Recordações marcantes. Anos 1970. Foi quando o conheci melhor, chegando à AASP como conselheiro substituto. Ele já estava na Associação há muito tempo.
Ouvia sobre sua atuação, como professor de Direito Civil, na PUC-SP, com mais frequência, por dois de seus assistentes, os que me eram mais próximos: meus queridos amigos Marcelo Cintra Zarif, colega de escritório, e Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, que se formou comigo, também ex-conselheiro da AASP. Outros assistentes, José Roberto Maluf, que presidiu o XI de Agosto, atual presidente da Fundação Padre Anchieta, e José Gaspar Franceschini, desembargador, hoje já aposentado na magistratura paulista, também narravam passagens geniais do professor Walter, amado pelos alunos todos, paraninfo de diversas turmas.
Ele, como conselheiro da Associação dos Advogados, brilhava com seus pareceres eruditos mas, todos, também, com uma pitada de bom humor, qualidade igualmente presente nas muitas palestras que proferiu, pelo antigo Departamento de Cultura dessa Casa, a meu convite, falando com fluência sobre temas absolutamente diversos. Muitas vezes, brincava com o público, dizendo que encerraria a aula em um determinado horário, consignando inclusive os minutos (ex.: vinte e uma horas e dezessete minutos). Pedia que todos acertassem seus relógios pelo dele e começava a aula. Sem olhar para o relógio, terminava, exatamente, no horário que havia previsto.
Inteligência fulgurante, já pronto para começar determinada palestra, cochichava comigo, pedindo que eu rapidamente indicasse qualquer palavra, entre as mais esdrúxulas possíveis. Certa vez eu lhe disse: "Bigorna". Feito isso, começou a palestra, sobre um determinado tema de registros públicos. E, ao terminar, afirmou que, se aquilo (não me lembro mais o que) acontecesse, seria como uma bigorna caindo nos pés do tabelião.
O bom humor dele era constante. Uma vez, passeando com o Mário Sérgio Duarte Garcia (os dois, tempos atrás, eram parecidíssimos), em uma praia, passando por duas senhoras, uma delas pergunta: "São gêmeos?", logo respondendo Walter, absolutamente sério, que sim. Satisfeita, a mulher vira para a outra e diz: "Eu não falei?".
Articulista na Folha de S.Paulo, abordava temas variados, todos interessantíssimos, graças à sua cultura e inteligência. Isso fez durante muitos anos. Quando parou, reclamei, enviando uma carta ao jornal.
Homem de uma grande sensibilidade. Lembro que me contou, maravilhado, que, na companhia de um cunhado seu, emocionou-se, ao ouvir a Pastoral de Beethoven, ao lado de um regato, que corria entre as pedras, em uma maravilhosa mistura de sons.
Advogado exemplar. Ético, combatia com uma elegância incrível. Extremamente simpático com todos, mas absolutamente zeloso pelo direito de seu cliente. Fui seu adversário em um pesado litígio familiar. Mandava-me cópias das petições, que levava aos autos, logo após protocolá-las. Se não fizéssemos um acordo (que acabou por acontecer, principalmente por sua conduta conciliadora, no momento certo), o sofrimento das partes certamente seria muito maior.
E, ao terminar uma palestra, falou da importância de estarmos bem conosco mesmo, segredo da felicidade, citando uma crônica de Carlos Drummond de Andrade, que vinha nesse sentido, que eu acabei por localizar, para homenageá-lo, nesta minha breve e simplória mensagem de carinho por ele.
O título é "Tentativa de posse":
"Chegou ao palácio e disse que queria tomar posse.
– Posse de quê? – perguntaram-lhe.
– De tudo. De qualquer coisa. Eu quero é tomar posse.
– Todos os cargos estão ocupados. O senhor chegou tarde.
– Atrasei-me por causa da greve dos alfaiates, pois eu não podia tomar posse com uma roupa qualquer. Agora estou convenientemente trajado e venho empossar-me.
– Já lhe dissemos que não há nenhum posto vago. Não só foram todos preenchidos como há uma relação de duzentos e cinquenta mil aspirantes a substituir algum dos titulares que eventualmente se afastar por motivo de reumatismo ou esclerose cerebral.
– Posso inscrever-me como duzentos e cinquenta mil e um aspirante. Talvez sobrevenha um terremoto e eu, se der sorte, passarei ao primeiro lugar e finalmente me darão posse.
– Nunca. Todos os terremotos foram previstos, todas as inundações etc. Escapará muita gente e haverá no máximo vinte substituições em nossos quadros. Portanto, o senhor jamais será aproveitado. Venda o seu terno escuro e passe muito bem.
Voltou para casa e, à falta de outra coisa, tomou posse de si mesmo" (ANDRADE, 1991, p. 150).
Walter querido, não desapareça. Sinto sua falta.
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ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos Plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 1991.
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*Antonio Carlos Malheiros é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Professor universitário. Ex-conselheiro e diretor da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo.