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As mulheres e o Direito: histórias de pioneirismo

Conheça algumas destas nobres operadoras do Direito e suas histórias.

8/3/2016

"A mais inelutável de todas as influências que atuam sobre a formação da natureza humana, em todos os seus elementos, é a mulher. Mãe, amante, esposa, filha, mestra, ela é a explicação do indivíduo e da sociedade. (...) Todos os extremos, todos os sacrifícios, todas as honras do Estado são poucas para a educação feminil, e a proclamação da igualdade dos dois sexos perante o ensino impõe-se como a legenda suprema da nossa propaganda. Eu diria, senhores, que a educação da mulher contém em si a educação do povo, como a terra mãe contém no seio o mundo infinito da vegetação, que a cobre, desde a rasteira gramínea dos prados até às selvas desafiadoras da tormenta. (...) A mulher envolve e domina a esfera humana, como a safira diáfana do firmamento envolve e domina a esfera terrestre."

Rui Barbosa
O desenho e a arte industrial

Em um tempo não muito distante, a vida política e acadêmica era um privilégio inerente aos homens. Às mulheres cabia tarefas muito mais ligadas à realidade doméstica do que à intelectual. Estudo, voto e cargos profissionais de destaque, por exemplo, eram ideais distantes.

Anos depois, entretanto, a moldura e a imagem deste quadro mudaram significativamente de perspectiva, graças ao pioneirismo de corajosas mulheres. Conheça algumas destas nobres operadoras do Direito e suas histórias.

Maria Augusta Saraiva

Em 1897, as Arcadas abriram suas portas para uma mulher fazer história: Maria Augusta Saraiva sagrou-se como a primeira figura feminina a ingressar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Ela também foi a primeira mulher a atuar no Tribunal do Júri.

Maria Augusta Saraiva nasceu no interior paulista, em São José do Barceiro, e viveu em Araraquara e em Rio Claro, onde estudou no renomado Colégio Inglês. Quando adolescente foi para São Paulo – em seu histórico escolar possuía onze certificados de exames, sendo sete expedidos pelo "Curso Anexo à Faculdade de Direito de São Paulo" e quatro pela Secretaria de Estado dos Negócios do Interior de São Paulo.

De acordo com histórico da OAB/SP, Maria Augusta se destacou de tal forma durante os estudos que, ao formar-se, em 1902, recebeu como premiação uma viagem à Europa. Ao retornar, estreou na tribuna na capital de SP e, depois, atuou no interior, na cidade de Jaboticabal. Em ambos os casos conseguiu a absolvição dos réus, acusados de homicídio.

A saber, no Brasil, as primeiras mulheres formadas em Direito surgiram no século XIX: Maria Coelho da Silva Sobrinha, Maria Fragoso e Delmira Secundina da Costa, em 1888, e Maria Augusta C. Meira Vasconcelos, em 1889, todas na Faculdade de Direito de Recife.

Myrthes Gomes de Campos

Outra mulher que se destacou por seus méritos na labuta diária da profissão foi Myrthes Gomes de Campos, a primeira advogada do Brasil. Ela foi pioneira na luta pelos direitos femininos, como o exercício da advocacia pela mulher, o voto feminino e a defesa da emancipação jurídica feminina.

Além de funcionária da Justiça, Myrthes foi também a primeira mulher advogada a ingressar no antigo Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, atual Instituto dos Advogados do Brasil.

Myrthes nasceu em Macaé/RJ, em 1875, e desde cedo demonstrou seu interesse pelas leis. No entanto, era impensável, à época, que uma mulher construísse uma vida fora do casamento. Foi uma surpresa à família quando a jovem anunciou que partiria para a capital do Estado para ingressar na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro.

Ela concluiu o bacharelado em Direito em 1898, mas, por conta do preconceito, foi só em 1906 que conseguiu legitimar-se profissionalmente, quando ingressou no quadro de sócios efetivos do Instituto dos Advogados do Brasil, condição necessária para o exercício profissional da advocacia.

Em 1899 Myrthes teve a oportunidade de atuar como defensora no Tribunal do Júri. Pela primeira vez no Brasil seria ouvida a voz de uma mulher patrocinando judicialmente uma causa. De 1924 até sua aposentadoria, em 1944, Myrthes desempenhou o cargo de encarregada pela Jurisprudência do Tribunal de Apelação do DF.

Bernadete Neves Pedrosa

Por sua vez, Bernadete Neves Pedrosa cunhou seu nome na história como sendo a primeira mulher a ser admitida professora de Direito no Recife. Ela foi do Departamento de Direito Público Geral e Processual da UFPE. Admitida em 1965, aposentou-se em 1998. Em novembro de 2006, ela recebeu o título de Professora Emérita.

Colega de profissão, o professor Antônio Carlos Palhares destacou o pioneirismo de Bernadete.

"Hoje é comum termos mulheres na Faculdade de Direito, mas Bernadete foi pioneira. Nossas carreiras se cruzaram ainda na Faculdade de Filosofia, e depois na carreira docente. Tínhamos um relacionamento que não era meramente acadêmico, era de amizade. Além da importância da sua produção científica, Bernadete era muito benquista pelos estudantes."

