Prostatectomia robótica: Benefícios clínicos e cobertura pelos planos de saúde
O artigo argumenta pela cobertura obrigatória da prostatectomia robótica, enfatizando benefícios clínicos comprovados e respaldo de órgãos internacionais como o NICE para justificar sua inclusão.
segunda-feira, 16 de dezembro de 2024
Atualizado às 11:35
O avanço da tecnologia médica, impulsionado pela integração de sistemas robóticos, inteligência artificial e técnicas minimamente invasivas, tem transformado os paradigmas de diagnóstico e tratamento, especialmente em áreas de alta complexidade, como a oncologia.
No contexto do câncer de próstata localizado, por exemplo, a prostatectomia radical laparoscópica assistida por robô - também chamada de prostatectomia robótica - surge como uma evolução tecnológica de grande impacto, unindo precisão cirúrgica à preservação funcional. Essa modalidade de cirurgia oferece benefícios significativos, incluindo redução de complicações perioperatórias, menor trauma tecidual e recuperação pós-operatória acelerada, respaldados por evidências crescentes de superioridade em desfechos funcionais.
Embora reconhecida internacionalmente como uma técnica cirúrgica inovadora e promissora, a incorporação desse procedimento no Brasil encontra barreiras econômicas e regulatórias.
A Conitec rejeitou a adoção do procedimento no SUS, com base em parecer emitido no início de 2018, no qual destacou o elevado custo de aquisição e manutenção do sistema robótico Da Vinci, aliado à inexistência de evidências robustas de superioridade oncológica em relação às técnicas convencionais, como a cirurgia aberta e laparoscópica.
A decisão da Conitec reflete uma visão restrita, centrada na eficácia oncológica isolada, ignorando o impacto multidimensional que a cirurgia robótica oferece ao paciente. Além disso, essa abordagem fragmentada desconsidera a crescente relevância atribuída às medidas de qualidade de vida na avaliação de tecnologias em saúde, especialmente em procedimentos que envolvem condições crônicas e de alta prevalência, como o câncer de próstata.
Estudos internacionais, como os avaliados pelo NICE, têm valorizado esses desfechos funcionais, reconhecendo-os como determinantes na escolha do tratamento mais apropriado, o que reforça a importância de uma reavaliação mais abrangente por parte dos órgãos reguladores brasileiros, especialmente no ambiente privado.
Isso porque a infraestrutura já existente no Brasil, especialmente em grandes centros urbanos, conta com hospitais e centros de referência equipados com tecnologia robótica avançada, como o Sistema Cirúrgico Da Vinci. Esses centros possuem equipes treinadas e processos consolidados para a realização de procedimentos minimamente invasivos, permitindo uma implementação mais imediata dessa tecnologia no setor suplementar.
Não se olvida, contudo, que o principal desafio reside em harmonizar o custo-benefício percebido com as diretrizes e os princípios estabelecidos pela legislação brasileira de saúde suplementar. Isso implica não apenas considerar os custos diretos da aquisição e manutenção dos equipamentos, mas também avaliar os benefícios a longo prazo, como a redução de complicações pós- operatórias, menor tempo de internação e o impacto positivo na qualidade de vida dos pacientes e o direito dos consumidores a um tratamento moderno e eficaz, em conformidade com as normas legais vigentes, como a lei 14.454/22.
Para se compreender a importância do debate, apenas no âmbito do TJ/SP encontram-se 811 acórdãos que tratam ou, ao menos, mencionam diretamente casos de prostatectomia robótica1.
Prostatectomia radical e cirurgia robótica
De acordo com as diretrizes diagnósticas e terapêuticas para adenocarcinoma de próstata (câncer de próstata), a prostatectomia radical é atualmente considerada o "padrão-ouro" no tratamento do câncer de próstata clinicamente localizado2.
Atualmente, a realização da prostatectomia pode ser feita por diferentes técnicas, incluindo:
- Abdominal aberta (laparotomia): Envolve uma grande incisão abaixo do umbigo até a região pélvica;
- Prostatectomia radical videolaparoscópica: Realizada por meio de pequenos cortes no abdômen, com a introdução de pinças e câmera, minimizando a necessidade de grandes incisões.;
- Prostatectomia radical laparoscópica assistida por robô (também chamada de robótica): Procedimento cirúrgico minimamente invasivo, realizado por videolaparoscopia, no qual as pinças cirúrgicas são acopladas a braços mecânicos de um robô. Este robô, por sua vez, é conectado a um console onde o cirurgião controla os movimentos com alta precisão, permitindo maior destreza.
