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CNJ vê intimidação de juiz a advogadas em audiência; caso vai a TAC

Decisão foi motivada por declarações ofensivas do magistrado a advogadas durante audiência em ação classificada por ele como demanda predatória.

26/3/2025

Nesta terça-feira, 25, o CNJ julgou procedente, por maioria, uma revisão disciplinar contra um juiz do TJ/SP, em razão da conduta adotada durante audiência de processo classificado por ele como demanda predatória. O magistrado foi acusado de utilizar linguagem inadequada e postura intimidatória em relação ao autor da ação e suas advogadas. O Conselho determinou o envio dos autos à Corregedoria Nacional de Justiça para avaliar a possibilidade de celebração de TAC - Termo de Ajustamento de Conduta.

O caso teve origem em uma ação declaratória ajuizada por um cidadão representado por sua advogada contra um banco. O magistrado extinguiu a ação de plano, alegando tratar-se de “demanda predatória” com base em alegações de distribuição em massa de ações semelhantes por parte da advogada.

O TJ/SP, no entanto, anulou essa decisão e determinou o retorno do processo à primeira instância.

Durante a nova tramitação, o juiz designou audiência para depoimento pessoal do autor, estabelecendo que ele comparecesse presencialmente, mas restringindo a participação das advogadas ao formato remoto, o que foi interpretado como tentativa de distanciamento entre cliente e defesa técnica.

Segundo o voto do conselheiro Ulisses Rabaneda, na audiência o magistrado utilizou expressões ofensivas e intimidatórias, como “mentirosa”, “não venha se fazer de santa”, “vocês ficam procurando idosos” e “ninguém tem cara de palhaço aqui não”.

Após o depoimento, o juiz julgou improcedente o pedido e determinou envio de comunicação à OAB, instauração de inquérito policial e aplicação de multa.

Posteriormente, o TJ/SP voltou a anular a decisão do juiz e, na terceira sentença proferida no caso, novamente houve improcedência. No julgamento de apelação, o Tribunal reformou a sentença e reconheceu a procedência da ação.

Plenário do CNJ durante a sessão de ontem.(Imagem: Pedro França/Agência CNJ)

O conselheiro Ulisses Rabaneda apontou que as expressões utilizadas pelo magistrado, em um caso cujo desfecho confirmou o direito do autor, demonstraram conduta incompatível com a função judicial. Destacou ainda a proteção conferida pelo Estatuto da Advocacia, que exige tratamento respeitoso entre magistrados e advogados.

Em seu voto, entendeu ser necessário permitir que a Corregedoria Nacional avalie a possibilidade de celebração de TAC com o juiz envolvido.

A divergência foi acompanhada por diversos conselheiros. O conselheiro Rodrigo Badaró afirmou que o episódio não pode ser relativizado, considerando a gravidade das expressões e a necessidade de o CNJ dar uma resposta institucional, ainda que não punitiva.

O conselheiro Marcello Terto enfatizou que ações repetitivas não são ilícitas por si só e que a litigância em massa decorre, em muitos casos, da violação sistemática de direitos por entes privados ou públicos. Para ele, o juiz ultrapassou os limites da urbanidade e respeito, especialmente ao separar o autor de seus advogados e impedir o contraditório.

O presidente do CNJ e os conselheiros Mauro Martins, Daiane de Lira, Guilherme Caputo Bastos, Alexandre Berzosa Saliba, Daniela Madeira e Renata Gil também seguiram a divergência, destacando a importância de reafirmar valores como serenidade, urbanidade e respeito mútuo nas audiências judiciais.

O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, reforçou que o objetivo não é punir o magistrado, mas promover uma reflexão institucional sobre a conduta esperada de todos os atores do sistema de Justiça.

Já o conselheiro Pablo Coutinho Barreto, relator vencido, defendeu a manutenção do arquivamento com base na apuração anterior do TJ/SP, que considerou o fato isolado e obteve do juiz compromisso de melhoria de conduta.

Para ele, não haveria teratologia ou ilegalidade flagrante que justificasse a revisão da decisão anterior. Argumento semelhante foi trazido pelos conselheiros João Paulo Schoucair e Guilherme Feliciano.

Com a proclamação do resultado, caberá à Corregedoria Nacional avaliar a possibilidade de firmar TAC com o magistrado, medida que não tem natureza punitiva, mas visa prevenir a reincidência e promover a melhoria da conduta funcional.

"Respeito mútuo"

O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, elogiou a decisão do CNJ e ressaltou a importância da atuação respeitosa entre os integrantes do Sistema de Justiça.

"A atuação da advocacia não pode ser alvo de ofensas, intimidações ou constrangimentos por parte de qualquer autoridade. O respeito mútuo entre magistrados e advogados é um princípio fundamental. O CNJ reafirma esse compromisso institucional com a dignidade da advocacia e a garantia dos direitos dos cidadãos”, declarou.

Leonardo Sica, presidente da OAB/SP, destacou a atuação da seccional no caso. “A OAB/SP cumpre seu papel de maneira atenta e incansável na defesa das prerrogativas da advocacia, reafirmando o dever da entidade de defender os direitos da classe.”

Confira a decisão.

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