Migalhas Quentes

Conselho Federal de Medicina define critérios para interrupção de gravidez de anencéfalos

Interrupção só será recomendada quando houver um "diagnóstico inequívoco".

14/5/2012

O DOU publica na edição de hoje (v. abaixo) os critérios definidos pelo CFM - Conselho Federal de Medicina para a interrupção da gravidez no caso de fetos anencéfalos. Trata-se da resolução 1.989, de 10 de maio de 2012.

Pela resolução, a interrupção só deve ocorrer depois que for feito um exame ultrassonográfico detalhado e assinado por dois médicos. A cirurgia para interromper a gravidez deve ocorrer em local com estrutura adequada, ressalta o texto.

A divulgação dos critérios ocorre um mês depois de o STF ter aprovado por 8 votos a 2 a autorização para a interrupção da gravidez em caso de anencefalia. O CFM criou uma comissão de especialistas em ginecologia, obstetrícia, genética e bioética para definir as regras e normas.

A interrupção da gestação só será recomendada quando houver um "diagnóstico inequívoco de anecefalia", conforme a decisão do conselho. O exame ultrassonográfico deverá ser feito a partir da 12ª semana de gravidez, registrando duas fotografias em posição sagital e outra em polo cefálico com corte transversal.

Na decisão, o CFM reitera também que os conselhos regionais de Medicina deverão atuar como "julgadores e disciplinadores" da decisão seguindo "a ética". Segundo a resolução, a gestante está livre para decidir se quer manter a gravidez. Caso decida levar adiante a gestação ou interrompê-la, a mulher deve ter assistência médica adequada.

A resolução é clara ainda na proibição de pressão sobre a gestante para tomar uma decisão. Segundo a norma, a interrupção da gravidez só pode ocorrer em "hospital com estrutura adequada". Não há detalhes sobre o que vem a ser uma estrutura adequada. A decisão da gestante ou do responsável por ela deve ser lavrada em ata.

Cabe ao médico, segundo a resolução, informar toda a situação à gestante, que terá ainda liberdade para requisitar outro diagnóstico e buscar uma junta médica. O profissional médico deverá ainda comunicar à grávida os riscos de recorrência de novas gestações com fetos anencéfalos e orientá-la a tomar providências contraceptivas para reduzir essas ameaças.

Na exposição de motivos, o Conselho Federal de Medicina ressalta as distinções que devem ser feitas entre interrupção da gravidez, aborto e aborto eugênico (visando ao suposto melhoramento da raça).

_________

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO Nº 1.989, DE 10 DE MAIO DE 2012

Dispõe sobre o diagnóstico de anencefalia para a antecipação terapêutica do parto e dá outras providências.

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO o Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/09, publicada no D.O.U. de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90, republicada no D.O.U. de 13 de outubro de 2009, Seção I, p.173);

CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, de 17 de junho de 2004 (ADPF-54), e declarou a constitucionalidade da antecipação terapêutica do parto nos casos de gestação de feto anencéfalo, o que não caracteriza o aborto tipificado nos artigos 124, 126 e 128 (incisos I e II) do Código Penal, nem se confunde com ele;

CONSIDERANDO que o pressuposto fático desse julgamento é o diagnóstico médico inequívoco de anencefalia;

CONSIDERANDO que compete ao Conselho Federal de Medicina definir os critérios para o diagnóstico de anencefalia;

CONSIDERANDO que o diagnóstico de anencefalia é realizado por meio de exame ultrassonográfico;

CONSIDERANDO que é da exclusiva competência do médico a execução e a interpretação do exame ultrassonográfico em seres humanos, bem como a emissão do respectivo laudo, nos termos da Resolução CFM nº 1.361/92, de 9 de dezembro de 1992 (Publicada no D.O.U. de 14 de dezembro de 1992, Seção I, p. 17.186);

CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são, ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo a eles zelar e trabalhar, com todos os meios a seu alcance, pelo prestígio e bom conceito da profissão e pelo perfeito desempenho ético dos profissionais que exercem a Medicina legalmente;

CONSIDERANDO que a meta de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e com o melhor de sua capacidade profissional;

CONSIDERANDO o artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, que elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil;

CONSIDERANDO o artigo 5º, inciso III da Constituição Federal, segundo o qual ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

CONSIDERANDO que cabe ao médico zelar pelo bem-estar dos pacientes;

CONSIDERANDO o teor da exposição de motivos que acompanha esta resolução;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 10 de maio de 2012, resolve:

Art. 1º Na ocorrência do diagnóstico inequívoco de anencefalia o médico pode, a pedido da gestante, independente de autorização do Estado, interromper a gravidez.

