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Golpe do Pix e golpe do falso advogado

É alarmante o número de golpes que vêm sendo praticados com a utilização de dados sigilosos de jurisdicionados e clientes de bancos. É urgente que algo seja feito para se combater esta chaga social.

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Atualizado às 11:15

1. O que são?

Golpe do pix

Normalmente, o golpe do pix, consiste na criação de uma página na internet falsa de uma instituição bancária, entrar em contato com um cliente "qualquer" 1 e, falando supostamente em nome do banco, pedir a este uma série de dados com os quais os estelionatários, de forma extremamente sofisticada, conseguem criar chaves-pix para a conta da vítima e subtrair destas, muitas vezes, as economias de uma vida.

Golpe do falso advogado

Este, por seu turno, consiste em se rastrear clientes, normalmente de advogados de destaque, que têm processos no Poder Judiciário, informar, com um número de processo que realmente existe, que há dinheiro a receber. Detalhe a mensagem é enviada via WhatsApp, com uma conta fantasma, com uma foto do advogado que fora sacada de uma rede social sua.

Quando a conversa é instaurada e o cliente acredita estar falando com seu advogado, normalmente ele faz um pix referente ao pagamento de custas processuais para a liberação da guia.

2. Introdução

Infelizmente, este e demais golpes, têm sido uma verdadeira chaga em nosso ambiente jurídico-econômico.

Golpes do pix, golpes do falso advogado, golpe da falsa entrevista de emprego, golpe do falso leilão.

A confiança das pessoas, umas nas outras, e também da sociedade no Judiciário e seus atores, fica completamente abalada quando criminosos sentem-se à vontade para usar o nome de advogados e juízes para perpetrar seus golpes.

Quando falamos em perda de confiança, estamos falando, em termos práticos, que atos de comércio deixam de ser praticados em razão das pessoas terem receio de ser passadas para trás. Estamos falando de dinheiro, da roda da economia girando.

Muito se fala na perda de confiança que há do investidor externo no Brasil. Há que se falar, talvez até com mais veemência, da perda de confiança do investidor interno, isto é, milhões de brasileiros, em nosso país.

Pessoas que simplesmente deixam de praticar atos e negócios jurídicos com medo de serem fisgados por golpistas que sabem que, como regra geral, as consequências jurídicas dos mal que praticam, contra suas pessoas, serão nulas.

(Sejamos francos, quantos de vocês, amigos leitores (e, presumivelmente, a maior parte de vocês aqui são advogados) viram um estelionatário cumprir pena, em regime fechado, isto é, na cadeia, por conta de sua conduta criminosa?).

Daria uma ótima tese de doutoramento e investigação científica calcularmos quantos milhões, ou bilhões, de reais o país perde por conta deste clima de desconfiança que todos tem contra todos em nossa sociedade. Seria um trabalho hercúleo para o qual, (in)felizmente, não temos tempo.

3. Uma verdade inconveniente - Os inimigos internos

Aqui temos que falar sobre algo inconveniente. Informações privilegiadas e sigilosas estão sendo passadas por funcionários, ora dos bancos, ora do Poder Judiciário, ora da própria Ordem dos Advogados do Brasil para os golpistas.

Data máxima vênia, é difícil acreditar que a ORCRIM2 que aplica esse tipo de trampa dedique-se a pesquisar, processo a processo, o nome de mais 450.000 advogados ativos só no Estado de São Paulo para, em meio a este imenso palheiro, pescar aqueles que tornariam plausíveis um golpe.

Para isso seria necessário ou uma inteligência artificial muito sofisticada, o que ainda não existe, ou então milhares, dezenas de milhares de profissionais trabalhando para este fim.

Percebamos que os clientes procurados de fato têm, na Justiça, processos vultosos e é sobre esses feitos que se reportam os criminosos em mensagens de texto. Recentemente uma cliente do nosso escritório fora abordada, sobre o fato de uma guia de levantamento de R$ 328.514,94 (trezentos e vinte e oito mil e quinhentos e quatorze reais e noventa e quatro centavos).

É impressionante a exatidão, tanto do valor do MLE3, quanto do número do processo, quanto dos dados nossos e de nosso escritório. Se o cliente, antes de cair no golpe, checar no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo as informações, descobrirá que as mesmas são 100% fidedignas, o que dá legitimidade à trapaça que se planeja contra sua pessoa.

Nos custa a crer que não existam funcionários, seja dos ofícios judiciais, seja de empresas que fazem o serviço de recortes, como a AASP4, ou da própria Ordem dos Advogados do Brasil.

Urge que casos assim, quando aconteçam, sejam investigados.

Da mesma forma que a modalidade de assalto conhecida por "saidinha de banco", comum há mais de uma década, quando correntistas eram assaltados após sacarem valores elevados de suas contas bancárias, muitas vezes contava com a participação de funcionários das agências que passavam os dados, do cliente, e o valor sacado a criminosos.

