Migalhas Quentes

Google não pode ser responsabilizado por conteúdo de buscas

Autor pretendia exibição do cadastro da pessoa que postou vídeo que estaria denegrindo sua imagem.

29/5/2013

O juiz de Direito Paulo de Tarso Carpena Lopes, da vara Cível do foro regional Alto Petrópolis em Porto Alegre/RS, julgou extinta ação em que o autor pretendia exibição do cadastro da pessoa que postou vídeo que estaria denegrindo sua imagem.

O magistrado considerou que o Google é parte ilegítima para figurar no polo passivo. Para o julgador, o provedor não possui controle sobre as postagens em seu site, “uma vez que atua, única e exclusivamente, como ‘hospedeiro’ virtual”.

Concluindo ser ilegítima a responsabilização dos provedores de pesquisa pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários, o juiz Paulo de Tarso ponderou que “há de se considerar que os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados.”

___________

Processo nº: 001/1.12.0120881-6 (CNJ:.0005086-84.2012.8.21.2001)

Natureza: Exibição de Documentos ou Coisas

Autor: P.C.S.S.

Réu: Google Brasil Internet LTDA

Juiz Prolator: Juiz de Direito - Dr. Paulo de Tarso Carpena Lopes

Data: 18/04/2013

Vistos, etc.

Trata-se de Ação de Exibição de documentos ajuizada por P.C.S.S. em desfavor da GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA, na qual a parte autora visa à exibição do cadastro da pessoa que postou o vídeo Pequeno Pônei – BFN, uma vez que tal vídeo estaria denegrindo sua imagem. Requereu, liminarmente, fosse retirado o vídeo de circulação, bem como fosse intimada a requerida para informar a titularidade da postagem da imagem. No mérito, requereu fosse confirmada a medida liminar. Juntou documentos.

Pelo juízo, foi deferida a medida liminar, a fim de que o vídeo fosse retirado de circulação no prazo de 24h, sob pena de multa diária.

Citada, a parte requerida apresentou contestação, bem como comunicou ao juízo sobre a interposição de agravo de instrumento frente à inconformidade em relação à medida liminar concedida.

Em contestação, afirma não ser responsável pela postagem, nem mesmo divulgação e controle dos vídeos postados em sua página, tendo em vista sua característica de “hospedagem”. Na verdade, a responsabilidade pela publicação do conteúdo digital seria do Youtube. Esse sim poderia monitorar ou filtrar a inserção do conteúdo eletrônico. Afirmou, ainda, que o pedido da requerente deveria ser mais específico, ou seja, caberia a ele trazer dados como IP, datas e horários de acesso, dados cadastrais eventualmente preenchidos pelos usuários. Requereu a improcedência da ação. Juntou documentos.

Após ter o requerido cumprido o disposto no artigo 526 do Código de Processo Civil, houve o juízo de retração, momento em que ocorreu a revogação da liminar anteriormente deferida.

Dessa decisão, o autor opôs embargos de declaração, o qual deixou de ser analisado em face da perda do objeto, pois provido o agravo de instrumento em sua integralidade.

Entenderam os Desembargadores que, no caso em exame, estariam ausentes os pressupostos autorizadores da concessão da antecipação dos efeitos da tutela.

Vieram-me os autos conclusos para a prolação de sentença.

É o relatório.

Decido.

Passo ao julgamento do feito no estado em que se encontra, pois a matéria nele vertida é exclusivamente de direito, nos termos do art. 330, inciso I, do CPC..

Trata-se de Ação de Exibição de documentos na qual a parte autora visa à exibição do cadastro da pessoa que postou o vídeo Pequeno Pônei – BFN, uma vez que tal vídeo estaria denegrindo sua imagem. Requereu, liminarmente, fosse retirado o vídeo de circulação, bem como fosse intimada a requerida para informar a titularidade da postagem da imagem. No mérito, requereu fosse confirmada a medida liminar. Juntou documentos.

Alegou a demandada não ser responsável pela postagem, nem mesmo divulgação e controle dos vídeos postados em sua página, tendo em vista sua característica de “hospedagem”. Na verdade, a responsabilidade pela publicação do conteúdo digital seria do Youtube. Esse sim poderia monitorar ou filtrar a inserção do conteúdo eletrônico. Afirmou, ainda, que o pedido da requerente deveria ser mais específico, ou seja, caberia a ele trazer dados como IP, datas e horários de acesso, dados cadastrais eventualmente preenchidos pelos usuários.

