Decisão
Estadão é condenado a indenizar promotor de Justiça Thales Schoedl
O promotor de Justiça tornou-se réu em processo criminal do TJ/SP quando, em 2004, "viu-se obrigado a agir em legítima defesa própria da qual resultou a morte de uma pessoa e ferimentos em outra", conforme os autos.
De acordo com o juiz Wickfield, houve por parte da imprensa antecipada "condenação" do autor "com publicações sem respaldo nos fatos e nas apurações da época, com ofensas descabidas, havendo grande repercussão do fato em razão de ser o autor Promotor de Justiça".
Conforme a sentença, os jornais O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde tacharam o promotor de "assassino". Para o julgador, "não poderia o réu ter decidido que o promotor era um assassino, um criminoso, e dessa forma expô-lo ao leitor."
Ao julgar procedente o pedido de indenização, o magistrado determinou que a resposta "integral" do promotor deverá ser publicada nos mesmos cadernos em que foram veiculadas as notícias "difamatórias".
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Processo : 583.00.2010.126022-3
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Vistos, THALES FERRI SCHOEDL, qualificado nos autos, propôs a presente “ação de reparação de danos” em face de S.A. O ESTADO DE S. PAULO”, também qualificado nos autos, alegando, em síntese, que no dia 30/12/2004 viu-se obrigado a agir em legítima defesa própria da qual resultou a morte de uma pessoa e ferimentos em outra.
Por ser Promotor de Justiça tornou-se réu em processo criminal perante o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo que em 26/11/2008, foi absolvido por unanimidade, em reconhecimento de ter agido em legítima defesa.
Houve por parte da imprensa, no entanto, antecipada “condenação” do autor com publicações sem respaldo nos fatos e nas apurações da época, com ofensas descabidas, havendo grande repercussão do fato em razão de ser o autor Promotor de Justiça.
Os jornais do réu, “O Estado de S. Paulo” e “Jornal da Tarde”, nas reportagens que publicaram sobre o fato, tachavam o autor de “assassino”, como exemplo: “Conselheiro mantém promotor assassino”, “Promotor assassino fica no MPE” e “Promotor assassino diz que sofre muito”.
O uso do termo “assassino” extrapola o direito de informação e revela a deliberada intenção de injuriar o autor.
O uso do termo era inteiramente desnecessário para veiculação das notícias e levava o leitor a crer em situação que não existia, maculando sua honra.
As notícias descreviam circunstâncias que nunca existiram, falseando a verdade e impingindo ao autor a pecha de facínora fútil e impiedoso.
Dando prosseguimento à difamação à honra do autor, os referidos jornais publicaram que o autor, mantido no cargo, ainda reclamava na Justiça pagamento de salários atrasados pelo período em que ficou afastado. Novamente distorcem a verdade para macular sua honra, vez que a ação referida era ação coletiva proposta antes dos fatos em questão e por valor muito inferior ao noticiado.
A campanha promovida pela imprensa contra o autor, lhe trouxe ainda grande humilhação por se ver objeto de revolta popular, com pichações no muro de um vizinho do autor e atos público de repúdio ao autor na Comarca de Jales, para onde fora designado pelo Ministério Público.
Requer indenização por danos morais no valor de R$ 400.000,00, bem como seja o réu condenado a publicar sua resposta nos jornais “O Estado de S.Paulo” e “Jornal da Tarde”. Com a petição inicial juntou os documentos de fls. 22/449.
O réu apresentou contestação.
Em preliminar suscita a ocorrência da prescrição, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil, posto que a maioria das publicações tem mais de três anos antes do ajuizamento da ação. Ainda em preliminar aduz haver inépcia da petição inicial cujo pedido de “direito de resposta” não se fez acompanhar do texto que pretende seja publicado, causando-lhe cerceamento de defesa.
No mérito sustenta, em suma, que a linguagem jornalística difere da técnico-jurídica, daí as expressões “assassino” e “criminoso” terem o significado de “aquele que mata alguém” ou que “pratica fato definido como crime”, não havendo intuito detrator contra o autor.
A grande repercussão do ocorrido se deu pelo interesse público no fato e por ser o autor integrante de cargo de alta relevância. A decisão absolutória é posterior às publicações, sendo estas baseadas no libelo acusatório.
O réu exerceu seu direito constitucional de manifestação de pensamento e opinião e, porquanto contundentes, foram inspiradas no interesse público que o caso encerrava. Ademais o réu abriu espaço para manifestação da família do autor, bem como noticiou a absolvição do autor narrando com isenção as teses da defesa e acusação.
Com o desfecho do caso o defensor do autor pode manifestar sua satisfação pelo resultado alcançado. Não havendo ilicitude na conduta do réu requer a rejeição dos pedidos do autor e a improcedência da ação.
Alternativamente requer moderação no arbitramento do valor da indenização, considerando que o réu minimizou a lesão ao dar oportunidade à defesa do autor, levando isso também à improcedência do pedido de resposta, que se configuraria na realidade em “nova resposta” (fls. 463/476).
Com a contestação juntou os documentos de fls.477/509.
Réplica às fls. 512/516.
