Concurso público: O problema da prova objetiva e a Justiça como solução
O trabalho vem abordar o concurso público, num contexto do problema da prova objetiva e a Justiça como solução. Incontáveis são os candidatos eliminados por problemas evidenciados em provas objetivas de concursos públicos.
segunda-feira, 6 de janeiro de 2025
Atualizado às 10:17
Introdução
Narra à história que no ano de 2002, tendo sido eliminado no concurso da Polícia Militar da Paraíba e entendendo ter sido vítima de uma ilegalidade, um candidato sem recursos financeiros procurou a defensoria pública para realizar a defesa do seu direito perante o Poder Judiciário. O objetivo era alcançar o sonho de retornar ao concurso (aqui nasce o direito subjetivo), concluir o curso de formação, ter um emprego e salários dignos para poder constituir o sonho de ter uma família e seguir a vida.
Não tendo obtido êxito com o pedido liminar, precisou vender o único bem para pagar um advogado particular que pudesse assumir o processo judicial, realizar a defesa técnica mais apurada em seu processo e conquistar o direito pleiteado.
O processo tramitava normalmente no Poder Judiciário e o candidato, então, aluno do curso de Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, andando nos corredores do CCHLA - Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, onde olhava capas de revistas e jornais a venda em várias bancas, teve sua atenção despertada ao observar a revista na capa da revista Veja manchete próxima a que segue: Presidente do Conselho de Psicologia condena exame psicológico em concurso público.
Após uma rápida leitura da matéria, ele correu para pedir dinheiro emprestado aos amigos tão necessitados financeiramente quanto, mas o suficiente para comprar a primeira revista de sua vida. Feito isto, ele pegou com força ele pegou essa revista em suas mãos e, mais uma vez, correu, agora, para o Escritório do advogado que havia contratado, dr. Renival Sena.
Afobado como só os jovens, ao encontrar o dr. Sena, esse candidato não parava de repetir: Doutor, eu não disse que eu tinha direito? Olha aqui a capa dessa revista! Eu tenho o direito de continuar no concurso porque eu fui ilegalmente eliminado.
Sem contestações sobre essa afirmativa, o fato é que esse candidato se tornou o primeiro paraibano eliminado no exame psicológico da polícia militar a retornar para o concurso, concluir o curso de formação e ingressar nas fileiras da corporação e isso se deu, irrefutavelmente, em virtude de suas convicções no direito subjetivo e na insistência provocada por suas pesquisas. Nasce aqui um estudioso do campo do concurso público.
Ainda a história testemunha que a Corporação Militar fora o trampolim na vida desse candidato, que além de ter se casado e constituído sua família, como sonhava, tornou-se um concurseiro profissional, realizado quinze concurso e obtido êxito em dez deles.
Mas suas conquistas não pararam por ai: esse candidato passou a ser professor de filosofia, sociologia, ética, direito, atuando em cursinhos, no ensino fundamental, médio e superior; tornou-se palestrante, pesquisador e escritor, além de um dos advogados de concurso público mais experiente do Brasil, atuando desde o ano de 2010.
Atualmente, além de continuar realizando as atividades voltadas a defesa do direito dos concurseiro, ele encontra-se residindo nos Estados Unidos, onde mantém realiza pesquisa sobre as formas de ingresso na polícia americana e outros temas do direito.
Agora o leitor deve indagar: mas o que essa história tem haver com o título deste artigo?
Fui eliminado na prova objetiva: devo recorrer ao Poder Judiciário?
Logo as informações serão suficientes à devida compreensão.
Prova objetiva: Conceito e características
A regra geral do ingresso no serviço público brasileiro é que o interessado deve passar em um concurso público, conforme norteia a Constituição Federal (Carvalho Filho, 2022, p.65):
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (EC no 18/98, EC no 19/98, EC no 20/98, EC no 34/2001, EC no 41/2003, EC no 42/2003 e EC no 47/2005)
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Grifo Nosso.
Nem todo concurso público precisa ou realizar várias fases até selecionar os aprovados, "melhores", mas todo concurso público, como regra, faz constar a fase da prova objetiva como parte integrante para selecionar os candidatos para determinado cargo (Cretella Júnior, 2020).
A prova objetiva em concurso público é uma espécie de avaliação produzida a partir de questões de múltipla escolha que devem apresentar, redundantemente, uma resposta objetiva, e cuja finalidade é avaliar o conhecimento dos candidatos em relação ao conteúdo especifico do cargo, sendo, portanto, por esse atributo conferido a ferramenta suficiente para se obter um resultado de uma "competição", onde o melhor é aquele que obtém a nota mais alta (De Moraes, 2022).