Art. 2º O diagnóstico de anencefalia é feito por exame ultrassonográfico realizado a partir da 12ª (décima segunda) semana de gestação e deve conter:

I - duas fotografias, identificadas e datadas: uma com a face do feto em posição sagital; a outra, com a visualização do polo cefálico no corte transversal, demonstrando a ausência da calota craniana e de parênquima cerebral identificável;

II - laudo assinado por dois médicos, capacitados para tal diagnóstico.

Art. 3º Concluído o diagnóstico de anencefalia, o médico deve prestar à gestante todos os esclarecimentos que lhe forem solicitados, garantindo a ela o direito de decidir livremente sobre a conduta a ser adotada, sem impor sua autoridade para induzi-la a tomar qualquer decisão ou para limitá-la naquilo que decidir:

§1º É direito da gestante solicitar a realização de junta médica ou buscar outra opinião sobre o diagnóstico.

§2º Ante o diagnóstico de anencefalia, a gestante tem o direito de:

I - manter a gravidez;

II - interromper imediatamente a gravidez, independente do tempo de gestação, ou adiar essa decisão para outro momento.

§3º Qualquer que seja a decisão da gestante, o médico deve informá-la das consequências, incluindo os riscos decorrentes ou associados de cada uma.

§4º Se a gestante optar pela manutenção da gravidez, ser-lheá assegurada assistência médica pré-natal compatível com o diagnóstico.

§5º Tanto a gestante que optar pela manutenção da gravidez quanto a que optar por sua interrupção receberão, se assim o desejarem, assistência de equipe multiprofissional nos locais onde houver disponibilidade.

§6º A antecipação terapêutica do parto pode ser realizada apenas em hospital que disponha de estrutura adequada ao tratamento de complicações eventuais, inerentes aos respectivos procedimentos.

Art. 4º Será lavrada ata da antecipação terapêutica do parto, na qual deve constar o consentimento da gestante e/ou, se for o caso, de seu representante legal.

Parágrafo único. A ata, as fotografias e o laudo do exame referido no artigo 2º desta resolução integrarão o prontuário da paciente.

Art. 5º Realizada a antecipação terapêutica do parto, o médico deve informar à paciente os riscos de recorrência da anencefalia e referenciá-la para programas de planejamento familiar com assistência à contracepção, enquanto essa for necessária, e à preconcepção, quando for livremente desejada, garantindo-se, sempre, o direito de opção da mulher.

Parágrafo único. A paciente deve ser informada expressamente que a assistência preconcepcional tem por objetivo reduzir a recorrência da anencefalia.

