1 Origem
Na antiguidade, a família era, em geral, constituí- da por meio de celebrações religiosas ou por meio de simples convivência, conhecida como casa-mento de fato.
No Direito romano, a mulher passava a integrar a família de seu marido, pela conventio in manum, sujeitando-se à manus, que era o poder marital, por uma das seguintes formas de constituição familiar: a) pela confarreatio, que consistia em uma cerimônia religiosa, reservada ao patriciado, com excessivas formalidades, com a oferta a Júpiter de um pão de farinha (panis farreum), que os nubentes comiam juntos, realizada perante dez testemunhas e perante o Sacerdote de Júpiter (flamen Dialis); b) pela coemptio, casamento privativo dos plebeus, que implicava a venda simbólica da mulher ao marido, assemelhando-se, pela forma, à mancipatio; e c) pelo usus, que era o casamento pela convivência ininterrupta do homem e da mulher, por um ano, em estado possessório, que, automaticamente, fazia nascer o poder marital, a não ser que, em cada período de um ano, a mulher passasse três noites fora do lar conjugal (trinoctii usurpatio).
Além dessas formas de casamento, existiu o concubinato, em Roma, regulamentado, de modo indireto, à época do imperador Augusto, pela Lex Iulia et Papia Poppaea de maritandis ordinibus. Embora tendo reprovado o concubinato, como forma de constituição de família, a Igreja Católica tolerou-o, quando não se cuidasse de união comprometedora do casamento ou quando incestuosa, até sua proibição pelo Concílio de Trento em 1563.
Ressalte-se, em verdade, que a existência do casamento, nos moldes de antigamente, sem os formalismos exagerados de hoje, não possibilitava, praticamente, a formação familiar sob o modo concubinário.
Realmente, bastava que um homem convivesse com uma mulher, por algum tempo, como se casados, com ou sem celebração religiosa, para que se considerassem sob casamento. Isso, porque, nessa época, o concubinato puro, não adulterino nem incestuoso, que foi utilizado até adotar, hoje, o nome de união estável, como modo de constituição de família, era o casamento de fato, provado por escritura pública ou por duas testemunhas.
Esse casamento de fato, que, sob a singela forma de convivência no lar, selava a união dos cônjuges, sob o pálio do direito natural.
O concubinato, portanto, existia somente adulterino, como concorrente e paralelamente ao casamento, de modo excepcional e desabonador da família.
Em matéria de casamento, no Brasil, vigoravam as regras religiosas do Direito Canônico. Todavia, desrespeitando essa lei natural e simples de convivência, entendeu o legislador de criar formalismos ao casamento, concebendo-o de modo artificial, na lei, quando, em verdade, ele é um fato social, que a legislação deve regular somente no tocante a seus efeitos, para impedir violações de direitos.
Assim, editou-se no Brasil o decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, que secularizou o casamento. A partir dele, o formalismo tomou conta da legislação brasileira, em matéria de casamento, reeditando-se o sistema no Código Civil (CC). Com isso, deixou o Estado brasileiro não só de considerar o casamento de fato (por mera convivência duradoura dos cônjuges), bem como o casamento religioso, que, por si só, sem o posterior registro, era, e é, considerado concubinato puro, hoje, união estável. Não tem ele existência autônoma, independentemente, como antes desse decreto de 1890.
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*Álvaro Villaça Azevedo é doutor em Direito, professor titular de Direito Civil e ex-diretor da FDUSP. Ex-diretor e ex-professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Ex-professor de Direito Romano e ex-diretor da Faculdade de Direito da FAAP. Portador do Colar do Mérito Judiciário outorgado pelo TJSP. Ex-conselheiro federal e estadual da OAB-São Paulo. Advogado, parecerista e consultor jurídico.