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Inteligência artificial. IAgora?

A inteligência artificial no Judiciário brasileiro, como o "STJ Logos", promete agilizar processos e decisões, mas gera preocupações sobre a substituição do advogado e a ética no uso da tecnologia.

sexta-feira, 28 de março de 2025

Atualizado em 27 de março de 2025 17:05

No início de fevereiro, o STJ apresentou sua nova inteligência artificial, denominada "STJ Logos", que oferecerá suporte direto aos gabinetes dos ministros para acelerar a produção de decisões e análise de documentos.

Mas essa é apenas uma das várias notícias recentes sobre o assunto. Existe um movimento cada vez maior no Judiciário brasileiro com o fim de se promover o uso da IA para dinamizar os serviços Judiciários, em especial para reduzir a litigiosidade repetitiva. Tanto assim que o CNJ aprovou, há poucos dias, uma nova resolução visando atualizar as regras de utilização da IA pelos Tribunais de Justiça, tornando obrigatória a supervisão humana e auditorias periódicas. 

Os escritórios de advocacia brasileiros, inclusive aqueles considerados médios e/ou pequenos, também já vêm incorporando sistemas de IA em sua estrutura interna de trabalho. Em outros países, como Inglaterra e EUA, esse número já alcança quase 60%, segundo estudos recentes. 

O fato é que o Direito, ou pelo menos uma boa parte dele, está sendo codificado já há alguns anos, tendo esse movimento se intensificado com o surto das startups lawtechs, destinadas à criação de soluções jurídicas e, agora, com as IAs, que surgem como uma nova revolução para o futuro dessa ciência. 

Hoje, os algoritmos já são capazes de produzir peças jurídicas inteiras e protocolá-las no processo. A IA tem sido direcionada para monitorar dados públicos e privados, fazer prognósticos das decisões judiciais, fazer análise de processos, automatizar petições, atos judiciais, contratos e demais documentos jurídicos, contatar profissionais, propor novos métodos de resolução de conflitos, aplicar números e estatística ao Direito. 

Está claro que a IA no Direito veio para ficar, sendo apenas mais um dos vários exemplos exitosos da tecnologia a serviço das profissões e da sociedade.

O cenário também gera preocupação e reflexão de vários juristas acerca dos impactos profundamente preocupantes desse movimento irrefreável nas profissões jurídicas. As repercussões e problemáticas envolvendo a implementação da IA no Direito são várias, desde as mais simples e previsíveis, como um "gap" de programa (recentemente viralizou o julgamento de um recurso onde o advogado citou um precedente inexistente criado por IA), até as mais delicadas, como a questão envolvendo a proteção de dados de clientes. 

Mas o que de fato provoca inquietude é a possibilidade de que em um futuro próximo o profissional do Direito, em especial o advogado, possa ser substituído ou se torne um mero operador de sistemas. Ora, estaríamos diante de um claro empobrecimento daquela que é considerada uma das mais nobres profissões. 

Agrava essa preocupação a questão do mercado competitivo. O Brasil é o segundo país que mais tem advogados no mundo (perdendo apenas para a Índia), sendo o primeiro em proporção com a população.

Recentemente, quando questionado sobre a nova sistemática dos trabalhos acadêmicos diante do advento da IA, um professor de Direito explicou que passou a exigir trabalhos manuscritos de seus alunos, especialmente resenhas críticas e dissertações acerca de determinada obra da literatura jurídica ou caso concreto. 

O que nos parece ao ouvir relatos como esse é que ainda haverá, como sempre houve, uma predileção natural do mercado do Direito pelo trabalho feito com qualidade (o que também pode ser feito pela IA), mas que é ao mesmo tempo diferente e inovador, ou seja, que carrega alguma característica do raciocínio individualizado e humano. 

Para além disso tudo, há a questão sofista da persuasão e da capacidade de influenciar. Não se subestima a capacidade descomunal dos algoritmos em sugerir soluções comerciais, mitigar danos, criar e compatibilizar teses jurídicas, inclusive para aplicá-las ao caso concreto. Mas o esforço argumentativo, a capacidade de criar e vender ideias, bem como de transmitir emoções são virtudes valorizadas desde a Grécia Antiga e, sobretudo, pelo Direito (vide o Júri).

O Direito nada mais faz do que regular relações entre humanos e de humanos com as coisas. Definitivamente, não há como excluir o componente humano no âmbito do trabalho jurídico.

O que certamente ocorrerá, e que já vem sendo observado, é uma restrição do mercado ao profissional adaptado ao trabalho jurídico massificado, que tende a ser gradualmente substituído, exigindo uma reinvenção de advogados que, porventura, tenham se especializado nesse tipo de função. 

A verdade é que a IA facilitará a vida do advogado, mas o mercado lhe será exigente na mesma medida. Aos profissionais empreendedores e donos de escritório será necessária uma presença mais estratégica, adaptando-se aos novos meios de julgamento e variáveis da utilização da IA pelos Tribunais. A todos, será essencial treinar e aprimorar capacidades que os diferenciem da máquina. Conhecimentos interdisciplinares, capacidade de negociação, gestão, oratória e empatia serão habilidades cada vez mais valorizadas. 

Não há como frear o progresso tecnológico, tampouco a sua influência e utilização no meio jurídico. Resta a nós, advogados, que já passamos por outras revoluções recentes, por exemplo, a do processo eletrônico digital, seguir o fluxo e nos adaptarmos à nova realidade.

Artur Bahia

Artur Bahia

Formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma instituição de ensino superior e LLM. em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). É sócio do escritório Crosara Advogados, atuando no Direito Privado, especialmente na área Cível, gestão jurídica corporativa e contencioso cível estratégico.

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