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Homenagem a Walter Ceneviva

Não há prazer mais significativo a um advogado do que dirigir encômios a um outro advogado.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Atualizado em 15 de maio de 2020 11:15

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Fiquei lisonjeado com o convite formulado pelo amigo Antonio Ruiz Filho para escrever sobre Walter Ceneviva, na Revista da AASP, a ele dedicada.

Alguém teria dito não haver nada mais agradável a um advogado do que tecer elogios a um juiz.

Pois bem, eu ouso discordar. Não há prazer mais significativo a um advogado do que dirigir encômios a um outro advogado.

Esse sentimento deve ter se apossado de todos aqueles que foram instados a escrever em homenagem a Walter Ceneviva. Quer pela alegria natural de se falar de um colega, quer por se tratar de uma das figuras mais exponenciais da advocacia brasileira.

Tecer considerações sobre um companheiro de profissão traz uma satisfação semelhante àquela de ouvir referências agradáveis sobre si mesmo. No caso de Ceneviva, é bem isso, pois ele simboliza todos os predicados e todas as qualidades que constituem a essência da advocacia.

Assim, esmiuçar a profissão; expor as suas agruras e gratificações; mostrar a sua grandeza, que atinge o grau de verdadeiro sacerdócio; narrar o perfil do advogado vocacionado, as suas mais marcantes características, enfim, retratar a advocacia e expressar a figura do advogado é, me parece, prestar uma homenagem a Walter Ceneviva, pois se trata de um advogado genuíno, que representa com fidelidade a elevada missão de postular em nome alheio, vale dizer, de advogar.

A verdade é que: quem mais para reconhecer o valor da advocacia, a importância social e política do advogado, do que um companheiro das lidas profissionais, vale dizer, um outro advogado?

O advogado é o profissional que dedica os seus esforços à assistência jurídica àqueles que dela necessitam em defesa dos interesses conflituosos de natureza as mais diversas.

Ele procura agir em prol da tranquilidade do seu assistido, ao lhe informar, com realismo, a situação processual de sua questão, sem otimismos exagerados ou visões catastróficas, e sem jamais garantir o êxito de seu trabalho, pois o seu compromisso é de meio, e não de fim. O único comprometimento exigido dele, advogado, é com a dedicação e com o empenho na condução de seu ofício.

Ao tranquilizar e aconselhar o seu constituinte, ele atua como verdadeiro sacerdote, pois, após esmiuçar o caso e conhecer as suas razões e circunstâncias, para em seguida entrar na intimidade do assistido, passa a ser o seu confessor, psicólogo e orientador. 

O peso das responsabilidades que recaem sobre os advogados só é medido e sentido pelos próprios advogados. 

O papa Paulo VI expôs a nosso respeito um conceito superior no plano espiritual. Partiu, inicialmente, de nossas funções institucionais, ao dizer que o advogado empenha a sua existência para "assistir aqueles que não estão aptos a se defender por si mesmos" e estão necessitados de ser "guiados, aconselhados, defendidos, no labirinto das relações humanas".

Segundo o pontífice, essa única finalidade bastaria para emprestar à advocacia um mérito singular, pois, acrescenta, "está elevada à dignidade de um serviço, de um real e muito autêntico ministério de caridade". Disse, ainda, ser o advogado um homem à procura da verdade, inclusive da "verdade das almas, sobretudo, quando delas recolhe, tão comumente, os mais íntimos segredos". Por fim, arrematou essa bela página sobre nós:

"Ninguém, talvez afora o sacerdote, conhece melhor que o advogado a alma humana sob os mais variados aspectos, os mais dramáticos, os mais dolorosos, os mais viciosos, por vezes, mas também, frequentemente, os melhores".

Os advogados são solidários na elevada missão de postular em nome alheio, em prol da liberdade, do patrimônio, da família, dos direitos individuais contidos na Constituição, enfim, a favor dos valores inerentes à sociedade democrática.

Quem, além de nós mesmos, para entender o significado de sermos os depositários das angústias e ansiedades daqueles que em nós confiam? O peso das responsabilidades que recaem sobre os advogados só é medido e sentido pelos próprios advogados.

