A norma, de iniciativa do presidente da Câmara Municipal de Mauá, foi impugnada pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes, sob o argumento de que a lei Federal 8.918/94 – regulamentada pelo decreto 6.871/09 – e a lei estadual 14.592/11 disciplinam a matéria referente ao consumo de bebidas alcoólicas não cabendo ao município, que detém competência meramente supletiva, tratar do assunto de forma diversa.
O desembargador Corrêa Vianna, relator, confirmou a alegação do sindicato: "o município, no exercício de competência suplementar, não pode estabelecer restrição que não foi prevista pelo legislador estadual ou Federal – mormente quando este, já tendo disciplinado a matéria relativa ao comércio de bebidas alcoólicas, optou por não o restringir em postos de combustíveis, ao contrário do que pretendeu fazer o Executivo municipal de Mauá".
O magistrado acrescentou que "caberia à edilidade apenas completar ou adaptar referidas normas ao interesse local, mas o legislador extrapolou e estabeleceu restrições diversas da regulamentação Federal e estadual, o que caracteriza o alegado vício de inconstitucionalidade, por ocorrência de flagrante violação aos princípios do pacto federativo e repartição de competências".
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Processo: 0005717-76.2012.8.26.0000
Veja a íntegra da decisão.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade n° 0005717-76.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS DISTRIBUIDORAS DE COMBUSTÍVEIS E DE LUBRIFICANTES - SINDICOM, são réus PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE MAUÁ e PREFEITO MUNICIPAL DE MAUÁ.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE VOTOS, JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. FARÃO DECLARAÇÃO DE VOTO OS EXMOS. SRS. DES. ARTUR MARQUES E RENATO NALINI.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores GONZAGA FRANCESCHINI, ALVES BEVILACQUA, DE SANTI RIBEIRO, GUERRIERI REZENDE, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, CASTILHO BARBOSA, ANTÔNIO LUIZ PIRES NETO, ARTUR MARQUES (com declaração}, CAUDURO PADIN, RUY COPPOLA, CAMPOS MELLO, KIOITSI CHICUTA, ENIO ZULIANI, LUÍS SOARES DE MELLO, GRAVA BRAZIL, LUIZ ANTÔNIO DE GODOY, RIBEIRO DA SILVA e URBANO RUIZ, julgando a ação procedente; e IVAN SARTORI (Presidente), ELLIOT AKEL, ANTÔNIO CARLOS MALHEIROS, RENATO NALINI {com declaração) e ROBERTO MAC CRACKEN, julgando improcedente.
São Paulo, 27 de junho de 2012.
CORRÊA VIANNA
RELATOR
VOTO N° 26.183
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 0005717-76.2012.8.26.0000
COMARCA: SÃO PAULO
AUTOR: SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS DISTRIBUIDORAS DE COMBUSTÍVEIS E DE LUBRIFICANTES – SINDICOM
RÉUS: PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE MAUÁ E PREFEITO DO MUNICÍPIO DE MAUÁ
Visto.
Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei n. 4.640, do Município de Mauá, que dispôs sobre a proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas em postos de abastecimento de combustíveis e serviços e nas suas lojas de conveniência - Legitimidade ativa do SINDICOM - Possibilidade de análise da ação direta com base em aplicação ampla do artigo 144 da Carta Bandeirante, conforme precedentes do C. Órgão Especial, vencido o Relator - Competência legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal de legislarem concorrentemente sobre produção e consumo (art. 24, V, CF) - Competência municipal suplementar inexistente - Restrição ao comércio não prevista na legislação federal ou estadual - Ação procedente.
Trata-se de ação direta ajuizada pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes - SINDICOM, tendo por objeto a Lei n. 4.640, de 9 de março de 2011, do Município de Mauá, proposta pelo Executivo, que "Dispõe sobre a proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas em postos de abastecimento de combustíveis e serviços e nas suas lojas de conveniência, no âmbito do Município de Mauá".
Alega que referida lei viola as competências legislativas elencadas na Constituição do Estado e Constituição Federal, pois a matéria objeto impugnada não é hipótese de competência legislativa municipal, mas sim competência concorrente da União e dos Estados (art. 24, V, da CF), o que feriria o pacto federativo. Esclarece, ainda, que a Lei Federal n. 8.918/94, regulamentada pelo Decreto n. 6.871/2009, e a Lei Estadual n. 14.592/2011, disciplinam a matéria referente ao consumo de bebidas alcoólicas, não cabendo ao Município, que detém competência meramente supletiva, tratar do assunto de forma diversa.
