve se formar. Isto porque, ao se pronunciar sobre a questão em julgamentos anteriores, a ministra votou diferentemente. Veja o histórico de votos:
Voto de Alexandre de Moraes – Divergência
Alexandre de Moraes anunciou, logo no início de sua fala, que divergiria do relator. Havia expectativa sobre o voto do ministro, já que é a primeira vez que a Corte se debruça sobre o tema em processo objetivo desde que Alexandre de Moraes passou a compor o Tribunal. Quando da guinada jurisprudencial, em 2016, o saudoso ministro Teori Zavascki era o detentor da cadeira.
Para Moraes, a possibilidade do cumprimento da pena após a condenação em 2º grau não desrespeita o princípio da presunção de inocência. "A presunção de inocência condiciona toda a condenação a uma atividade probatória produzida pela acusação. Quem alega deve provar, vedando taxativamente a condenação, inexistindo as necessárias provas ou havendo razoável dúvida, devendo o estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é, sabemos, presumidamente inocente."
Para ele, não se pode afastar a efetividade da tutela judicial dada pelos juízos de 1ª e 2ª instância, "que são juízes naturais da causa penal, de cognição plena".
"Não se pode transformar esses tribunais – seja TJ, TRF, Tribunais militares – em tribunais de mera passagem. Ou seja, se passa a decisão e se aguarda. Porque é ele, o tribunal, órgão colegiado, que vai analisar pela última vez com cognição plena todas as provas, todas as peculiaridades a partir do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa. Deve se conceder eficácia a essa tutela judicial produzida pelos órgãos que compõem à 1ª e 2ª instância. (...) Ignorar essa possibilidade (...) é enfraquecer as instâncias ordinárias do Poder Judiciário."
O ministro votou por admitir o início da execução da pena após decisão condenatória em segundo grau de jurisdição.
Confira a íntegra do voto.
Voto de Edson Fachin
O ministro Fachin fez longa explanação sobre o alcance do princípio da presunção de inocência. Citou doutrina e jurisprudência, inclusive internacional, no sentido de que este direito é delimitado. Destacou também que é limitado o âmbito de análise nos recursos pelos tribunais superiores – onde não é possível, por exemplo, a revisão de provas.
Para Fachin, "a eficácia do ato legislativo que subordina ou que fundamenta toda e qualquer prisão não pode se subordinar à apreciação conclusiva da Corte mais alta de um país". Ele destaca que esta ordem de ideias "está longe de esvaziar o conteúdo rico, em todos os sentidos, do direito estabelecido no inciso 57 do art. 5º da CF. "Estão e devem estar plenamente vigentes, e perdurar até o trânsito em julgado todas as garantias que se amoldam à presunção de inocência."
“Defender o Estado De Direito Democrático, defender que ninguém está acima da lei ou abaixo dela, especialmente os que foram mencionados aqui na tribuna, os excluídos, marginalizados da sociedade injusta e desigual que vivencia-se no Brasil, defender, enfim, que todos são iguais perante a lei, nada tem de pragmatismo penal ou punitivismo; é apenas a garantia mais básica da República que a Constituição formou."
O ministro, acompanhando a divergência, votou pela improcedência integral das ADCs 43, 44 e 54, e assim, declarar inconstitucional a interpretação do artigo 283 do CPP que exige o trânsito em julgado para início da execução da pena, "assentando que é coerente com a Constituição da República brasileira o principiar da execução criminal quando houver condenação confirmada em 2º grau, salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível".
Confira a íntegra do voto.
Voto de Luís Roberto Barroso
Três argumentos fundamentaram as sustentações orais da tribuna, destacou o ministro Barroso. A primeira é que o artigo da Constituição não teria outra interpretação senão “aquela que a eles parece bem”; o segundo fundamento baseou-se no suposto impacto da nova jurisprudência sobre os níveis de encarceramento; e, por fim, o impacto sobre os réus pobres. Acerca dessas premissas, pontuou que "nenhum desses três fundamentos resiste à realidade".
O ministro destacou não se tratar de interpretação gramatical, ou de atribuir sentido a textos normativos de significado único, e tanto não é assim que o Tribunal já decidiu de uma forma, e depois de outra, e agora está rediscutindo.
Quanto ao segundo ponto, o do encarceramento, Barroso apresentou uma série histórica dos índices de encarceramento dos últimos dez anos, quando a Corte discutiu a questão da execução antecipada, para afirmar que a mudança de jurisprudência em 2016, com a possibilidade de prisão em 2º grau, diminuiu aos menores índices o aumento do encarceramento no Brasil, segundo dados do departamento penitenciário nacional. Veja dados apresentados pelo ministro:
Ele também citou que o percentual médio das prisões provisórias entre 2010 e 2016 foi de 35,6%. Em 2017 e 2018, o percentual médio caiu para 32,45%. Para ele, uma especulação possível para a redução é que o juiz, quando não pode dar execução da decisão após 2º grau, antecipa à prisão provisória. “Quase que um instinto natural para coibir a impunidade.”