Art. 6º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA

Presidente do Conselho

Eem exercício

HENRIQUE BATISTA E SILVA

Secretário-Geral

ANEXO

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO No- 1.989/12

Há mais de 20 anos, a antecipação terapêutica do parto de fetos anencéfalos é realizada no Brasil mediante autorização do Poder Judiciário ou do Ministério Público. Em 12 de abril de 2012, com a conclusão do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, de 17 de junho de 2004 (ADPF-54), o Supremo Tribunal Federal decidiu que, à luz da Constituição Federal, a antecipação terapêutica do parto de fetos anencéfalos não tipifica o crime de aborto previsto no Código Penal e dispensa, assim, autorização prévia. Os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes acompanharam o voto do relator, ministro Marco Aurélio, mas acrescentaram «condições de diagnóstico de anencefalia». Celso de Mello condicionou a interrupção da gravidez a que «esta malformação fetal fosse diagnosticada e comprovadamente identificada por profissional médico legalmente habilitado», reconhecendo à gestante «o direito de submeter-se a tal procedimento, sem necessidade de prévia obtenção de autorização judicial ou permissão outorgada por qualquer outro órgão do Estado». Endossou, ainda, a proposta do ministro Gilmar Mendes «no sentido de que fosse solicitada ao Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina a adoção de medidas que pudessem viabilizar a adoção desse procedimento». Prevaleceu, contudo, o entendimento majoritário de que essa matéria deveria ficar a cargo deste Conselho Federal de Medicina, sem prejuízo, na área de sua competência, da respectiva regulamentação do Ministério da Saúde.

A partir dessa decisão, a interrupção da gravidez saiu do âmbito de uma decisão jurídica ou estritamente judicial para tornar-se um protocolo dos programas de atenção à saúde da mulher, exigindo, deste Conselho, a definição dos critérios médicos para o diagnóstico dessa malformação fetal, bem como a criação de diretrizes específicas para a assistência médica à gestante.

Desde o início da discussão sobre a legalidade e a constitucionalidade da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, restou perceptível a impropriedade conceitual das expressões "aborto", "aborto eugênico", "aborto eugenésico" ou "antecipação eugênica da gestação" para designar a antecipação terapêutica do parto nesses casos. No Direito, em especial no Direito Penal, desde a década de 50 há uma lição de Nelson Hungria sobre situação equiparável, em que o conceito de aborto também foi afastado:

«No caso de gravidez extrauterina, que representa um estado patológico, a sua interrupção não pode constituir o crime de aborto.

Não está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as consequências dos atos praticados se resolvem unicamente contra a mulher.

O feto expulso (para que se caracterize o aborto) deve ser um produto fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto».

O relator da ADPF-54, ministro Marco Aurélio, que inclusive citou essa mesma lição, reafirmou a necessidade de se diferenciar, no âmbito jurídico-constitucional, o binômio aborto e antecipação terapêutica do parto:

«Para não haver dúvida, faz-se imprescindível que se delimite o objeto sob exame. Na inicial, pede-se a declaração de inconstitucionalidade, com eficácia para todos e efeito vinculante, da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal (Decreto-lei nº 2.848/40), que impeça a antecipação terapêutica do parto na hipótese de gravidez de feto anencéfalo, previamente diagnosticada por profissional habilitado. Pretende-se o reconhecimento do direito da gestante de submeter-se ao citado procedimento sem estar compelida a apresentar autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão do Estado.

Destaco a alusão feita pela própria arguente ao fato de não se postular a proclamação de inconstitucionalidade abstrata dos tipos penais, o que os retiraria do sistema jurídico. Busca-se tão somente que os referidos enunciados sejam interpretados conforme a Constituição.

Dessa maneira, mostra-se inteiramente despropositado veicular que o Supremo examinará, neste caso, a descriminalização do aborto, especialmente porque, consoante se observará, existe distinção entre aborto e antecipação terapêutica do parto.

Apesar de alguns autores utilizarem expressões "aborto eugênico ou eugenésico" ou "antecipação eugênica da gestação", afastoas, considerado o indiscutível viés ideológico e político impregnado na palavra eugenia».

No contexto jurídico, esse excerto demonstra que a antecipação terapêutica do parto não se confunde com o aborto. Além do mais, a interrupção da gravidez, nos casos de anencefalia, antecipa o momento oportuno do parto, referindo-se ao fim natural da gestação e não à sua temporalidade, contada em semanas na data em que ocorrer a interrupção.

A expressão não se sobrepõe à tradição da semiologia médica que classifica a interrupção da gravidez como aborto ou antecipação do parto, a depender da idade gestacional. Mas é necessário manter a coerência da construção jurídica feita pela ADPF-54 com a normatização deste Conselho Federal de Medicina. Mais do que questão de semântica ou de semiologia médica a se considerar, trata-se da necessidade de se manter a conformidade com o marco jurídico. Por essa razão, manteve-se, na epígrafe da resolução, a expressão antecipação terapêutica do parto, sem prejuízo de, também, se utilizar a expressão interrupção da gravidez.

