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ADPF das Favelas: STF vê avanços, mas cobra ações contra letalidade policial

Corte entendeu pelo encerramento do estado de coisas inconstitucional na unidade federativa.

3/4/2025

Nesta quinta-feira, 3, em sessão plenária, o STF declarou encerrado o estado de coisas inconstitucional no Estado do Rio de Janeiro, no contexto do julgamento da "ADPF das Favelas", que discute a letalidade das operações policiais na unidade federativa.

A Corte reconheceu que houve avanços nas políticas adotadas pelo governo estadual, mas ressaltou que ainda há diversas medidas que precisam ser efetivamente implementadas.

Veja resumo das medidas ordenadas pelo STF:

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Caso

O Supremo julgou ação apresentada em 2019 pelo PSB pleiteando que o Estado do RJ apresentasse plano de redução de letalidade policial. À época, o partido questionava a política de segurança pública adotada pelo então governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro. Segundo a legenda, a política adotada estimulou o conflito armado e expôs "os moradores de áreas conflagradas a profundas violações de direitos fundamentais". 

Decisão "per curiam"

Na tarde desta quinta-feira, 3, ministro Edson Fachin relatou brevemente o trâmite da ação e explicou o entendimento da Corte, que chegou a uma decisão "per curiam" - ou seja,  proferida em nome do STF como um todo, sem atribuição expressa a um ministro. Posteriormente, o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, leu os itens da decisão.

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Os ministros reconheceram que o Estado do Rio de Janeiro comprometeu-se significativamente com a redução da letalidade policial e, nesse sentido, o STF determinou novas providências estruturais. Constitucionalidade da política de segurança e papel do STF.

Segundo o Supremo, o objetivo da ADPF não é fazer juízo sobre a atuação individual de policiais ou desvalorizar o trabalho das corporações, mas assegurar que o aparato institucional da segurança pública no Rio esteja conforme a CF e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Reafirmou que a proteção dos direitos humanos e a construção de políticas de segurança não são antagônicas.

Reconhecimento de compromissos e medidas adotadas

A Corte destacou os avanços desde a instauração da ação, há mais de cinco anos, como a instalação de câmeras nos uniformes policiais e o protocolo de comunicação prévia das operações.

Também ressaltou o acompanhamento do Ministério Público às ações. Para o ministro, tais medidas demonstram um "compromisso significativo" com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ainda que a política de redução da letalidade esteja "longe do ideal constitucional".

Diante disso, o STF considerou que não é mais cabível a declaração de um "Estado de Coisas Inconstitucional" na política de segurança fluminense, mas que ainda há providências estruturais essenciais a serem implementadas.

Veja a prolação completa da decisão:

Transparência, controle externo e uso da força

O Supremo determinou que o Estado do Rio de Janeiro adote medidas para aprimorar a coleta e a divulgação de dados sobre letalidade policial. A Corte destacou a necessidade de criação de indicadores específicos sobre uso excessivo da força e vitimização de civis, inclusive em confrontos com autoria indeterminada.

Esses dados devem ser amplamente publicizados de forma desagregada, com informações sobre a corporação e a unidade envolvidas, se o agente estava em serviço e se a morte ocorreu no contexto de operação policial. Todos os registros deverão ser georreferenciados e compartilhados com o Ministério Público.

O STF também reforçou que o controle judicial das ações policiais é posterior à ocorrência, cabendo às forças de segurança, no momento da operação, decidir sobre o uso proporcional de armamento e outros recursos.

O Estado deverá regulamentar, no prazo de 180 dias, a presença obrigatória de ambulâncias em operações planejadas com risco de confronto armado. A exigência não se aplica a operações emergenciais, e a ausência de ambulância não impedirá a ação, desde que se presuma a boa-fé da autoridade.

A Corte determinou a aplicação da lei 13.060/14, substituindo o critério da excepcionalidade usado durante a pandemia. O uso da força deverá ser proporcional, justificado e planejado previamente, com controle posterior por parte das autoridades competentes.