Entretanto, nem sempre o melhor é melhor o suficiente para preencher a vaga disponível. Isso ocorre, por exemplo, quando o candidato não alcança a nota de corte prevista no edital, mesmo que tenha obtido a melhor nota entre os candidatos do concurso.
Algumas das características das provas objetivas são (Carvalho Filho, 2022, p.236):
Formato: a prova objetiva pode apresentar o formado onde a questão pode apresentar várias respostas para a escolha de uma alternativa correta ou a questão pode apresentar duas respostas, verdadeira ou falsa, para que apenas uma entre elas possa ser escolhida.
Conteúdo: a prova deve ser realizada com base no conteúdo definido pelo edital do concurso, abrangendo disciplinas que tenha ligação com o cargo disponibilizado, não existindo qualquer sentido em se cobrar do candidato conhecimento de disciplinas que não tem qualquer relação com o cargo, por exemplo, exigir o conhecimento de física para o cargo de auxiliar administrativo.
A prova objetiva não pode conter questões não previstas no edital do concurso ou temas já superados.
Duração e o Peso de cada questão: a duração da prova pode varias conforme a quantidade de questões e a complexidade da prova. Assim também ocorre com o peso de cada questão que pode ser variado conforme a importância de cada disciplina relacionada ao cargo pretendido (Cretella Júnior, 2020).
A prova objetiva, portanto, é uma ferramenta de meritocracia cujo objetivo é selecionar os melhores para o cargo disponibilizado e, deste modo, imaginasse que o cidadão comum terá a seu dispor os servidores públicos mais preparados (De Moraes, 2022).
Prova objetiva: Vícios de nulidade
Por um lado, imagina-se que as questões contidas nas provas de concurso são construídas, sempre, por professores e autoridades no assunto que será avaliado. Por outro lado, sabe-se que as provas objetivas em concurso público apresentam uma infinidade de questões, existindo exemplos de provas com duzentas questões para o candidato responder (De Moraes, 2022).
Por outro lado, é humano pensar na possibilidade da existência de erros e vícios que podem acontecer na criação das questões e por tal motivo são capazes de macular irremediavelmente sua eficiência. Segundo Monteiro Lobato, aliás, "durante a revisão os erros se escondem, fazem-se positivamente invisíveis" (Carvalho Filho, 2022).
Entre os vícios que podem tornar determinada questão anulada estão os seguintes:
Nulidade por vício de erro na Fformulação de questões
Erro na formulação da questão por ambiguidade: a ambiguidade se revela em uma expressão, frase ou questão capaz de ser interpretada por mais de uma ótica ou versão, pois ela não apresenta um significado único. Uma questão ambígua, portanto, não é especifica e levando o candidato à dúvida na escolha de mais de uma alternativa, não devendo ele ser responsabilizado pelo erro no resultado de sua resposta apresentada (Cretella Júnior, 2020).
A ambiguidade pode ser lexical, quando uma palavra tem mais de um significado, por exemplo, na seguinte frase: "Ele viu o homem com o telescópio." Imagine-se que a pergunta é: quem estava usando o telescópio? Ele ou o homem? Observe-se que o candidato tem duas possíveis respostas, podendo ambas serem corretas, quando em regra a prova pede que apenas uma seja a correta (Fagundes, 2022).
A ambiguidade pode ser sintática em virtude da estrutura gramatica da frase. Veja a seguinte frase: "Eu gosto mais de meu pai do que de meu irmão". Essa frase, certamente, tem duas interpretações: a) eu gosto mais do meu pai do que do meu irmão; b) eu gosto mais do meu pai do que meu irmão gosta dele (De Moraes, 2022).
A ambiguidade pode ser pragmática, quando está relacionada ao contexto em que é utilizada, podendo ser mudada a depender da situação. Veja-se a frase "vamos ao banco". Que banco é esse? Pode ser o banco onde vamos sacar dinheiro, pode ser o banco da praça. Outra: "um homem mordeu o outro homem, com o chapéu". Quem está com o chapéu: o homem ou o outro?
Portanto, as ambiguidades devem ser anuladas, diante de sua capacidade de levar o leitor a ter dupla interpretação e conclusão sobre dada temática (Fagundes, 2022).