A resolução não normatiza nem repete temas previamente regulamentados no Código de Ética Médica, limitando-se a seu objeto, ou seja, à definição de critérios com vistas ao diagnóstico da anencefalia para a antecipação terapêutica do parto, bem como a breves disposições complementares. Não tratou, por exemplo, da objeção de consciência, tema que desperta relevantes considerações éticas, filosóficas, jurídicas e religiosas, quer nos casos de aborto legal, quer nos casos de antecipação terapêutica do parto.

O silêncio não quer dizer indiferença, mas suficiência do Código de Ética Médica na regulação da matéria. No Capítulo I, Princípios fundamentais, a objeção de consciência foi inserida como um direito do médico: «VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente».

A relevância desta garantia levou o Código a repeti-la no Capítulo II, Direitos dos Médicos: «É direito do médico: (...) IX - Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência».

Pelas mesmas razões, a resolução apenas reafirmou o respeito à autonomia da gestante na tomada da decisão quanto a manter ou interromper a gravidez. O Código de Ética Médica impôs ao médico o dever de respeitar a decisão do paciente em diversos dispositivos.

No Capítulo I, Princípios Fundamentais, o respeito à autonomia do paciente foi assegurado no inciso XXI: «No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas».

A autonomia da paciente foi uma das questões mais relevantes em toda a discussão empreendida no julgamento da ADPF-54. Tão relevante que justifica relembrar: autonomia, do grego autos (próprio), e nomos (regra, autoridade ou lei) foi originariamente utilizada para expressar o autogoverno das cidades-estados independentes.

Na década de 70 - tomando-se como referência o Relatório Belmont - a autodeterminação incorporou-se definitivamente à medicina como um valor moral e jurídico da relação médico-paciente, atribuindo a esse - o paciente - o poder de tomar decisões sobre condutas inerentes a sua pessoa. O Relatório Belmont, publicado em 18 de abril de 1979, resumiu os trabalhos empreendidos pela National Comission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research, criada pela lei conhecida como National Research Act (Pub. L. 93-348), de 12 de julho de 1974. Nele foram apresentados três dos quatro princípios bioéticos adotados universalmente: autonomia, beneficência e justiça. Respeito às pessoas (autonomia) e beneficência decorreram de propostas de H. Tristram Engelhardt; o filósofo Tom L. Beauchamp, que integrou a Comissão, propôs o princípio da justiça. O quarto princípio, a não maleficência (primum non nocere), surgiu no livro Princípios de ética biomédica, da autoria de Beauchamp e James F. Childress.

O respeito às pessoas, como diretriz para o consentimento informado, não foi originariamente concebido como instrumento de proteção contra riscos, mas como garantia da autonomia e da dignidade pessoal. Tom L. Beauchamp relata que em um dos rascunhos do Relatório Belmont, o de 3 de junho de 1976, o princípio do respeito às pessoas foi apresentado como princípio da autonomia, denominação que acabou aprovada pela Comissão.

Michael S. Yesley, diretor do staff profissional da National Comission, encontrou uma forma de sistematizar o significado de cada princípio, pela qual o princípio do respeito às pessoas deveria ser observado nas diretrizes do consentimento informado; o da beneficência, nas diretrizes para a avaliação do risco e do benefício; o da justiça, nas diretrizes para a seleção de pessoas, de sujeitos para as pesquisas.

Assim, o respeito às pessoas é, também no Código de Ética Médica, imperativo para a obtenção do consentimento informado, exigência contida no Capítulo IV - Direitos humanos: «É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.» E, ainda, no Capítulo V - Relação com pacientes e familiares: «É vedado ao médico: Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte».