Diante do exposto, alega a inconstitucionalidade da lei municipal 4.640/11, por ofensa aos artigos 1º, 19 e 144 da Constituição Bandeirante e art. 24, V, da Carta Magna.
O pedido de liminar foi deferido (fl. 142).
A Procuradoria Geral do Estado se manifestou, alegando ausência de interesse na defesa do ato impugnado (fls. 156/158). O Presidente da Câmara prestou informações, nas quais defendeu a constitucionalidade da citada lei (fls. 160/166).
Por fim, a Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer pela extinção do processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade ad causam de entidade de âmbito nacional para a propositura de ação direta na esfera de controle estadual, sustentando também a impossibilidade de realização de controle concentrado de constitucionalidade que adote como parâmetros dispositivos da Constituição da República, da legislação federal ou da própria Lei Orgânica do Município. No mérito, opinou pela improcedência da ação, diante da competência do Município para legislar sobre restrição ao comércio de bebidas alcoólicas, por tratar-se de tema de interesse local, relativo ao poder de polícia (fls. 168/173).
É o que cumpria relatar.
A ilegitimidade ativa do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes - SINDICOM para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal ou estadual por ofensa à Constituição do Estado não deve ser reconhecida.
Dispondo de competência para propositura de ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, não seria razoável negar-lhe a legitimidade no âmbito estadual. Superada a preliminar aventada pelo Ministério Público, passa-se à análise do mérito.
Conforme se depreende do caso em análise, o vício da Lei n. 4.640, de 9 de março de 2011, do Município de Mauá, que enseja a propositura desta ação direta de inconstitucionalidade, decorreria exatamente da violação ao art. 144 da Constituição Bandeirante.
Referida lei, ao disciplinar matéria de competência privativa da União e dos Estados de concorrentemente legislarem sobre produção e consumo, viola o art. 24, V, da Constituição Federal. Evidentemente, não podia o Município, em sede de competência suplementar (art. 30, I e II), dispor de maneira restritiva sobre assunto destinado à regulamentação que lei federal e estadual não restringem.
Entretanto, a Suprema Corte já se manifestou sobre a impossibilidade de propositura de ação direta de inconstitucionalidade estadual embasando-se estritamente no art. 144, da Constituição Bandeirante. Nas palavras do Ministro Carlos Britto, amparadas em orientação firmada no STF: "não há possibilidade de controle de constitucionalidade estadual em relação à norma constitucional federal de reprodução obrigatória pelo Estado-membro, como decorrência do princípio da simetria" (cf. R.E. ns. 421.256, 350.049, 171.819, 182.576, ADI 1529, RCL 596, 383, etc).
Tendo em mira tais considerações, o certo é que a lei municipal guerreada, ao tratar da proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas em postos de abastecimento de combustíveis e serviços e nas suas lojas de conveniência, ofende competência privativa da União e dos Estados de concorrentemente legislarem sobre produção e consumo (art. 24, V, CF), mas não violou qualquer disposição da Carta Paulista, o que seria de competência deste Órgão Especial em sede de ação direta de inconstitucionalidade.
Realmente, em nenhuma de suas passagens a Constituição do Estado de São Paulo faz referência à competência para legislar sobre produção e consumo. Esta controvérsia, conforme acima visto, só encontra solução satisfatória à luz da Constituição Federal. Entretanto, no controle normativo abstrato que se desenvolve perante Tribunal Estadual (CF, art. 125, § 2º) é expressamente "vedado o estabelecimento de qualquer tipo de confronto direto de lei ou ato normativo municipal com a Constituição Federal" (v. ADIN 14.609-0), acrescentando que "lei ou ato municipal que acaso colida com a Constituição Federal só pode ser objeto de contencioso constitucional in concreto" (RTJ 93/459).
No entanto, por expressiva maioria, o Órgão Especial do TJSP entendeu ser possível examinar a ação direta com base em aplicação ampla do artigo 144 da Carta Bandeirante, vencido o relator, que afirmava a incompetência da Corte Estadual para decidir a questão.