Vejamos, por força do postulado da proporcionalidade, a livre manifestação do pensamento está diretamente vinculado aos limites de expressões críticas.

O cuidado a que se deve nortear a comunicação é no sentido de espalhar o tráfego de abusos, consistentes na divulgação de informações inverídicas ou exposição de ideias que venham a ofender a honra de determinadas pessoas.

Conforme sabiamente analisado pelo doutrinador José Cretella Neto, abusos ocorrem não apenas quando os veículos de comunicação mentem, mas também quando invertem fatos de modo a atribuir à situação proporções maiores do que as reais:

“A ofensa ocorre quando existe a divulgação nos meios de comunicação, ainda que a notícia possa ser verdadeira, mas existe exagero, ofensa ou distorção dos fatos. O exagero na descrição de um episódio, quando vertido de dolo, altera a verdade, ampliando a explanação detalhada da situação, com ironia ou sarcasmo, expondo a fato ridículo o ofendido, mudando os detalhes da ocorrência ou expondo ao desprezo público”.

A reação ao abuso, por sua vez, consiste no direito de resposta proporcional à ofensa (art. 5º, V da CF).

Conforme se pode observar, o Google Brasil Internet Ltda não possui controle sobre as postagem em seu site, uma vez que atua, única e exclusivamente, como “hospedeiro” virtual.

O caso em tela é atual e de extrema relevância, dada a indiscutível importância assumida pelos sites de pesquisa virtual, tendo em vista a impossibilidade de se conhecer todo o diversificado conteúdo das incontáveis páginas que formam a web.

Bem colocadas foram as palavras da Ministra Nancy Andrighi, a qual afirmou que o cotidiano de milhares de pessoas hoje depende de informações que estão na Internet, mas que, por desconhecimento da página específica onde estão inseridas, dificilmente seriam encontradas sem a utilização das ferramentas de pesquisa oferecidas pelos sites de busca.

Em matéria de defesa, a demandada afirmou que não possuiria qualquer relação com o vídeo postado no Youtube, uma vez que não haveria controle sobre os conteúdos lá postados.

Antes de mais nada, faz-se necessário determinar a natureza jurídica dos provedores de serviços de Internet, em especial do sites de busca, pois somente assim será possível definir os limites de sua responsabilidade.

Resta consabido que a world wide web (www) é uma rede mundial composta pelo somatório de todos os servidores a ela conectados. Esses servidores são bancos de dados que concentram toda a informação disponível na Internet, divulgadas por intermédio das incontáveis páginas de acesso (webpages ).

Os provedores de serviços de Internet são aqueles que fornecem serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela.

Conforme julgado do STJ, os provedores seriam gênero do qual são espécies as demais categorias, como: (i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os responsáveis pela conectividade da Internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede; (ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a estes conexão com a Internet; (iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de terceiros, conferindo-lhes acesso remoto; (iv) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na Internet; e (v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede os dados criados ou desenvolvidos pelos provedores de informação ou pelos próprios usuários da web.

É frequente que provedores ofereçam mais de uma modalidade de serviço de Internet; daí a confusão entre essas diversas modalidades. Entretanto, a diferença conceitual subsiste e é indispensável à correta imputação da responsabilidade inerente a cada serviço prestado.

Na hipótese específica dos sites de busca, verifica-se a disponibilização de ferramentas para que o usuário realize pesquisas acerca de qualquer assunto ou conteúdo existente na web, mediante fornecimento de critérios ligados ao resultado desejado, obtendo os respectivos links das páginas onde a informação pode ser localizada.

Essa provedoria de pesquisa constitui uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois esses sites não incluem, hospedam, organizam ou de qualquer outra forma gerenciam as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário.

Diante dessa informações, não obstante a indiscutível existência de relação de consumo no serviço prestado pelos sites de busca via Internet, a sua responsabilidade deve ficar restrita à natureza da atividade por eles desenvolvida que, como visto linhas acima, corresponde à típica provedoria de pesquisa, facilitando a localização de informações na web.

Assim, os provedores de pesquisa devem garantir o sigilo, a segurança e a inviolabilidade dos dados cadastrais de seus usuários e das buscas por eles realizadas, bem como o bom funcionamento e manutenção do sistema.

No que tange à filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário, não se trata de atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas.