Por fim, afirmou que não foram os pobres que sofreram impacto com a possibilidade de execução da pena após a condenação em 2º grau. "Não foram os pobres que mobilizaram os mais brilhantes e caros advogados criminais do país. Não creiam nisso." Ele destaca que os crimes que mais geram ocupação de vagas no sistema penitenciário são os crimes dos pobres. "O sistema é duríssimo com os pobres, e bem manso com os ricos. (...) Pobre não corrompe, não desvia dinheiro público nem lava dinheiro. Não é de pobres que nós estamos tratando aqui, com todas as vênias.”
Ao tratar da previsão constitucional, para Barroso Constituição não exige trânsito em julgado: ela exige ordem do juiz. Ele destacou que o inciso 57, art. 5º da CF, diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado, mas o artigo que cuida da prisão é outro: o inciso 61, segundo o qual ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. “O requisito para se decretar a prisão no direito brasileiro não é o trânsito em julgado. É a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. A regra que a CF quis estabelecer é a da reserva de jurisdição."
Ele também citou que, após condenação em 2º grau, já não há mais dúvida sobre autoria e materialidade, e não é possível produzir prova, e, portanto, se não há duvida de que aquele é o autor, destacou ser “um mandamento de ordem pública que se dê cumprimento à decisão”.
“É mais bacana defender a liberdade do que mandar prender. Mas eu tenho que evitar o próximo estupro, o próximo homicídio, o próximo roubo, quando isso seja perceptível dos autos."
O ministro votou por julgar parcialmente procedente a ação para interpretar conforme a Constituição o art. 283 do CPP, para excluir a interpretação que impeça a possibilidade de execução de condenação criminal depois do 2º grau, acompanhando a divergência.
- Veja a íntegra do voto.
Dez anos
Iniciada a sessão na tarde desta quarta, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, parabenizou o presidente Dias Toffoli pelos dez anos de carreira no STF. Na ocasião, Celso de Mello refletiu sobre a situação político-institucional pela qual passa o país, um momento com “surtos autoritários e manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade civil”.
Histórico - Guinada jurisprudencial
Não é de hoje que o Supremo se debruça sobre em que momento o condenado à prisão deve iniciar o cumprimento de sua pena.
Após a Constituição de 88 estabelecer que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", o Supremo, em 2009, assentou que era inconstitucional a execução antecipada da pena. À época, por 7 a 4, o plenário concedeu o HC 84.078 para permitir a um condenado pelo TJ/MG que recorresse em liberdade.
Em fevereiro de 2016, por sua vez, também em HC (126.292), e com o mesmo placar (7x4), mas com composição diversa, o plenário alterou a jurisprudência afirmando ser possível a prisão após 2ª instância. Na ocasião, a guinada jurisprudencial foi capitaneada pelo ministro Teori Zavascki. O entendimento foi firmado em um remédio heroico, quer dizer, só dizia respeito ao caso concreto. A mudança gerou insegurança jurídica: os próprios ministros da Corte passaram a decidir, monocraticamente, de formas distintas.
Em outubro de 2016, o novo posicionamento foi mantido, mas em julgamento de liminares das ADCs que agora serão finalmente julgadas. O tema apareceu de novo em novembro do mesmo ano, quando a Corte reconheceu repercussão geral em um ARE que trata do tema no qual, por 6 votos a 4, os ministros entenderam existir "reafirmação de jurisprudência" no caso, o que fez com que o mérito do ARE fosse julgado no plenário virtual.
Em 2018, mais uma vez o tema aportou à Corte. Por meio de HC, a defesa de Lula pretendia evitar a futura prisão do ex-presidente. Mais uma vez, os ministros disseram estar “seguindo a jurisprudência atual”, assentando ser possível a execução antecipada da pena. O placar não poderia ser mais apertado: 6 a 5. Embora tenha sido mais um caso concreto em discussão, o julgamento foi importante porque foi a primeira vez que a Corte se debruçou sobre o tema depois da entrada de Alexandre de Moraes.
Também foi neste julgado que Gilmar Mendes votou, pela primeira vez, diferentemente. O mesmo aconteceu com Rosa Weber que, embora tenha destacado que veja inconstitucionalidade na execução antecipada, votaria no caso “pelo princípio da colegialidade”, denegando a Ordem.