A prostatectomia radical laparoscópica assistida por robô tem sido amplamente adotada em países como o Reino Unido e os Estados Unidos, sendo considerada uma modalidade promissora. Conforme o parecer 366 da Conitec3 esta técnica oferece possíveis benefícios documentados na literatura científica, incluindo:
- "Os possíveis benefícios do dispositivo, comparado à cirurgia aberta ou via laparoscopia, consistem basicamente na maior precisão cirúrgica com menor lesão periférica, menor sangramento e consequente recuperação mais acelerada.";
- "Os estudos sugerem que, comparada às técnicas cirúrgicas convencionais por via aberta ou laparoscópica, a prostatectomia radical laparoscópica assistida por robô oferece vantagem no menor volume de sangue perdido, na menor necessidade de transfusão sanguínea e no menor tempo de hospitalização relacionado ao procedimento cirúrgico. No entanto, são consideradas evidências de baixa qualidade.";
- "Quanto a desfechos como função sexual e continência urinária (controle urinário), foram encontradas evidências de moderada qualidade em favor da prostatectomia radical laparoscópica assistida por robô em relação à prostatectomia radical aberta ou laparoscópica."
Logo se vê que a prostatectomia radical laparoscópica assistida por robô representa uma evolução técnica significativa no tratamento do câncer de próstata clinicamente localizado, ao combinar os benefícios das técnicas minimamente invasivas com maior precisão cirúrgica e melhores desfechos funcionais.
Apesar de as evidências científicas disponíveis ainda serem classificadas como de qualidade moderada ou baixa, sobretudo por ser tecnologia relativamente recente, os resultados indicam vantagens importantes em aspectos como menor sangramento, menor necessidade de transfusões e tempo reduzido de internação. Ademais, os benefícios relacionados à preservação da continência urinária e da função sexual reforçam o potencial dessa abordagem em melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Análise da decisão da Conitec e o contexto internacional
No Brasil, a Conitec, órgão responsável por avaliar e incorporar tecnologias no sistema público de saúde e que, diante da lei 14.307/22, também termina produzindo efeitos práticos às operadoras de planos de saúde, analisou a possibilidade de adoção da prostatectomia radical laparoscópica assistida por robô pelo SUS, optando, inicialmente, por contraindicar sua implementação.
Apesar de reconhecer os potenciais benefícios da técnica, como a melhoria na qualidade de vida e a redução do tempo de internação, a Conitec destacou a falta de evidências que comprovassem superioridade nos desfechos oncológicos. Em outras palavras, apontou que não havia, até aquele momento, em 2018, dados que indicassem maior eficácia curativa desse procedimento em comparação às técnicas tradicionais, como a cirurgia aberta e a laparoscópica.
Além disso, a Conitec ressaltou o elevado custo de aquisição do sistema robótico Da Vinci, associado às despesas recorrentes de manutenção e à longa curva de aprendizado necessária para o uso adequado do equipamento. Embora esses aspectos sejam relevantes para a análise de viabilidade no sistema público, a abordagem adotada pela Conitec revela uma visão limitada, ao desconsiderar os desfechos relacionados à qualidade de vida dos pacientes, conforme exposto no relatório para a sociedade. Esses desfechos, como recuperação funcional mais rápida, redução do tempo de internação, melhores resultados em relação à continência urinária, preservação da função sexual e melhoria no bem-estar geral, são aspectos fundamentais no tratamento oncológico e deveriam ter sido incluídos na avaliação.
Essa lacuna analítica compromete a decisão, que se baseou exclusivamente na ausência de superioridade oncológica significativa e no elevado custo inicial, ignorando os benefícios funcionais e sociais amplamente reconhecidos na literatura científica e por órgãos internacionais de renome. É importante destacar que muitos dos estudos que embasaram o parecer da Conitec também são utilizados por instituições como o NICE - National Institute for Health and Care Excellence, no Reino Unido. O NICE, que é órgão de renome internacional, embora também reconheça que os desfechos oncológicos da cirurgia robótica são comparáveis aos das técnicas convencionais, valoriza os benefícios funcionais e a melhoria na qualidade de vida, elementos essenciais para a adoção da tecnologia em sistemas de saúde.