Sabemos que é desagradável pedirmos que OAB/AASP e Tribunais de Justiça investiguem seus funcionários, mas de nada adianta, em nome de um suposto respeito institucional, fingirmos que o problema não existe e ignorá-lo.

Infelizmente essa conduta tem sido adotada e só contribui para que, cada vez mais, tanto os tribunais quanto os advogados tenham sua imagem manchada junto à sociedade. Enfiar a cabeça num buraco, tal e qual um avestruz, não fará com que o problema desapareça.

4. Quando o problema bate às portas da Justiça

Felizmente para as vítimas, os tribunais, em especial o TJ/SP, tem entendido, com fundamento na súmula 4795 do STJ que os bancos respondem solidariamente pelos danos causados aos clientes, mormente quando verificada a desídia da instituição e/ou a ausência de culpa exclusiva da vítima.

Em diversos casos pesquisados para os fins deste artigo, selecionamos um (1008700-18.2024.8.26.0127) onde a Colenda 14ª Câmara de Direito Privado do egrégio TJ/SP, decidira que, a depender do grau de atipicidade da fraude cometida e dos valores transferidos, cabe, até mesmo, a devolução em dobro dos valores, nos termos do art. 42 do CDC:

"APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA C.C. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMOS QUE O AUTOR AFIRMA DESCONHECER. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR PARA MAJORAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACOLHIMENTO E REPETIÇÃO EM DOBRO. DANOS MORAIS ARBITRADOS EM R$ 5.000,00. CABIMENTO DA DEVOLUÇÃO EM DOBRO, NOS TERMOS DO TEMA 929, DO STJ. APELO DO BANCO. DEVIDAMENTE INTIMADO, RECOLHEU O PREPARO RECURSAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. RÉU QUE NÃO SE DESINCUMBIU DE PROVAR A REGULARIDADE DE SEIS EMPRÉSTIMOS ACOMPANHADOS DE TRINTA E NOVE TRANSFERÊNCIAS EM UM ÚNICO DIA. FRAUDE CONFIGURADA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO DO AUTOR PROVIDO EM PARTE, NÃO CONHECIDO O DO RÉU (...)

O E. Superior Tribunal de Justiça decidiu que a devolução em dobro prevista pelo art. 42, § único do CDC não exige a prova de dolo ou má-fé, e tão somente a simples cobrança da quantia indevida, salvo hipótese de engano justificável (Tema 929). Na oportunidade, ficou instituída a modulação dos efeitos da decisão, qual seja: a solução adotada apenas se aplica a cobranças efetuadas após a data da publicação do indigitado acórdão: 30/3/2021. Na hipótese, conclui-se que o contrato em comento foi firmado e em 23/10/23 (fls. 25/50), dessa forma, deve se aplicar o entendimento que atual a respeito da matéria, isto é, a repetição em dobro pois não prescinde da comprovação da má-fé do prestador do serviço. Ademais, considerando a falta de cautela do banco no ato da contratação, a recalcitrância na resolução da questão, leva a crer que não se tratou de engano justificável, o qual poderia afastar a devolução em dobro."

5. Conclusões gerais deste ensaio

Assim, temos que se por um lado é certo que em grande parte dos casos os correntistas são indenizados pelos danos que sofrem, por outro lado não é razoável sequer que casos assim existam.

Fosse um ou outro seria tolerável. O problema é que basta uma consulta rápida ao site do TJ/SP (e também de outras unidades da federação) para constatarmos que temos dezenas de milhares, quiçá centenas de milhares de casos análogos.

Com efeito, não é aceitável que criminosos sintam-se à vontade para usar o nome de advogados, magistrados e instituições financeiras (pessoas/entidades que vivem basicamente da confiança, da fidúcia que a sociedade lhes deposita) para praticar seus crimes.

Urge que estas práticas sejam, sem corporativismos de espécie alguma, sejam seriamente investigadas sob pena de um aprofundamento da crise ético-moral-institucional-econômica que vive o país.

Não é o momento de tergiversar.

__________

1 Adiante abordaremos que o cliente não é escolhido de forma tão aleatória quanto se imagina.

2 Parece que o termo quadrilha caiu em desuso, sendo substituído por Organização Criminosa (ORCRIM).

3 Mandado de Levantamento Eletrônico.

4 Associação dos Advogados de São Paulo.

5 Súmula 479 do STJ - "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias."

Paulo Antonio Papini

VIP Paulo Antonio Papini

Advogado em São Paulo. Mestre e Doutorando pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado em Processo Civil. Especialista em Direito Imobiliário. Professor na ESA/UNIARARAS e ESD-Campinas.

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