Isto resolvido, quanto ao mérito nenhuma dúvida de que o diploma municipal viola o artigo 24, V, CF. Neste sentido, lei semelhante à analisada no caso concreto, também do Município de Mauá, já foi declarada inconstitucional por este C. Órgão Especial, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 149.271-0/3-00, ocorrido em 09.07.08, de relatoria do E. Des. Palma Bisson, cuja ementa colaciona-se a seguir:
"Ação direta de inconstitucionalidade - Lei n° 4.058/30.08.2006, do Município de Mauá, de iniciativa parlamentar e promulgada pelo Presidente após a rejeição do veto do alcaide, que dispõe sobre a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos Postos de Revenda de Combustíveis, impondo multa aos infratores, e, aos reincidentes, cassação do alvará de funcionamento - inconstitucional é a lei municipal que impõe atribuições aos órgãos da Administração Pública, ainda obrigando a uma fiscalização de atividades, sem indicar, ao estabelecer obrigações a órgãos municipais, os recursos orçamentários, disponíveis, próprios para os novos encargos, ademais tratando de matéria reservada concorrentemente à União aos Estados e ao Distrito Federal (produção e consumo - art. 24, V, da Constituição Federal) - nem por repetir preceitos ou mandar aplicar princípios da Constituição Federal, deixa de expressar a Constituição Estadual direito constitucional estadual; por isso, nessas duas hipóteses é competente a jurisdição constitucional estadual para o exame da constitucionalidade de lei municipal afrontosa do dito direito indicar a lei, genericamente, os recursos que irão atender as despesas por ela criadas, é o mesmo que não fazê-lo - violação aos artigos 5º, 24, 25, 47, 144 e 176 da Constituição Estadual - ação procedente".
Incorrendo nos mesmos vícios - exceto pela ausência de vício de iniciativa -, a lei proposta e promulgada pelo Prefeito de Mauá também deve ser declarada inconstitucional.
O Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça assentou, no julgamento das Ações Diretas de Inconstituctonalidade n°s 994.09.230256-7 e 0230258-97.2009.8.26.0000, 990.10.057268-8, 990.10.50904-0, 154.601-0/2-00, 158.466-0/4 etc, haver violação ao princípio da separação de poderes quando normas municipais, não cuidando de matéria de peculiar interesse do Município, invadem competência legislativa concorrente da União e do Estado, para disciplinarem referidos assuntos de forma contrária às normas estaduais e federais já editadas.
O tema referente ao comércio de bebidas já foi disciplinado, embora de maneira parcial, pela União e pelo Estado de São Paulo. De fato, a Medida Provisória n° 415/2008, convertida na Lei Federal n. 11.705/2008, proibiu a comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais. Seu art. 2º, § 3º, excluiu a área urbana de referida proibição.
No âmbito da competência estadual, São Paulo editou a Lei n. 9.468, de 27 de dezembro de 1996, que disciplinou parcialmente o tema:
"Artigo 1º - Fica proibida a venda de bebidas alcoólicas pelos estabelecimentos comerciais, tais como bares, lanchonetes, restaurantes, clubes, hotéis, motéis e estabelecimentos afins situados em terrenos contíguos às faixas de domínio do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem e com acesso direto às rodovias estaduais".
Já a Lei n. 14.592/11, de 19 de outubro de 2011, também do Estado de São Paulo, proíbe vender, ofertar, fornecer, entregar e permitir o consumo de bebida alcoólica, ainda que gratuitamente, aos menores de 18 anos de idade.
Percebe-se que, mesmo tendo União e Estado atribuições para disciplinar e restringir a venda de bebidas alcoólicas em postos de combustíveis, tal competência não foi exercida. Em contrapartida, o Município, no exercício de competência suplementar, não pode estabelecer restrição que não foi prevista pelo legislador estadual ou federal - mormente quando este, já tendo disciplinado a matéria relativa ao comércio de bebidas alcoólicas, optou por não o restringir em postos de combustíveis, ao contrário do que pretendeu fazer o Executivo municipal de Mauá.
Caberia à Edilidade apenas completar ou adaptar referidas normas ao interesse local, mas o legislador extrapolou e estabeleceu restrições diversas da regulamentação federal e estadual, o que caracteriza o alegado vício de inconstitucionalidade, por ocorrência de flagrante violação aos princípios do pacto federativo e repartição de competências.
Do exposto, por infração ao art. 24, V, CF, e art. 144, Constituição Bandeirante, vencido o Relator na segunda preliminar, julga-se procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 4.640, de 9.3.2011, do Município de Mauá.
CORRÊA VIANNA
Relator