Erro na formulação da questão por contradição: A contradição ocorre quando no mínimo duas afirmativas, proposições ou ideias não logicamente opostas uma a outra ao mesmo tempo, tornando-as incompatíveis e incoerentes entre si, não sendo possível um resultado definitivo (Tourinho, 2023).
A contradição pode ser lógica: quando duas proposições se excluem mutuamente. Observe-se em uma questão a frase "Hoje é segunda-feira" e na mesma questão a frase "Hoje não é segunda-feira". É impossível qualquer conclusão sobre tal.
Contradição verbal: tem a mesma natureza e ocorre quando, por exemplo, alguém diz uma coisa e, em seguida, diz o oposto. "A comida estava deliciosa, mas eu não gostei de nenhum prato." Ora, como ele não gostou da comida se ao mesmo tempo afirma que ela estava deliciosa? (Fagundes, 2022).
Questões de provas que apresentam contradições geram dúvidas ao candidato, comprometendo a capacidade de escolher a uma só questão por isso, devem ser anuladas.
Erro na formulação da questão por falta de clareza: a clareza na constituição de uma questão é fundamental e pressuposto para garantir uma avaliação justa e eficaz no processo seletivo. A falta de clareza se revela por questões mal formuladas, fora do contexto ou que não fornecem informações suficientes, levando a impossibilidade de compreensão adequada da questão e, consequentemente, a erro (Pavan, 2023).
Imagine a questão: "O que significa isso?".
Percebe-se que algo precisa ser esclarecido. Antes do que significa isso, é preciso se especifica o que é "isso", pois, do contrário, a pergunta é ineficaz, por não ser clara. A inexistência de um contexto claro acerca da questão de pode irremediavelmente levar o candidato a ter que adivinhar a resposta, não sendo este o objetivo de qualquer prova (De Mello, 2023).
A utilização de termos vagos ou que não tem um significado claro, em questões, também refletem em falta de clareza, levando o candidato a possibilidade de escolher uma alternativa que no gabarito a coloca como errada. O uso de frases longas demais e complexas auxiliam na ausência de clareza sobre o que se pretende demonstrar pela questão apresentadas (Pavan, 2023).
Observe-se o exemplo: "Considerando que, em um cenário hipotético, um grupo de pessoas que se reúne frequentemente para discutir assuntos de interesse comum, qual seria a melhor maneira de abordar a questão da comunicação entre eles?"
Qual seria a resposta adequada?
O uso de termos técnicos em situações desnecessárias. Imagine uma prova para o cargo de escrivão de polícia e a questão a seguir: "Considerando que, em um cenário hipotético, um grupo de pessoas que se reúne frequentemente para discutir assuntos de interesse comum, qual seria a melhor maneira de abordar a questão da comunicação entre eles?"
Não tem sentido e torna a prova injusta, por exigir algo que não tem qualquer relação com o que se pretende do concurso e do cargo em disputa. Inexiste um estudo sobre o tema, mas o fato é que para mitigar esse problema é necessário que as provas passem por um rigoroso processo de revisão e o uso de linguagem adequada (De Mello, 2023).
Outros vícios que podem anular provas e/ou questões
Inclusão de matéria não prevista no edital do concurso: de que modo se pode pensar na possibilidade de cobrar de um candidato que tenha estudado um tema não previsto no edital do concurso? (Tourinho, 2023).
Por óbvio, é incabível exigir dos candidatos o preparo intelectual suficiente para responder questões cuja matéria não constam previstas pelo edital. É desejar o poder da onisciência. Incluir questões cuja matéria não está prevista no edital gera controvérsia e nulidade delas (Mello, 2022).
Embora o edital do concurso seja um mero contrato de adesão, criado e estabelecido de forma unilateral por quem organizou o concurso, portanto, restando longe de ser uma lei, conforme desejam alguns estudiosos e operadores do direito, ainda assim, como um contrato, deve ter suas cláusulas respeitadas pelas partes, prova objetiva só deve apresentar questões cuja matéria esteja prevista no ordenamento jurídico do concurso (De Mello, 2023).
O processo de seleção precisa resguardar, portanto, a transparência em todas as informações estabelecidas, a mais ampla publicidade e deve primar pelo princípio da legalidade. Logo, neste aspecto, as questões de provas de concurso devem apresentar matérias absolutamente vinculadas ao que consta no programa posto no edital, não havendo qualquer mínimo espaço para que a na prova se apresente algo fora do nele descrito (Mello, 2022).