Ademais, reafirmou que o Ministério Público deve ter acesso irrestrito a imagens, relatórios e demais dados produzidos durante e após as operações, para apurar a legalidade das ações policiais.

Investigação de mortes e perícia

Em alinhamento com a jurisprudência do STF e com protocolos internacionais de direitos humanos, foi determinado que o Estado adote medidas para garantir a efetiva proteção do local dos fatos e a preservação das evidências sempre que houver mortes decorrentes de ações policiais.

A Corte destacou a relevância da perícia técnica, que deve atuar com autonomia, contando com garantias mínimas de segurança e condições adequadas de funcionamento.

O STF também reafirmou a atribuição do Ministério Público para conduzir investigações em casos de suspeita de crime doloso contra a vida praticado por agentes de segurança pública. Nesses casos, o local da ocorrência deverá ser preservado até a chegada da autoridade competente, e a comunicação às corregedorias e ao Ministério Público deve ser imediata.

Deverão ser ouvidas testemunhas e familiares das vítimas, com prioridade para casos que envolvam crianças e adolescentes. Haverá promotores de plantão para tais situações.

Foi determinado ainda que o Estado do Rio de Janeiro edite norma prevendo o afastamento temporário dos policiais envolvidos em mortes durante operações, medida que deverá ser avaliada por profissional de saúde mental da própria corporação.

Além disso, os laudos periciais deverão ser concluídos no prazo máximo de 10 dias, enquanto as corregedorias terão até 60 dias para finalizar a apuração dos fatos — prazo esse que poderá ser prorrogado por igual período, se necessário.

Câmeras policiais

O Estado do Rio de Janeiro deverá comprovar, em até 180 dias, a instalação de câmeras nas viaturas da PM e da Polícia Civil e nas fardas de policiais civis em operações ostensivas. As atividades investigativas sigilosas ficam excluídas dessa exigência. A medida visa assegurar maior controle e transparência nas ações policiais.

Buscas domiciliares 

O Supremo decidiu manter a jurisprudência firmada no julgamento do Tema 280 da repercussão geral, segundo a qual a legalidade das buscas domiciliares deve ser analisada caso a caso, mediante controle judicial posterior.

As diligências deverão ocorrer, preferencialmente, durante o dia, salvo em situações de flagrante delito. Nessas ocasiões, será obrigatória a lavratura de auto circunstanciado, com justificativa detalhada para a entrada no domicílio.

A Corte também estabeleceu limites para o ingresso de forças de segurança em instituições sensíveis: a entrada em escolas, hospitais e postos de saúde somente será admitida em casos de extrema necessidade, devidamente fundamentados.

Atuação Federal e recuperação territorial

A Polícia Federal deve instaurar inquéritos para investigar crimes de repercussão interestadual ou internacional, com ênfase nos casos envolvendo organizações criminosas e graves violações de direitos humanos. A União deverá garantir os recursos necessários para estruturar uma força-tarefa federal no Estado do Rio de Janeiro.

Paralelamente, o Estado do Rio deverá elaborar um plano de recuperação territorial voltado para áreas sob domínio de facções ou milícias. O plano deve priorizar ações de urbanismo social, garantir a presença permanente do poder público e ampliar políticas públicas voltadas à juventude, bem como serviços básicos essenciais.

A Corte também estabeleceu que Estado e municípios apresentem, em conjunto, um plano de reocupação dessas regiões, com cronograma definido, investimentos coordenados e a instalação efetiva de equipamentos públicos. O financiamento será compartilhado pelas três esferas de governo, incluindo recursos oriundos de emendas parlamentares.

Preservação de vestígios

As forças de segurança deverão preservar todos os vestígios dos crimes. Provas devem ser documentadas com fotografias e armazenadas em sistema eletrônico seguro. O objetivo é evitar a remoção indevida de corpos ou descarte de provas sob o pretexto de prestação de socorro.

