Durante sessão de julgamentos, a desembargadora do TJ/BA Rosita Falcão criticou o sistema de cotas em universidades e concursos públicos, e afirmou que a política afirmativa “baixou o nível” de qualidade nas instituições públicas de ensino superior.
A magistrada afirmou que, antes da implementação das cotas, as universidades federais tinham “um nível fantástico”, e que atualmente, o desempenho acadêmico estaria comprometido. “Hoje em dia já não é tanto, os professores comentam o desnível, a falta de qualidade do estudante, porque o nível baixou.”
A desembargadora ainda mencionou que o sistema de cotas teria criado um “grande problema” no país, e que dividiu a população em vez de uni-la. "Acho que temos, sim, uma dívida grande com os negros, mas não é por aí que se paga", afirmou, dizendo que no Brasil se busca a “solução mais fácil”.
Veja o vídeo:
A magistrada também reforçou sua defesa da meritocracia, afirmando que ela é “importantíssima” tanto para o ingresso em universidades quanto em concursos públicos, independentemente da cor ou origem dos candidatos.
Reação
A OAB/BA emitiu nota repudiando as declarações e afirmando que têm teor elitista e racista. Disse que discursos discriminatórios contra as cotas não são fatos recentes, e que posicionamentos retrógrados sobre a matéria reforçam a necessidade de se memorar a Consciência Negra. "Manifestações que afrontam direitos fundamentais não podem ser confundidas com liberdade de expressão, ainda mais quando emanadas por uma representante do Poder Judiciário."
"As manifestações da desembargadora contra as cotas raciais, além do teor elitista e racista, concretizam o discurso discriminatório, afrontando a Constituição Federal e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, devendo ser veementemente repelida pelas instituições democráticas."
A entidade informou que a Procuradoria de Gênero e Raça da OAB/BA irá buscar as providências no TJ.
Leia a íntegra:
Novembro de 2024, Mês da Consciência Negra. Enquanto instituições públicas e privadas de todo o país reafirmam o compromisso com a promoção da igualdade e com a equidade de raça e gênero, a desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia Rosita Falcão declara em sessão de julgamento que “as cotas vieram mais para desunir do que unir a população”, e segue afirmando que “A Federal de Direito era excelente, hoje já não é tanto, porque todos os professores comentam o desnível dos estudantes, o nível dos estudantes baixou”.
Discursos discriminatórios contra as cotas raciais, que são medidas de reparação constitucionalmente asseguradas para efetivar a igualdade material, não são fatos recentes. Posicionamentos retrógrados sobre essa matéria reforçam a necessidade de se memorar a Consciência Negra, que esse ano foi celebrada pela primeira vez como feriado nacional.
Manifestações que afrontam direitos fundamentais não podem ser confundidas com liberdade de expressão, ainda mais quando emanadas por uma representante do Poder Judiciário.
Racismo é crime com especial tutela constitucional, imprescritível e inafiançável. O repúdio ao racismo é princípio estruturante da República Federativa Brasileira. E é compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil a obrigação de todas as autoridades públicas, nacionais e locais, se absterem de efetuar ato ou prática de discriminação racial contra pessoas, grupos de pessoas ou instituições.
As manifestações da desembargadora contra as cotas raciais, além do teor elitista e racista, concretizam o discurso discriminatório, afrontando a Constituição Federal e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, devendo ser veementemente repelida pelas instituições democráticas.
Ademais, as declarações contra as cotas ignoram dados e estatísticas recentes, na medida em que, de acordo com o Censo da Educação Superior divulgado este ano pelo INEP, estudantes cotistas que entraram na educação superior federal há dez anos tiveram uma taxa de conclusão de curso 10% maior do que os não cotistas entre 2014 e 2023.
Importa ainda destacar que as manifestações discriminatórias foram proferidas durante julgamento para enquadrar uma candidata aprovada em concurso do TJ-BA na lista de candidatos negros, o que revela o evidente despreparo da magistrada para tratar de tal questão, violando o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, recentemente aprovado, no último dia 19 de novembro, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), iniciativa alinhada às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já reconheceu que a questão racial deve ser considerada nos julgamentos. O fato reforça a importância do protocolo do CNJ, que visa justamente enfrentar e mitigar o racismo estrutural, institucional e todas as formas de discriminação deles decorrentes, promovendo uma aplicação das leis mais justa e inclusiva.
A Diretoria da OAB Bahia, a Comissão da Advocacia Negra, presidida por Jonata Wiliam Sousa da Silva, a Comissão de Promoção da Igualdade Racial, presidida por Camila Dias dos Santos Carneiro, a Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa, presidida por Máíra Santana Vida, e a Coordenação de Inclusão e Diversidade da OAB-BA, coordenada por Renata Cristina Barbosa Deiró, reafirmam seu compromisso com a promoção da igualdade racial e o fortalecimento da advocacia em toda a sua pluralidade, repudiando todas as manifestações discriminatórias e racistas, observando a Constituição Federal, que os representantes do sistema de Justiça e toda a cidadania brasileira devem respeitar e proteger.
O caso já foi encaminhado à Procuradoria de Gênero e Raça da OAB-BA, que adotará providências no TJ-BA.
Diretoria da OAB Bahia
Comissão da Advocacia Negra da OAB-BA
Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-BA
Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB-BA
Coordenação de Inclusão e Diversidade da OAB-BA