Desatualização ou obsolescência: essas são as espécies de questões não mais relevantes ou precisas e cuja matéria, quando exposta em prova, prejudica a competência da avaliação e do candidato que não estudou o assunto. Um exemplo clássico que muito ocorre nos concursos são questões que trata de leis já revogadas (Cavalli, 2023).
Questão com mais de uma alternativa correta: é imperativo que as questões das provas sejam constituídas com clareza e rigor, sempre visando uma avaliação justa e precisa dos candidatos. Contudo, situações existem onde dada questão apresenta mais de uma resposta válida ou verdadeira o que compromete insofismavelmente o resultado qualitativo da avaliação, refletindo em confusão e insegurança por não alcançar um julgamento justo sobre o desempenho dos candidatos (Mello, 2022).
Violação aos critérios estabelecidos pelo edital: os critérios estabelecidos pelo edital do concurso refletem em um conjunto essência de normas e diretrizes que precisam ser respeitadas, quando inexistentes vícios de legalidade e constitucionalidade, pois, seu estabelecimento pode garantir uma avaliação justa e equitativa dos todos os candidatos (Alexandrino e Paulo, 2022).
É pelos critérios estabelecidos no edital que os candidatos são capazes de compreender plenamente o que se espera do processo seletivo, conferindo pelos parâmetros de avaliação, portanto, mudanças e surpresas inesperadas apenas fragilizam o procedimento (De Mello, 2023).
Erro de gabarito: Há situações em que o erro no gabarito da prova leva pode levar a nulidade da prova.
Erros na aplicação da prova:
Problemas logísticos: os problemas logísticos podem afetar não apenas a realização da prova, mas o desenvolvimento do candidato.
Entre alguns dos problemas logísticos consta a inadequada distribuição de materiais. Houve situações onde o horário da prova teve início, contudo, as provas sequer estavam a disposição dos fiscais para distribuição, enquanto em outros locais de prova, tudo corria normalmente. Em casos assim, evidentemente, o candidato passa a ficar preocupado com outros fatores que não deveriam ser importantes naquele momento, acaso essa espécie de situação ocorresse e quebra sua concentração (Cavalli, 2023).
Salas superlotadas também é um sério problema. Imagine você ter que fazer uma prova em uma sala onde o espaço é tão pequeno que sequer dá para você sentar confortavelmente na carteira. Em situações como essa, o candidato não tem o mínimo conforto necessário para se concentrar e realizar a prova, além do mais, basta que seu concorrente de uma simples olhadela de lado e pronto: terá acesso a sua prova e a forma pela qual você está respondendo as perguntas (Di Pietro, 2022).
E ainda nesse tema, há situações em que falta na sala de aula os objetos necessários para que a prova possa ser aplicada, como por exemplo, quadro, mesas, cadeiras, etc. o ambiente onde o candidato vai realizar a prova de concurso deve é precisa está em conformidade com o necessário para tanto. A ausência de alguns materiais necessários, logo, a depender da situação, pode levar a nulidade da aplicação da prova (Alexandrino e Paulo, 2022).
Outra situação que se encontra nesse tema é o problema de acesso ao local de prova, o que vai desde a falta de sinalização suficiente, inexistência de transporte ou até mesmo, pasme, a atuação do crime organizado. Imagine você ter que realizar a prova em um local onde você nunca esteve e, portanto, não conhece e que não o encontra, mesmo realizando pesquisas sobre ele? Imagine você viajar para outro Estado, com o objetivo de fazer uma prova e, chegando lá, tem conhecimento que a prova será aplicar em uma escola ou qualquer outro ambiente localizado em uma área dominada por facções criminosas. Caso assim, naturalmente, são suficientes para fazer com a organização do concurso adote medidas cabíveis a se evitar questionamento que possa levar a nulidade da prova (Gasparini, 2020).
Outro problema relacionado a logística do concurso ocorre quando a organização, após divulgar os locais de prova em faltando poucas horas para sua realização, modifica um local de prova, pegando todos os candidatos de surpresa. Alterações de local de prova, realizadas de forma inesperada e sem aviso prévio, refletem em graves prejuízos a inúmeros candidatos, causando confusão e stress desnecessário para o momento (Di Pietro, 2022).
Erros na impressão das provas: o erro na impressão da prova, provas borradas ou ilegíveis podem comprometer a clareza das questões, a capacidade interpretativa e levar o candidato a dúvidas insuperáveis e que podem lhe prejudicar no resultado final (Gasparini, 2020).