Saúde Mental de Policiais

Em até 180 dias, o Estado deverá implementar um Programa de Assistência à Saúde Mental dos policiais.

O atendimento psicossocial será obrigatório após incidentes críticos, e haverá mecanismos para avaliar o afastamento preventivo de agentes com histórico de letalidade excessiva.

Fiscalização e Relatórios

O Conselho Nacional do Ministério Público deverá publicar relatórios semestrais sobre o exercício do controle externo da atividade policial. As perícias deverão ser documentadas com fotografias, croquis e laudos armazenados de forma segura.

Monitoramento e grupo de trabalho

Foi criado um grupo de trabalho, sob coordenação do CNMP e presidido pelo Procurador-Geral da República, com caráter consultivo e participação da sociedade civil. O grupo deverá realizar reuniões públicas semestrais e produzir relatórios técnicos periódicos sobre os indicadores de letalidade policial. O prazo inicial de acompanhamento será de dois anos.

Papel da Polícia Federal

A Polícia Federal deverá instaurar inquéritos sobre crimes com repercussão interestadual, conexões com agentes públicos e graves violações de direitos humanos. Haverá equipe com dedicação exclusiva e reforço orçamentário para essa atuação, podendo atuar em conjunto com forças estaduais.

Controle de armas e munições

O STF determinou que o Governo Federal e o Estado do Rio adotem medidas para aprimorar o controle de armas e munições, como a integração de sistemas de rastreabilidade, adesão ao sistema de análise balística, cadastro de armas das polícias e padronização da marcação.

Financiamento e Cooperação Federativa

Foi autorizada a transferência direta de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública aos estados, desde que sejam apresentados e aprovados planos de segurança com metas, contrapartidas e mecanismos de fiscalização definidos.

Pedidos Indeferidos

Foram indeferidos pedidos como a proibição do uso de helicópteros como plataforma de tiro, a exigência de detalhamento mais específico nos mandados de busca e apreensão, e a suspensão do sigilo sobre manuais operacionais da polícia. 

Tramitação

Em junho de 2020, o relator, ministro Edson Fachin, determinou a suspensão de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, durante a pandemia, salvo em casos absolutamente excepcionais, que deveriam ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente e comunicadas ao MP/RJ.

A decisão monocrática de Fachin foi confirmada pelo plenário do STF em agosto de 2020. 

Em dezembro de 2021, o plenário começou a julgar embargos contra a referida decisão. Ministro Edson Fachin e Alexandre de Moraes propuseram medidas para reduzir a letalidade policial. A diferença dos votos se deu na extensão das medidas - Alexandre de Moraes não referendou algumas propostas do relator. 

Em fevereiro 2022, os ministros confirmaram diversas medidas propostas por Edson Fachin, tais como (i) plano feito pelo Estado do RJ, em 90 dias, para a redução da letalidade policial; (ii) criação do Observatório Judicial sobre Polícia Cidadã e (iii) prioridade nas investigações de incidentes que tenham como vítimas crianças e adolescentes.  

Em dezembro daquele ano, Fachin determinou que o Estado do RJ apresentasse cronograma para instalação de câmeras em fardas e viaturas dos batalhões especiais das polícias (Bope e Core) e nas unidades policiais das áreas com maior índice de letalidade policial. 

Em maio de 2023, os embargos foram para plenário virtual. Naquela ocasião, Fachin proferiu voto em 11 determinações. Dentre elas:

A investigação das alegações de descumprimento da decisão do STF, no sentido de se limitar a realização de operações policiais, deve ser feita pelo MPF e não pelo MP do Estado.

À época, o debate foi interrompido por pedido de vista de Moraes. 

Vale lembrar que, no interregno, ocorreu a operação policial na Favela do Jacarezinho, que resultou em 28 mortes. 

Em 2024, Fachin, visitou o MP/RJ para analisar a atuação do órgão em políticas públicas de segurança e discutir o cumprimento das decisões da ADPF.

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