Determinou-se ao autor a juntada do texto que pretende seja publicado como “direito de resposta” (fls. 517).
O autor juntou os textos, conforme fls. 524/526.
O réu interpôs agravo de instrumento da decisão de fls. 517 (fls. 528/529), cujo provimento foi negado (fls. 551/554), recorrendo o réu ao C. STJ (fls. 586/589 e 594)
O réu apresentou impugnação aos textos apresentados pelo autor (fls. 537/538), sendo ela rejeitada pela decisão de fls. 617. Intimadas as partes a especificarem provas a produzir, ambas se manifestaram dizendo não ter outras provas a apresentar (fls. 628 e 649).
É o relatório.
Decido.
O feito comporta julgamento imediato, nos termos do art. 330, I do Código de Processo Civil.
A preliminar de prescrição fica rejeitada. Conforme fls. 02 a presente ação foi proposta em 19/03/2010, sendo as reportagens alegadamente ofensivas à honra do autor, que fundamentam a ação, publicadas em data posterior a 19/03/2007, não sendo, portanto, alcançadas pelo prazo prescricional previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil.
A preliminar de inépcia da petição inicial já foi decidida pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo.
No mérito a ação é procedente.
Ocioso aprofundar-se sobre o direito à liberdade de expressão que vigora no país, garantido que é pela Constituição Federal.
A Constituição Federal assegura que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (artigo 5º, IX).
Porém, toda e qualquer notícia deve ser publicada com responsabilidade, pois essa será imputada às condutas que extrapolarem os limites do direito de comunicação e que venham a prejudicar terceiros.
Havendo excesso na publicação da notícia, bem como críticas pessoais a terceiros que firam os bens jurídicos estabelecidos na Constituição Federal, podem ser interpostas medidas que visem a coibir esse tipo de atitude, conforme dispõe o artigo 5º, X, da CF. In verbis: Art. 5º, X. São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Portanto, se um artigo publicado limita-se a narrar a indignação com relação à conduta de um agente público, ou até mesmo a fazer críticas razoáveis com o intuito de passar ao leitor informações a respeito da legitimidade de sua conduta, o ato é considerado lícito.
Em contrapartida, se esses limites forem ultrapassados, deve haver a responsabilização do causador pelo excesso praticado.
No caso sub examine, trata-se o autor de Promotor de Justiça do Estado de São Paulo.
Agente público de reconhecida relevância, portanto, daí a grande repercussão dos fatos em que esteve envolvido. Acusado pelo crime de homicídio tentado e consumado, torno-se notícia nos meios de comunicação. Posteriormente a Justiça o absolveu, por ter ele agido em legítima defesa pessoal.
Nesse ínterim em que passou a figurar nas manchetes jornalísticas, teria sido vítima de injúria praticada pelos repórteres do réu, ao divulgar o fato por intermédio dos jornais “O Estado de S. Paulo” e “Jornal da Tarde” de forma deliberadamente ofensiva.
A propósito, extrai-se dos autos cópias das notícias veiculadas pelos dois jornais do réu, como se verifica á fls. 424, cujo título é “Conselheiro mantém promotor assassino”.
Ao tachar o autor de “assassino” o jornal transmite ao leitor a informação de que o promotor é um assassino, e mesmo sendo um assassino foi mantido como membro do Ministério Público de São Paulo.
Mas na ocasião em que a notícia foi publicada, o autor era somente pessoa formalmente acusada da prática do crime e o argumento de ter agido em legítima defesa fora manifestado desde o dia de sua ocorrência. Não poderia ter sido peremptoriamente rotulado de homicida como fato consumado.
Em outra reportagem, a manchete “Promotor assassino fica no MPE” (fls. 425), no mesmo tom o título da reportagem copiada à fls. 426: “Promotor assassino diz que sofre muito”.
Como se verifica, o autor foi despersonalizado pelo réu e tornou-se o “promotor assassino”. É assim que passou a ser sistematicamente identificado nas manchetes. O editorial copiado à fls. 427 persiste na identificação do autor como o “promotor assassino” e acusa o Ministério Público de ser “leniente com um criminoso”.
Não há como aceitar esse julgamento público e definitivo feito pelo réu por meio de seus jornais, como legítimo exercício de seu direito de informar e manifestar sua opinião.
Essa posição do réu, terminante, final, de que o autor era um “assassino”, um “criminoso”, contribuiu e incitou (assim como fizeram outros veículos de informação) comportamentos como os noticiados às fls. 444 e 446.
A rejeição ao autor, com pichações em frente à sua residência e movimento popular e político na cidade de Jales, para a qual fora designado para exercício de suas atribuições, somente pode ser atribuída à verdadeira campanha difamatória e injuriosa promovida pelos meios de comunicação, dentre elas, o réu.
Tivesse havido uma abordagem jornalística menos sensacionalista sobre o caso, com mais isenção e mais preocupada com a informação, certamente não teria o autor experimentado a hostilidade popular que sofreu.
Afinal, o autor ainda estava sob julgamento pelos atos praticados.