Conforme anota Rui Stocco, quando o provedor de Internet age “como mero fornecedor de meios físicos, que serve apenas de intermediário, repassando mensagens e imagens transmitidas por outras pessoas e, portanto, não as produziu nem sobre elas exerceu fiscalização ou juízo de valor, não pode ser responsabilizado por eventuais excessos e ofensas à moral, à intimidade e à honra de outros” (Tratado de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 901).

Por outro lado, há de se considerar a inviabilidade de se definirem critérios que autorizariam o veto ou o descarte de determinada página.

Seria temerário delegar esse juízo de discricionariedade aos provedores.

Conclui-se, portanto, ser ilegítima a responsabilização dos provedores de pesquisa pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários.

Em relação a esse argumento, há de se considerar que os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados.

Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa.

O serviço prestado pela requerida, trata-se de um endereço virtual, isto é, diretrizes que indicam o caminho até determinado site ou página.

De acordo com a contestante, a falta de indicação do URL torna a “obrigação de impossível cumprimento considerando o estado da técnica atual, a qual consubstancia em varredura e monitoramento de seus sistemas”

Verificou-se que sem os URL's, o provedor de pesquisa não consegue controlar com eficiência a omissão de uma determinada imagem ou texto dos resultados da busca virtual, impedindo-o, por conseguinte, de dar pleno cumprimento à ordem judicial.

Diante disso, sem a indicação específica do URL das páginas a serem suprimidas, não há como assegurar a eficácia da medida ao longo do tempo, sujeitando o destinatário do comando judicial às penas cominatórias impostas por descumprimento.

Outrossim, conhecendo os URL's das páginas reputadas ofensivas, a vítima terá como identificar o próprio responsável pela inclusão do conteúdo ilegal, ou pelo menos o provedor utilizado para hospedagem do respectivo site que, por sua vez, poderá indicar o IP (sigla que corresponde à expressão Internet Protocol , um número único, exclusivo, que individualiza cada computador na rede e por meio do qual cada máquina se identifica e se comunica) do autor do ilícito.

Diante disso, até para assegurar o direito ao devido processo legal e à ampla defesa daquele a quem se imputa a autoria do fato ilícito, caberá ao interessado agir diretamente contra essas pessoas, o que torna absolutamente dispensável a imposição de qualquer obrigação ao provedor de busca, pois, uma vez obtida a supressão da página de conteúdo ofensivo, ela será automaticamente excluída dos resultados de pesquisa.

Isto é, se a vítima identificou o autor do ato ilícito não tem motivo para demandar contra aquele que apenas facilita o acesso a esse ato que, vale repisar, até então se encontra publicamente disponível na rede para divulgação.

Conclui-se, portanto, que preenchidos os requisitos indispensáveis à exclusão, da web, de uma determinada página virtual, sob a alegação de veicular conteúdo ilícito ou ofensivo – notadamente a identificação do URL dessa página – a vítima carecerá de interesse de agir contra o provedor de pesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição.

Como bem anota José Carlos Barbosa Moreira, somente haverá interesse processual quando a providencia jurisdicional, “por sua natureza, verdadeiramente se revele – sempre em tese – apta a tutelar, de maneira tão completa quanto possível, a situação jurídica do requerente” (Ação declaratória e interesse. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 17).

No particular, não haverá nenhum interesse em demandar contra o provedor de pesquisa, pois, munida do URL da página onde inserido o conteúdo dito ofensivo (indispensável para o exercício da ação), poderá a vítima acionar diretamente o autor do ato ilícito, com o que, julgado procedente o pedido e retirada da Internet a página, o respectivo conteúdo será automaticamente excluído do resultado das buscas realizadas junto a qualquer provedor de pesquisa.

Dessa forma, verifica-se ser incabível impor aos provedores de pesquisa a obrigação de eliminar do seu sistema os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido.

O pedido posto na inicial, como visto, é tecnicamente impossível de ser cumprido.

Ademais, verificou-se neste julgado, de uma forma mais ampla, o descabimento de se impor aos provedores de pesquisa qualquer restrição nos resultados das buscas realizadas por seus sistemas, sob pena de afronta ao direito constitucional de informação.

Ante o exposto, julgo EXTINTA a Ação de Exibição de Documentos ajuizada, em face da carência de ação por ser a parte ré ilegitima para figurar o polo passivo.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), observado o disposto no art. 20, §4º, do CPC.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 18 de abril de 2013.

Paulo de Tarso Carpena Lopes,

Juiz de Direito

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