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Em sentença-poema, juiz do DF anula multa aplicada a idosa pelo Ibama

Magistrado usou versos para descrever o caso, fundamentar a decisão e dar um “puxão de orelha” na administração pública pela "demanda desnecessária".

31/5/2016

O juiz Federal Waldemar Claudio de Carvalho, da 14ª vara Federal do DF, resolveu deixar de lado as formalidades do texto jurídico e escreveu, de verso em verso, a sentença-poema que proveu o pedido de uma senhora para que fosse anulada multa aplicada pelo Ibama pela posse de uma arara-canindé. Em 77 versos, o magistrado descreveu o imbróglio, fundamentou a decisão e ainda deu um "puxão de orelha" na administração pública por deixar que o caso prosseguisse na Justiça.

"Quanto recurso despendido:
salário, tempo, papel e atos demandados,
para movimentar o Judiciário
com mais essa demanda desnecessária"

De acordo com a sentença, a mulher teria sido multada em R$ 5 mil por manter a ave em cativeiro sem autorização ambiental. A autora contou que o animal pertencia ao irmão desde 93, e ficou aos seus cuidados após o falecimento do familiar.

Em seu texto, o juiz diz que a idosa tentou entregar a ave ao zoológico após ouvir reclamações dos vizinhos por conta do barulho, mas não teve sucesso. A arara foi, então, entregue à polícia, e meses depois veio a multa. Ela recorreu à Justiça para anular a cobrança.

"Bastaria usar a Administração o bom senso,
Não multar essa simples mulher
Que até pediu perdão ou pena alternativa
Para um delito que referido decreto já lhe havia dispensado sanção"

Carvalho citou o decreto 6.514/08, que dispõe sobre as infrações ao meio ambiente, o qual estabelece que, quando o agente espontaneamente entrega o animal ao órgão competente, deve a autoridade deixar de aplicar as sanções previstas.

"Se a autora procurou o Poder Público
Para a ave rara entregar,
Para que insistir em puni-la ainda agora,
Desconsiderando a própria legislação pertinente?

O magistrado ainda salientou que a ave vivia solta na varanda e, por isso, não estava propriamente "em cativeiro".

"Não se trata, no caso, de crime insignificante,
Menos ainda de redução proporcional da multa aplicada,
mas de afastar a própria ilicitude,
porquanto inexiste dolo ou negligência na conduta analisada."

Com a decisão inusitada, a multa foi extinta e o processo, arquivado.

Confira a íntegra do texto:

"Uma Arara Canindé devolvida
por quem não a capturou,
nem fazia dela meio de vida,
tampouco a maltratou.

Entretanto foi motivo
da multa ora contestada,
cobrada pelo IBAMA
por guarda irregular desavisada.

Desde o ano passado,
a presente ação não se findou,
mesmo estando a Justiça abarrotada
com mais esse feito se ocupou.

São cinco mil reais cobrados
por posse dessa bela ave já domesticada,
ainda que herdada
do irmão da autora ora executada.

Pássaro esse há muito tempo na família.
Desde 1993, cuidado pelo falecido irmão.
Há pouco tempo repassado à autora pela cunhada,
que não dispunha de recursos ou espaço para sua manutenção.

Pensando em ajudar, apesar de desempregada,
a autora já sexagenária, sem antecedentes criminais,
leva o bicho barulhento para o quintal arborizado de seu lar,
mas logo é denunciada pelos vizinhos importunados a reclamar.

Tentando dessa encrenca se desfazer,
Procura ao Zoológico a arara entregar.
Diante da recusa daquele órgão em aceitar,
à cunhada apela pesarosa para o pássaro devolver.

Nesse ínterim de denúncias, idas e vindas,
e até visita policial em sua casa,
assustada e sem saber o que fazer,
entrega a ave na delegacia mais próxima,
na esperança desse imbróglio resolver.

Note-se que sequer se pode falar propriamente em "cativeiro",
para a multa aplicada se justificar,
pois a ave ficava na varanda, transitando entre as árvores do quintal.
Nulidade flagrante, portanto, do Auto de Infração n° 549554-D.

É bem verdade que não havia a devida autorização para guarda daquela ave.
Mas por outro lado, também não restou configurada sua apreensão de ofício pelo IBAMA,
Fazendo incidir, na hipótese, o dispositivo § 5º do art. 24 do Decreto 6.514/08,
Que exime de qualquer sanção o agente que espontaneamente entregar àquele órgão o espécime silvestre.

Quanto recurso despendido:
salário, tempo, papel e atos demandados,
para movimentar o Judiciário
com mais essa demanda desnecessária.

Bastaria usar a Administração o bom senso,
não multar essa simples mulher
que até pediu perdão ou pena alternativa
para um delito que referido decreto já lhe havia dispensado sanção.

Mas a pretexto de fazer cumprir a lei,
a Administração descura-se de sua finalidade,
que seria um bem maior,
interpretar melhor a legislação ou mesmo realizar a equidade.

Isso faz a todos perguntar,
para que serve o Direito, afinal,
senão aos litígios evitar?
Ao menos caberia agora refletir:

Se a autora procurou o Poder Público
para a ave rara entregar,
para que insistir em puni-la ainda agora,
desconsiderando a própria legislação pertinente?

Ora, as sanções devem ser razoáveis,
proporcionais à infração cometida,
mas beira o absurdo,
quando dos fatos distorcidas.

Nunca quis a autora delito ambiental cometer,
tanto assim que procurou à lei sua conduta ajustar.
Mas precisou buscar a Defensoria Pública
para do arbítrio se defender.

Não se trata, no caso, de crime insignificante,
Menos ainda de redução proporcional da multa aplicada,
mas de afastar a própria ilicitude,
porquanto inexiste dolo ou negligência na conduta analisada.

Sendo assim, outra alternativa não há
até por uma questão de justiça,
com base no art. 587, I, NCPC, este processo exterminar,
provendo o pedido da autora, na linha do seguinte precedente.

Sem custas ou honorários,
pois muito até agora se gastou.
Só cumpre por última formalidade fazer publicar,
essa sentença para depois arquivar.

Veja a sentença.

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