Erros gramaticais: o mesmo problema acontece com os erros gramaticais, pois eles são capazes de levar o candidato a uma interpretação errônea. As provas de concurso público devem apresentar padrões mínimos de qualidade evitando questionamentos legais sobre sua validade a necessidade de anulação da questão. É evidente que situações como essa diminuem a credibilidade do concurso, cujo objetivo e de selecionar os melhores a partir das melhores condições propostas (Gasparini, 2020).
Erro grosseiro: esse é um dos motivos que mais geram nulidade de questões em provas de concurso. O erro grosseiro reflete em falhas significativas e que comprometem a lisura do certame. Erro grosseiro pode incluir questões mal formuladas, erros de impressão, erros gramaticais. Eles confundem não apenas os candidatos, mas também os avaliadores, devendo ser anulados quando ocorrem (Cavalli, 2023).
Observe a proposição "os alunos que estudou para a prova". Ao ler tal, um candidato, mesmo que tenha estudado muito para o concurso, pode ser prejudicado por não entender o que está se passando, diante de tal situação. Em regra, quando situações como essa ocorrem, os candidatos costumam inclusive quebrar a concentração em que se encontrava, perdendo tempo desnecessário para tentar compreender o que de fato ocorreu com a questão, quando se dá conta tratar-se de um erro grosseiro (Di Pietro, 2022).
Imagine fazer uma prova de concurso onde o acesso ao local de prova está comprometido, a sala de aula apresenta pouco espaço entre as carteiras, a prova tem falhas na impressão e, ainda, existem questões com erros grosseiros?
Após realizar a prova, qual a impressão que fica sobre a empresa organizadora para o os próximos concursos?
Todos estes vícios podem refletir na ausência de qualidade da prestação do serviço realizado pela banca do concurso à sociedade, impactando e afetando negativa sensivelmente a confiança da sociedade no processo de seleção. Ademais disso, os vícios aqui evidenciados, por vezes, podem passar a ser precedentes para concursos futuros. Quando uma banca organizadora de prova objetiva evita anular uma questão, mesmo diante de vícios claros a olho nu, o que ela está fazendo entre os candidatos de concursos futuros é construir um sentimento de que falta organização, mas não apenas isso, transparência e apego a moralidade com a coisa publica (Alexandrino e Paulo, 2022).
Portanto, o que se espera de um concurso público, ambiente altamente competitivo, é que a organização do concurso prime pela moralidade e mantenha o máximo possível às condições minimamente aceitáveis para realização da prova. Por fim, à luz dos princípios da ética e da justiça nos processos seletivos, a anulação de questões anuláveis deve representar muito mais além que apenas a correção de dada questão, mas um imperativo que deve ser respeitado, pois, a busca pela clareza, objetividade e imparcialidade devem prevalecer em todo o processo de elaboração das provas (Cavalli, 2023).
Um diálogo sobre o problema da prova objetiva e a Justiça como solução
Ultrapassado os pontos apresentados e as diversas situações onde questões ou provas podem ser anuladas, passa-se ao diálogo estabelecido entre dois candidatos de concurso, Tícoi e Mévio, e um advogado especialista em concurso público, Caio.
Nesse diálogo, será exposto o problema da prova objetiva, o caminho da solução e a Justiça!
Tício e Mévio, eram dois primos que estudaram juntos na escola e assim pretendiam estudar para concurso público. Tício após verificar a publicação do edital de concurso, no ano de 2015, procurou Mévio e com ele comentou:
- Primo Mévio, a Polícia Militar publicou edital com abertura de 1000 vagas para o cargo de oficial, a prova terá 100 questões, cada questão terá cinco alternativas e apenas uma será a correta. Além disso, cada questão vale um ponto. E o concurso, Mévio, terá as seguintes fases: prova objetiva, exame médico, teste de aptidão física e exame psicológico. Vamos nos inscrever e estudar para esse concurso?
- Sim, esse será o nosso primeiro concurso. Já sabemos que todos eles são muito concorridos, mas vale a pena estudar, pois se não passarmos, ficará o conhecimento adquirido. Precisamos nos programa, desde agora, para todas as fases.
Assim, os primos realizam a inscrição no concurso e compareceram para fazer a prova objetiva, primeira etapa do certame.
Ao ser divulgado o resultado preliminar, analisando os dados, Tício comentou:
- O primeiro colocado na prova objetiva obteve 88 pontos. Já o aprovado na posição 2000, obteve 80 pontos.