A resolução não avançou qualquer regulação sobre o sigilo médico. À medida que a decisão de interromper a gravidez nos casos de gestação de feto anencéfalo passou a ser questão restrita à relação médico-paciente, o sigilo se submete ao disposto no Capítulo IX do Código de Ética Médica. Sua quebra pode caracterizar, além de infração ética, crime tipificado no Código Penal. Sobre a documentação a ser elaborada e inserida no prontuário da paciente, a resolução estabeleceu exigências. A primeira delas é a necessidade de duas fotografias do exame ultrassonográfico, que deve ser realizado, exclusivamente, por médico com capacitação para esse fim. Reafirmou-se, nos considerandos, o inteiro teor da Resolução CFM nº 1.361/92, de 9 de dezembro de 1992 (Publicada no D.O.U. de 14.12.92, Seção I, p. 17.186): «É da exclusiva competência do médico a execução e a interpretação do exame ultrassonográfico em seres humanos, assim como a emissão do respectivo laudo». Sobre o laudo, a resolução exige que seja emitido por, no mínimo, dois médicos. Além de instrumento do diagnóstico, as fotografias são, também, documentos médicos a serem preservados.

O requisito de pluralidade - laudo emitido por, no mínimo, dois médicos - não teve o objetivo de retirar a suficiência do diagnóstico feito por um só médico; antes, indica que o Conselho Federal de Medicina assegurou o direito a uma segunda opinião, nos termos do art. 39 do Código de Ética Médica. Essa exigência não afasta o direito de a própria paciente solicitar ou buscar outras opiniões ou, ainda, de ter acesso a uma junta médica. Por mais que haja segurança no diagnóstico de anencefalia realizado com a observância dos critérios estabelecidos - a resolução se refere a diagnóstico inequívoco - , esse é um direito inalienável da paciente.

Quanto à idade gestacional, a resolução estabelece que o diagnóstico inequívoco para a interrupção da gravidez só pode ser assegurado após a 12ª (décima segunda) semana de gestação. Essa limitação foi definida com base na leges artis. Se com a evolução das tecnologias médicas for possível, no futuro, obter o diagnóstico inequívoco de anencefalia com idade gestacional inferior, o Conselho poderá rever esse limite.

Ainda sobre os documentos, a resolução exige uma ata do procedimento. Essa formalidade foi inspirada naquela exigida pelo §1º do art. 10 da Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar. O documento, obrigatoriamente escrito e assinado, deve conter todos os esclarecimentos necessários à tomada de decisão pela gestante, seguidos de seu consentimento.

A ata, as fotografias e o laudo do exame ultrassonográfico estão sujeitos às disposições constantes no Capítulo X - Documentos médicos do Código de Ética Médica e integram o prontuário da paciente.

Interrompida a gravidez, há justificada preocupação deste Conselho Federal com a recorrência de gestação de feto anencéfalo, que tem cerca de cinquenta vezes mais chances de ocorrer, se não forem adotados cuidados após a antecipação terapêutica do parto.

Esses cuidados incluem a contracepção imediata e, ainda, a assistência preconcepcional que deve anteceder uma nova gestação.

Estudos indicam que o uso diário de cinco miligramas de ácido fólico, por pelo menos dois meses antes da gestação, reduz pela metade o risco de anencefalia. Por isso, a resolução determina que a paciente seja referenciada para um serviço que também lhe assegure cuidados preconcepcionais, evidentemente se ela os desejar.

Determina ainda que, havendo disponibilidade, seja prestada assistência multidisciplinar tanto à paciente que decidir interromper a gravidez quanto àquela que optar por sua continuidade. Sobre esta última, a resolução assegura que a ela seja prestada assistência prénatal, não podendo haver qualquer diferenciação em razão da opção feita. Trata-se, contudo, de gravidez de alto risco, e a assistência médica deverá ser compatível com essa condição.

Por fim, a resolução é peremptória ao afirmar que a opção pela continuidade da gravidez não legitima o abandono da paciente a seu próprio destino, independentemente da viabilidade ou inviabilidade do feto.

São esses os motivos pelos quais o Conselho Federal de Medicina edita esta resolução.

CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA

Relator

JOSÉ HIRAN DA SILVA GALLO

Relator

JOSÉ FERNANDO MAIA VINAGRE

Relator

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