Adicionalmente, a decisão do NICE de incorporar a prostatectomia robótica ao sistema de saúde britânico, mesmo diante de desafios financeiros, demonstra a importância de considerar uma análise mais abrangente, que leve em conta o impacto global do procedimento na vida dos pacientes. Ao focar apenas nos custos iniciais e na eficácia oncológica, a Conitec negligenciou a possibilidade de promover avanços significativos na experiência e nos resultados dos pacientes com câncer de próstata. Essa visão estreita dificulta a adoção de tecnologias inovadoras no Brasil e reforça a necessidade de uma revisão nos critérios de avaliação utilizados pelo órgão.
Aspectos legais da cobertura da cirurgia de prostatectomia radical assistida por robô pelos planos de saúde
A lei 9656/98 foi alterada pela 14.454/22 e, desde então, houve o estabelecimento de um rol e procedimentos exemplificativo-condicionado ao preenchimento de critérios, superando a discussão de um "rol taxativo" e, agora, os tratamentos prescritos por médicos assistentes devem ser cobertos pelos planos de saúde desde que preenchidos critérios.
Prevê a lei:
"§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais."
A nosso sentir, é imprescindível discutir os motivos que justificam a cobertura da prostatectomia radical assistida por robô pelas operadoras de saúde, mesmo que essa tecnologia ainda não tenha sido incorporada pelo SUS. Trata-se de um procedimento oncológico já incluído no rol de cobertura obrigatória, conforme o anexo I da RN 465/21, sendo que a utilização do robô não altera o objetivo terapêutico da prostatectomia radical, mas representa uma alternativa tecnológica que oferece benefícios adicionais significativos.
Entre os benefícios estão a redução do tempo de internação, a menor ocorrência de complicações perioperatórias e a melhoria da qualidade de vida dos pacientes, aspectos que reforçam a superioridade funcional dessa abordagem em relação às técnicas convencionais. Considerando que as modalidades clássica e laparoscópica já estão previstas no rol, a abordagem laparoscópica assistida por robô deve ser entendida como uma evolução técnica dentro do mesmo propósito terapêutico, mantendo a essência do procedimento enquanto eleva os padrões de eficiência clínica e funcional.
Assim, sua cobertura pelas operadoras alinha-se à necessidade de promover avanços no cuidado oncológico, em conformidade com os princípios de acessibilidade e eficácia que regem a saúde suplementar, especialmente à luz da lei 14.454/22, posto que:
a) Comprovação de benefícios com evidências científicas (art. 13, Inciso I): Embora as evidências disponíveis sejam classificadas como de qualidade moderada a baixa, os estudos apontam benefícios significativos associados à abordagem robótica, como redução no tempo de internação, menor perda de sangue durante o procedimento e melhora na qualidade de vida dos pacientes. Esses benefícios incluem, entre outros, maior preservação da continência urinária e da função sexual, aspectos destacados nos pareceres da Conitec sobre o tema.
b) Há recomendação por órgão de renome internacional (art. 13, Inciso II): A tecnologia foi adotada pelo NICE - National Institute for Health and Care Excellence, no Reino Unido, um órgão de prestígio internacional que autorizou a utilização do robô na realização da prostatectomia em sua população.
Outros órgãos também corroboram as vantagens da cirurgia robótica. O ASERNIP-S - Agência Australiana de Avaliação e Segurança para Novas Intervenções Cirúrgicas, no Rapid Review Report 754 destacou benefícios como menor perda sanguínea, redução na necessidade de transfusões e menor tempo de hospitalização. Esses pontos são igualmente reconhecidos pelo CADTH - Agência Canadense de Avaliação de Tecnologias em Saúde, no Canadá, e pelo RedETS - Rede Espanhola de Agências de Avaliação de Tecnologias e Prestação de Serviços de Saúde, na Espanha.
Além disso, na Alemanha5, há estudo que indica que 46% das prostatectomias realizadas em 2018 já eram realizadas na modalidade robótica, evidenciando a ampla adoção dessa tecnologia no país.
c) Alinhamento ao rol atual de procedimentos: A prostatectomia radical, incluindo a laparoscópica, já está contemplada no rol obrigatório. A modalidade robótica é apenas uma alternativa tecnológica que mantém o mesmo objetivo terapêutico, sem alterar a essência do procedimento, mas com benefícios adicionais que justificam sua inclusão.
d) Registro na Anvisa: Há registro do sistema robótico Da Vinci pela Anvisa, em suas versões de 3ª e 4ª gerações, no Brasil.
