Migalhas de Peso

Os empréstimos consignados via cartão de crédito e o CDC

A eternização da finalização contratual e da quitação do débito em violação grave ao direito do consumidor.

3/5/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Prática crescente no mercado de consumo, os empréstimos consignados têm aparecido como aparente solução para problemas financeiros de inúmeros consumidores, notadamente aposentados e do setor público, mas traz um inconveniente perigoso: a eternização da finalização contratual e quitação do débito em grave violação ao CDC.

A partir da vontade urgente de superar as dificuldades financeiras, muitos consumidores procuram a realização de empréstimos consignados com o atrativo de menor taxa de juros de acordo com o desconto direto em folha de pagamento mensalmente.

A realidade é que, apesar da promessa pelas instituições financeiras da realização de empréstimo consignado tradicional, com desconto direto em folha de pagamento/aposentadoria, é comercializado verdadeiro “Empréstimo Reserva de Margem Cartão de Crédito”, o famoso “RMC”, uma operação financeira sobre a modalidade de crédito rotativo.

A modalidade de negócio se faz mais onerosa ao consumidor e se caracteriza por contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável,  RMC, com a promessa da assinatura de empréstimo tradicional,  é creditado na conta bancária do requerente o valor solicitado para empréstimo, independentemente de envio e/ou desbloqueio de cartão de crédito e, sem que seja necessária a utilização deste, passa a ser descontado mensalmente do benefício do consumidor o pagamento mínimo do valor total da fatura do cartão de crédito ou o limite da reserva de margem consignável, 5% sobre o valor de seu benefício, quando o limite de crédito está excedido.

Assim é que, sobre a diferença não paga, incidem encargos rotativos em valores bastante superiores aos encargos praticados pelo mercado em se tratando de empréstimo consignado em folha de pagamento “tradicional” e, muitos os casos, a instituição financeira sequer encaminha o cartão de crédito ou mesmo as faturas de pagamento com as informações detalhadas do débito.

O problema é que a ilegalidade da contratação realizada só vem à tona quando após meses de pagamento o consumidor percebe que o empréstimo não tem prazo determinado, rotatividade em razão do desconto mínimo referente à reserva de margem ou pagamento mínimo do valor da fatura, e que o tipo de contratação realizada não foi a solicitada desde o início, com o agravante de que os referidos descontos efetuados em folha não abatem o saldo devedor, mas cobrem praticamente apenas os juros e encargos mensais do cartão.

Quais os direitos do consumidor e como proceder?

Para a celebração do negócio levado a cabo pelo fornecedor, a modalidade da contratação deve ser suficientemente informada no momento da assinatura dos documentos, de modo a impedir que os consumidores venham a ser afetados por métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas impostas no fornecimento de produtos e serviços, conforme art. 6º, III, 31 e, especialmente, o 52 do CDC.

Na prática, o dever de informação em grande parte das vezes não é observado pelas instituições financeiras, com esclarecimento para o consumidor de que o valor do empréstimo tomado por ele seria creditado no cartão de crédito e que não haveria quitação por parcelas em número e valor previamente ajustados.

Para corroborar com a violação do CDC, a própria circunstância da simultaneidade da contratação do cartão com o saque, por vezes também denominado de empréstimo, que evidencia a prática de “venda casada”; conduta vedada pelo inciso I do art. 39 do CDC, capaz de, por si só, ensejar a decretação de nulidade do negócio jurídico.

O fato é que a prática adotada pelos bancos evidencia a clara intenção em gerar dívida vitalícia em detrimento do consumidor, com multiplicação das ações judiciais para sua análise pelo poder Judiciário e tem perfil comum entre os contratantes: idosos, que se sustentam com benefício recebido pelo INSS, de classe baixa/média, em sua maioria pessoas simples e de baixa escolaridade e também servidores públicos em geral.

Dessa forma, ficando evidente a abusividade e desproporcionalidade do negócio jurídico, evidencia-se a hipótese de nulidade contratual prevista no art. 51, IV do CDC, sendo válida a tentativa de desconstituição do contrato na via judicial, com o afastamento dos valores descontados mensalmente e sem previsão de encerramento.

Feitas as devidas considerações, uma vez caracterizada a falha na prestação dos serviços por força dos arts. 12 e 18 do CDC, o dever de indenizar pelo dano moral pode também surgir de forma incontestável, não se podendo considerar um aborrecimento ou mero transtorno suportável, decorrente de imprevistos do dia a dia, mas sim em inegável ofensa e abalo a esfera intima do consumidor, notadamente quando se considera a natureza do produto envolvido.

Uma ação bem elaborada e provas robustas têm sido suficientes para obter êxito nos tribunais do país, com largo precedente nos juizados da capital, sendo válida e de extrema importância a tentativa de afastamento da contratação realizada diversamente da intenção do contratante e, ao menos, de reparar os danos sofridos pelos consumidores que se frustram na realização de empréstimo consignado padrão.

Milena Cintra
Advogada Cível e Consumidor. Especialista em Direito Público. Atualmente desempenhando também função de juíza leiga na Comarca de Salvador.

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