Desde os primórdios da humanidade, antes mesmo de o Estado ser organizado como tal, nós já emprestávamos as nossas vozes para falar em nome de quem não possuía nem voz nem vez. Posteriormente, passamos a ser o elo entre o povo e o Poder Judiciário. Somadas à nossa voz, sempre estiveram presentes a nossa coragem e a nossa inteligência.

Quem, fora o advogado, para entender a indignação de um outro advogado em face de uma situação iníqua ou de uma injustiça ou de um abuso e, em tais situações, verberá-las em alto e bom som?

A vocação de agirmos como verdadeiros Quixotes é uma característica comum a todos os advogados. Inquietos, rebeldes, agitados, inconformados a ponto de investirmos contra moinhos, não os de vento, mas os reais, pois eles trazem efetivos riscos.

Desprezamos todas as formas de maniqueísmo. Temos do homem uma visão complacente, compreensiva e solidária. Conhecemos a alma humana como poucos a conhecem. As grandezas e as misérias humanas são por nós assimiladas, o que nos possibilita produzir a defesa de quem de nós necessita, sem julgar sua conduta. Somos defensores, e não juízes.

Cada advogado tem plena consciência de não ser detentor da verdade. No exercício de sua atividade processual, ele sabe que a verdade é posta com a inicial, modificada pela contestação, confirmada ou não pela instrução, declarada pela sentença e fixada apenas após o trânsito em julgado.

Nós respiramos os ares da liberdade e da democracia. Sem eles, os advogados se sentem sufocados, e a advocacia corre riscos de perecimento. Em face dessa ausência, só nos resta advogar para que a liberdade e a democracia, que foram subtraídas da sociedade, sejam restabelecidas. A vigência plena dos postulados e princípios democráticos é condição inafastável para o exercício da advocacia.

Não é outra a razão de haver uma absoluta incompatibilidade entre a advocacia e o autoritarismo. Os autoritários não nutrem nenhuma simpatia pelos advogados, sendo o inverso também verdadeiro. Rui Barbosa afirmou que os governos arbitrários não se acomodam à autonomia da toga nem à independência da advocacia. Com as devidas vênias a Rui, a toga pode não ser do agrado do tirano, mas, por vezes, ela se adapta à tirania. Já a advocacia não. Desagrada ao déspota porque sempre o combate, jamais com ele se compraz.

Não se esqueça que o compromisso assumido por todos os advogados é com a dignidade do homem e com a sua evolução moral e cultural. Nosso cotidiano é uma permanente manifestação de fé no homem e em suas potencialidades. O nosso compromisso é com o humanismo.

Nesse exato sentido, ontem, como hoje e como no porvir, os advogados sentem-se obrigados a verberar qualquer discurso autoritário, desagregador, faccioso, discriminatório, intolerante, homofóbico ou que estimule a desarmonia social.

Sempre e especialmente agora, voltamos a ocupar as vanguardas da resistência, para com coragem - "A advocacia não é profissão de covardes" (Sobral Pinto) - darmos o nosso brado de alerta, com a finalidade de despertar consciências, retirar a sociedade da letargia e suscitar indignação e solidariedade, em torno dos ideais humanistas, com o objetivo de criarmos um país pacífico, menos desigual, mais culto, enfim, um país melhor.

A sociedade deve saber que continuaremos a ser incansáveis lutadores, incorrigíveis sonhadores e eternos Quixotes.

Assim somos nós, assim é Walter Ceneviva. 

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tO artigo foi publicado na Revista do Advogado, da AASP, ano XXXX, nº 145, de abril de 2020.










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*Antônio Claudio Mariz de Oliveira foi presidente da AASP no biênio 1983-1984. Presidente da OAB-SP nos biênios 1987-1988 e 1989-1990. Vice-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo no biênio 1985-1986. Secretário da Justiça de São Paulo de janeiro a março de 1990. Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo no período de março de 1990 a março de 1991. Advogado da Advocacia Mariz de Oliveira.

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