A 6ª turma do STJ rejeitou a alegação de nulidade da audiência polêmica do caso Mariana Ferrer e manteve a absolvição do empresário André de Camargo Aranha por crime sexual, conforme decidido pelas instâncias ordinárias. Por unanimidade, o colegiado destacou a inexistência de nulidade processual e afirmou ser inviável o reexame das provas no âmbito do recurso especial.
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O caso
Na ação, Mariana Ferrer acusava o empresário André de Camargo Aranha de tê-la dopado em 2018 durante uma festa na boate em que ela atuava como promoter, em Florianópolis, e depois de ter tirado sua virgindade enquanto ela estava vulnerável, sem capacidade de resistir.
Em 2019, o empresário foi denunciado por estupro de vulnerável e o juízo de 1º grau decretou sua prisão, que foi revogada pelo TJ/SC. O segundo promotor do caso entendeu que não foi possível comprovar o estado da jovem. O homem foi absolvido.
Em novembro de 2020, audiência em que foi realizada oitiva da vítima causou revolta na comunidade jurídica. Em vídeo, divulgado pelo The Intercept, o advogado que representava o empresário foi ríspido. Em uma das falas, disse que ela estava "dando showzinho".
"Peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você. E não dá para dar o teu showzinho, teu showzinho você vai lá dar no Instagram depois para ganhar mais seguidores."
Na audiência, a promoter se mostra abalada e, chorando, "implora" ao magistrado por respeito.
"Eu gostaria de respeito, doutor, excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma que eu estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente."
Relembre:
Conduta do magistrado
Em maio de 2023, o Conselho abriu PAD contra o magistrado e destacou que toda a questão envolvendo a audiência demonstrou falha sistêmica, que envolveu não apenas o juiz, mas também o Ministério Público e o advogado do acusado.
Em novembro do mesmo ano, o plenário do CNJ decidiu aplicar pena de advertência ao juiz Rudson Marcos, do TJ/SC, pela condução da audiência de instrução do caso. A pena de advertência foi proposta pela relatora do caso, Salise Sanchotene, ao considerar que não houve dúvidas da falta funcional por parte do magistrado.
Nulidade
Durante julgamento no STJ, a defesa de Mariana Ferrer pediu a nulidade da audiência em que a assistente de acusação foi humilhada durante seu depoimento. O advogado sustentou que a nulidade foi suscitada desde a apelação e reforçada em embargos de declaração, destacando o abalo psicológico sofrido pela vítima.
A defesa citou frases ofensivas do advogado do réu, como a referência pejorativa ao “dedinho na boca”, argumentando que a hostilidade prejudicou a apresentação da versão dos fatos pela assistente. Segundo o advogado, o prejuízo é notório, uma vez que o TJ/SC usou o depoimento da vítima para absolver o acusado, desconsiderando o ambiente de humilhação.
Por fim, a defesa destacou as consequências do caso, como a criação da lei Mariana Ferrer e a punição do juiz responsável, pedindo a nulidade da audiência e, subsidiariamente, a concessão de habeas corpus de ofício pelo STJ.
A Subprocuradoria-Geral da República votou pela nulidade da audiência, ressaltando o desrespeito aos princípios fundamentais, e manifestou-se pelo provimento do recurso.
Segundo a defesa do empresário, a nulidade só foi suscitada em embargos de declaração, ou seja, extemporaneamente.
Voto do relator
Ao analisar o caso, o relator, ministro Sebastião Reis Jr., destacou que a defesa alegava violação ao art. 155 do Código de Processo Penal, mas a fundamentação foi considerada deficiente, atraindo a aplicação da Súmula 284 do STF. O ministro observou que a suposta nulidade da audiência não foi suscitada no momento processual adequado, caracterizando preclusão, conforme jurisprudência pacífica do STJ.
O relator também afastou a tese de que a vítima teria sido impedida de apresentar sua versão durante a audiência, argumentando que as questões suscitadas foram analisadas pelo tribunal de origem, não havendo omissão ou contradição na decisão questionada.
No mérito, o ministro ponderou que a palavra da vítima, embora relevante em crimes sexuais, não encontrou respaldo suficiente nos demais elementos probatórios apresentados, especialmente quanto ao suposto estado de vulnerabilidade da recorrente. Para o relator, a tentativa de reversão da decisão esbarraria na Súmula 7 do STJ, que impede o reexame de fatos e provas.
Diante dessas razões, o relator conheceu parcialmente do recurso e, na parte admitida, negou provimento, mantendo a absolvição do acusado.
Veja o voto:
Acompanhando o relator, o ministro Antonio Saldanha utilizou a expressão "nulidade de algibeira" para descrever a caso. O ministro afirmou que, após avaliação completa dos elementos do processo, considerou válida a decisão de absolvição.
Já o ministro Schietti manifestou-se no sentido de que nem mesmo a lei Mari Ferrer prevê como consequência a nulidade do ato processual. Além disso, afirmou que mesmo que houvesse nulidade, ela deveria ter sido alegada em momento oportuno para que pudesse ser verificado o impacto do ato na construção da prova.
Segundo o ministro Schietti, tanto a sentença quanto o acórdão fizeram uma análise vertical e detalhada dos elementos de prova, considerando, de maneira fundamentada, que a tese acusatória não está corroborada pelos demais elementos dos autos.
Os ministros acompanharam por unanimidade o voto do relator.
A advogada Dora Cavalcantti, do escritório Cavalcanti, Sion Advogados, atuou em favor do empresário.
- Proceso: REsp 2.123.048