Não poderia o réu ter decidido que o promotor era um assassino, um criminoso, e dessa forma expô-lo ao leitor. Compreende-se ser o “sensacionalismo” o chamativo freqüentemente utilizado pela imprensa e que se presta ao incremento da venda de seu produto, todavia, havendo abuso e ferindo o direito alheio, há de responder por ele.
Constata-se, pois, que o réu se excedeu nas reportagens veiculadas em seus periódicos, ao imputar ao autor personalidade desonrosa e de ser ele indigno de pertencer ao Ministério Público.
Com isso, ultrapassou o limite da impessoalidade, o que configurou a abusividade de sua conduta. O réu fez críticas pessoais ao autor, que foram além dos limites da razoabilidade, ultrapassando o poder de repassar a informação. Desse modo, atingiu diretamente a honra do autor ao qualificá-lo como temido pela sociedade pela prática de conduta criminosa.
Ao final, sob o exame sério, isento e com pleno conhecimento dos fatos, o autor foi absolvido por unanimidade, por colegiado de juízes da mais alta capacidade e experiência. Demonstrou-se que o julgamento preconceituoso e açodado do réu estava errado. Mas o dano à honra do autor já havia se consumado.
Dessa forma, pelo fato de o réu ter agido com excesso, extrapolando os limites do exercício regular de seu direito de informar, deve ser ele responsabilizado pelos danos causados ao autor. Uma vez caracterizado fato ofensivo à honra ou à imagem da pessoa, bem como sentimento íntimo de pesar no lesado, surge o dever de indenizar.
Acerca da matéria preleciona Carlos Alberto Bittar: “Na prática, cumpre demonstrar-se que, pelo estado da pessoa, ou por desequilíbrio e, sua situação jurídica, moral, econômica, emocional ou outras, suportou ela conseqüências negativas advindas do ato lesivo. A experiência tem mostrado, na realidade fática, que certos fenômenos atingem a personalidade humana, lesando os aspectos referidos, de sorte que a questão se reduz, no fundo, a simples prova do fato lesivo. Realmente, não se cogita, em verdade, pela melhor técnica, em prova de dor, ou de aflição, ou de constrangimento, porque são fenômenos ínsitos na alma humana como reações naturais a agressões do meio social. Dispensam, pois, comprovação, bastando, no caso concreto, a demonstração do resultado lesivo e a conexão com o fato causador, para responsabilização do agente (Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 129-130).
Diante dos fatos, conclui-se não haver dúvidas do abalo moral sofrido pelo autor, razão pela qual o réu tem o dever de reparar (indenizar) o dano causado.
Nesse aspecto pugnou o réu pela minoração do quantum indenizatório pleiteado pelo autor.
É cediço que os danos morais devem ser fixados ao arbítrio do juiz, que, analisando caso a caso, estipula um valor razoável, mas não irrelevante ao causador do dano, que dê azo à reincidência do ato, ou exorbitante, de modo a aumentar consideravelmente o patrimônio do lesado.
Deve, pois, segundo Maria Helena Diniz, ser "proporcional ao dano causado pelo lesante, procurando cobri-lo em todos os seus aspectos, até onde suportarem as forças do patrimônio do devedor, apresentando-se para o lesado como uma compensação pelo prejuízo sofrido" (Código Civil Anotado, 10. ed., São Paulo, Saraiva, 2004, p. 650).
Carlos Alberto Bittar acentua: “A indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expresso, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante” (Reparação Civil por Danos Morais, Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 220).
Na hipótese vertente, prospera a insurgência do réu quanto ao excesso do quantum indenizatório buscado. Acrescente-se que no caso em tela há a peculiaridade de pedido de duplo meio de reparação. Se a honra do autor foi maculada pelas notícias eivadas de inverdades e ofensas, será ela, ao menos em parte, reparada com a publicação de sua “resposta”, além da indenização pecuniária.
Diante disso, a reparação (possível) à honra do autor estará sendo feita por duas vias: com a publicação de seu desagravo e a compensação financeira.
Sopesados todos os elementos acima e, considerando ainda, que o ato ilícito praticado pelo réu não se restringiu a uma única publicação difamatória, mas repetiu-se em diversas publicações, fixo a indenização devida ao autor no valor de R$ 62.200,00, correspondente ao valor de 100 salários mínimos.
A “resposta” integral do autor (fls. 525 e 526) deverá ser publicada nos mesmos cadernos em que foram publicadas as notícias difamatórias, quais sejam, caderno “Cidades/Metrópole” do jornal “O Estado de S. Paulo” e caderno “Polícia” do “Jornal da Tarde”
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação, com resolução do mérito nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar o réu no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 62.200,00, com correção monetária a partir desta data e juros de mora a partir da citação, bem como condenar o réu a publicar o texto de fls. 525 no jornal “O Estado de S.Paulo” e o texto de fls. 526 no jornal “Jornal da Tarde”, na forma supra definida, no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da sentença, pena de multa diária de R$ 1.000,00 para cada um dos jornais em favor do autor.
Condeno o réu no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 15% do valor da condenação.
P.R.I. São Paulo, 20 de janeiro de 2012
Edward A.L.D.C.C. Wickfield
Juiz de Direito
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