Portanto, à luz da legislação vigente, a incorporação da prostatectomia radical assistida por robô como uma modalidade de cobertura obrigatória pelos planos de saúde encontra respaldo legal. Especialmente considerando que órgãos internacionais de avaliação de tecnologias, como o NICE, já a implementaram, a modalidade robótica deve ser reconhecida como um aprimoramento técnico que beneficia diretamente os pacientes no âmbito da saúde suplementar no Brasil.
No que diz respeito à custo-efetividade no âmbito da saúde suplementar, é importante ressaltar que muitos hospitais em grandes centros urbanos já possuem o equipamento robótico, diferentemente do SUS, reduzindo os custos iniciais de aquisição. Assim, os custos recorrentes estariam, majoritariamente, relacionados à manutenção e operação, otimizando o uso dos recursos financeiros disponíveis.
Conforme as diretrizes do NICE, a diretriz britânica ressalta que a cirurgia robótica é uma opção viável para o tratamento do câncer de próstata localizado, desde que centralizada em hospitais ou centros especializados capazes de atender ao volume mínimo de procedimentos, calculados em 150 prostatectomias/ano.
O NICE, referência mundial, reconhece os benefícios da técnica robótica, incluindo recuperação acelerada e menor perda sanguínea. No setor privado brasileiro, a infraestrutura já permite a adoção da tecnologia, reduzindo os custos iniciais de aquisição.
No Brasil, país com dimensões continentais e uma alta prevalência de câncer de próstata, é plausível, em tese, alcançar e até mesmo superar a meta de 150 procedimentos anuais em grandes centros, especialmente com a concentração desses atendimentos em hospitais especializados. Esse cenário sugere que a incorporação da tecnologia robótica pode ser economicamente sustentável em grandes centros, desde que seja planejada e estruturada em locais com volume adequado de casos.
Conclusão
Diante do exposto, a prostatectomia radical laparoscópica assistida por robô constitui um avanço significativo no tratamento do câncer de próstata, ao unir a precisão cirúrgica com a preservação funcional e a melhoria na qualidade de vida dos pacientes. Embora a Conitec tenha rejeitado sua incorporação ao SUS devido a questões financeiras e à ausência de superioridade oncológica significativa em relação às técnicas convencionais, os planos de saúde privados estão em uma posição distinta, dado que contam com infraestrutura já disponível em grandes centros urbanos.
A cobertura desse procedimento pelos planos de saúde é plenamente compatível com a legislação vigente, especialmente à luz da lei 14.454/22, que determina a inclusão de tecnologias eficazes e recomendadas por órgãos de renome internacional, como o NICE. Ademais, os benefícios funcionais documentados, incluindo menor tempo de internação, preservação da continência urinária e da função sexual, justificam o custo inicial elevado, contribuindo para a sustentabilidade do setor suplementar e para a promoção de avanços na prática médica.
Assim, é fundamental que os planos de saúde revisem suas políticas para garantir equidade no acesso a essa tecnologia inovadora. A incorporação da prostatectomia robótica é não apenas um reflexo dos avanços da medicina moderna, mas também um imperativo em conformidade com os direitos dos consumidores, assegurando um tratamento seguro, eficiente e alinhado às melhores práticas internacionais.
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1 Essa busca fora realizada no dia 06/12/2024 utilizando como referência os termo "prostatectomia" e "robótica", conjuntamente.
2 Conitec. Relatório nº 366 de dezembro de 2018 - Sistema cirúrgico robótico para cirurgia minimamente invasiva: Prostatectomia radical [Internet]. Disponível em: https://www.gov.br/Conitec/pt-br/midias/relatorios/2018/recomendacao/relatorio_davinci_prostatectomia.pdf. Acesso em [06/12/2024]
3 Conitec. Relatório para a Sociedade nº 278, setembro de 2021. Prostatectomia radical assistida por robô em pacientes com câncer de próstata localizado. Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/Conitec/pt-br/midias/consultas/relatorios/2021/Sociedade/20210906_resoc278_prostectomia_cancer_final.pdf. Acesso em: 06 dez. 2024.
4 Thavaneswaran P. Robotic-assisted surgery for urological, cardiac and gynaecological procedures. Australian Safety and Efficacy Register of New Interventional Procedures - Surgical (ASERNIP-S). Rapid Review Report No 75, 2009
5 Kuklinski, D., Vogel, J., Henschke, C. et al. Robotic-assisted surgery for prostatectomy - does the diffusion of robotic systems contribute to treatment centralization and influence patients' hospital choice?. Health Econ Rev 13, 29 (2023). Disponível em: https://doi.org/10.1186/s13561-023-00444-9. Acesso em: 06/12/2024