O professor Nilzardo Carneiro Leão enfatizou o papel da pesquisadora na formação de algumas gerações de estudantes de Direito. "Bernadete Pedrosa representou a figura maior da mulher jurista da Faculdade de Direito. Discípula do professor Lourival Vilanova, de quem era assistente, durante muitos anos encaminhou gerações através do ensino da Teoria Geral do Estado e de suas palestras e conferências na Faculdade de Direito, onde deixou a marca de sua cultura."

Esther de Figueiredo Ferraz

Esther de Figueiredo Ferraz nasceu em SP no dia 6 de fevereiro de 1915. Bacharel pela Faculdade de Direito da USP, sagrou-se como a primeira representante do sexo feminino a integrar a cátedra da tradicional Faculdade, nos anos 40, e como a primeira ministra brasileira.

Entre as décadas de 1950 e 1960, conquistou na OAB/SP o direito de ocupar uma cadeira em meio aos homens do conselho, e sagrou-se como a primeira mulher da América Latina a comandar uma reitoria de universidade, a Mackenzie.

Foi Secretária da Educação de São Paulo, de 1971 a 1973, no governo Laudo Natel. De 1982 a 1985, notabilizou-se como a primeira ministra do país, ocupando o cargo na pasta da Educação e Cultura, no governo do General João Baptista Figueiredo.

Em entrevista concedida aos jornalistas Gaudêncio Torquato e Solange A. Barreira, publicada em 2001 no Jornal do Advogado, Esther falou de sua trajetória.

"Fiz a faculdade de Filosofia, até que, em 1938, passou a ser secretário da viação e das obras públicas o engenheiro Guilherme Ernesto Winter, colega de turma do meu pai, na Politécnica. Ele precisava de alguém que o assessorasse e pediu que eu fosse ser secretária dele. Meu trabalho era resumir pareceres da consultoria jurídica, ocupada por um grande jurista, o José de Carvalho Martins. Começaram a descer aqueles pareceres muito bem feitos, fui ficando entusiasmada e, uma hora, disse: é disso que eu gosto. Aí, escondido do meu pai, que achava que eu não deveria ir para a faculdade de Direito, fiz o concurso vestibular e entrei."

A respeito do dom para desbravar novos campos e a representatividade feminina, Esther afirmou: "O mérito não é meu. As mulheres da minha geração arrombaram muitas portas. De tal maneira que, hoje, as novas gerações transitam com toda a suavidade por este caminho aberto por nós. Foi um esforço conjugado."

Ivette Senise Ferreira

Mais uma notável do Direito, que deixou sua marca estampada na história, foi Ivette Senise Ferreira, primeira mulher a dirigir a Faculdade de Direito da USP.

Nascida em Catanduva/SP, ingressou nas Arcadas no ano de 1953, graduando-se em 1957. Realizou, em seguida, de 1958 a 1959, o curso de pós-graduação em Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de Paris.

Com um impressionante currículo, Ivette fez curso de Especialização em Criminologia, Paris; em Organizações Internacionais; em Direito Internacional Privado; em História das Idéias Políticas; em Direito Constitucional Comparado. Realizou doutorado de 1976 a 1981.

Lecionou Introdução à Ciência do Direito na Faculdade de Direito da PUC/SP, de 1969 a 1973, e Direito Penal, como professora titular, na Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo, de 1984 a 1988. Tornou-se professora titular de Direito Penal na USP em 1993.

Em 1994, foi escolhida a Profissional de Direito do ano pela Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica, porque "jamais esqueceu a condição de mulher atuante e combativa", como asseverou Ada Pellegrini Grinover em discurso proferido à professora.

Em entrevista concedida à TV Migalhas, Ivette Ferreira falou da importância da formação diversificada do profissional do Direito.

Ellen Gracie Northfleet

Ellen Gracie também alcançou um nobre feito: foi a primeira mulher a integrar a Suprema Corte do Brasil desde a sua criação. A ministra ainda se tornou a primeira figura feminina a presidir o STF.

Nascida na cidade do Rio de Janeiro, Ellen Gracie iniciou os estudos acadêmicos na Faculdade de Direito da então Universidade do Estado da Guanabara, tendo concluído, em 1970, em Porto Alegre, o Curso de Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da UFRS. Graduou-se, em nível de especialização, em Antropologia Social, pela UFRS (1980/82).

Aprovada em concurso público para o cargo procurador da República de 3ª Categoria, foi nomeada em 1973. Foi promovida, por merecimento, à 2ª Categoria, em março 1974, passando à 1ª categoria, por antiguidade, em maio de 1980, cargo que exerceu até 1989. Em março de 1989, foi nomeada para compor o TRF da 4ª Região, em vaga destinada a membros do parquet.

Em 2000, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, nomeou Ellen Gracie para exercer o cargo de ministra do STF, na vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Luiz Octavio Pires e Albuquerque Gallotti. Tomou posse em 14 de dezembro de 2000, tornando-se a primeira mulher a integrar a Suprema Corte do Brasil desde a sua criação.

Eleita por seus pares, empossou-se no cargo de vice-presidente do Supremo, em 3 de junho de 2004; em 27 de abril de 2006, tomou posse no cargo de presidente do STF para o biênio 2006/08. Aposentou-se em agosto de 2011.

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