- Isso demonstrando que o concurso foi muito acirrado Tício. Veja que os candidatos aprovados e classificados na posição 1000, obtiveram 82 pontos e que houve uma grande quantidade de candidatos empatados.
E continuou Mévio:
- Você, Tício, obteve 78 pontos, logo, por causa de 2 pontos, meu primo, você não foi considerado aprovado, que pena.
- É Mévio, estamos tanto. Por outro lado, você obteve 81 pontos. Essa nota te coloca na posição 1250, ou seja, entre os candidatos aprovados e habilitados para participarem da próxima etapa do concurso.
- É verdade Tício e eu acredito que logo estarei entre os classificados dentro do número de vagas, porque as próximas etapas eliminam muitos candidatos.
A banca do concurso ofertou dois dias para que os candidatos protocolassem seus recursos administrativos sobre a prova objetiva.
No You Tube, os primos acompanharam professores corrigindo as provas com a conclusão de que ao menos 09 (nove) questões deveriam ser anuladas, sendo elas as questões 01 e 07 de português, 14 e 15 de matemática, 36 e 37 de lógica, 71 de história, 80 e 95 de direito constitucional.
Sobre essa correção, Tício comentou:
- Eu não acertei as questões 01, 07, 15, 80 e 95. A nulidade delas poderia aumentar minha nota de 78 pontos para 83 pontos e, com isso eu sairia da situação de eliminado para a situação de aprovado dentro das vagas Mévio, veja que maravilha.
- É verdade primo. E eu não acertei as questões 01 e 36, são dois pontos que me também me colocariam dentro das vagas previstas pelo concurso, pois eu alcançaria 83 pontos. Como seria bom nós dois, no primeiro concurso, aprovado e realizando o curso de formação de oficiais, heim?
- É Mévio, vamos imaginar nós dois na Corporação Militar, andando fardado, pistola na cintura, respeitado pela sociedade. Logo, capital, major, coronel.
- Salário acima da médica Nacional é o que é melhor Tício: estabilidade. Ou seja, um emprego para o resto da vida. Bom demais.
Com a publicação do resultado da prova objetiva, veio o prazo para protocolar o recurso administrativo. Após o fim do prazo, Tício ligou para Mévio.
- Primo, pelo amor de Deus, eu perdi o prazo para protocolar o recurso administrativo, são cinco questões que podem mudar a minha vida e eu não tenho mais como questionar, o que vou fazer agora?
- Calma Tício, fica tranquilo, eu não fiz o recurso, também, e não estou preocupado com isso. Tem muitos candidatos na mesma situação e eu acredito que a maioria vai protocolar o recurso. Se a banca anular alguma questão a pontuação dele será distribuída para todos os candidatos.
- Você está certo, dileto primo, mas se das questões anuláveis existir alguma que ninguém queira recorrer, isso será um problema você não acha?
- Não sei, precisamos aguardar para entender a situação.
Após alguns dias, a banca do concurso divulgou o resultado final da prova objetiva e, como de praxe, manteve inalterado o gabarito inicial assim como a classificação geral do concurso fora mantida e Mévio se encontrou com Tício para dialogar sobre o resultado.
- Olha ai Tício, não falei: a banca do concurso não anulou nenhuma questão. É sempre assim meu amigo. Eu comecei a estuda para concurso agora, mas tenho pesquisado e visto que esse é o procedimento adotado pelas bancas de concurso. eu acredito que elas agem assim para fazer pensamos que não erram. Pura ilusão.
- Primo Mévio, você está aprovado. Eu, não. Eu já pesquisei na internet e encontrei um advogado especialista em concurso público, Caio. Vamos no escritório dele fazer uma consulta? Vamos levar o vídeo dos professores, mostrar os problemas contidos na prova e as questões que pode ser anuladas e escutar o que ele tem a dizer. Se for o caso, acionaremos a justiça. Vamos melhorar nossa nota, fazer o curso de formação e comemorar o resto da vida.
Sem qualquer animação, Mévio respondeu:
- Rapaz, não vou te acompanhar ao advogado. Acredito que no meu caso não precisa. Tenho certeza que vários candidatos serão eliminados e na próxima fase do concurso eu já estarei dentro das vagas. Sendo assim, eu prefiro guardar o dinheiro que iria gastar com advogados, para gastar com churrasco e cerveja, na comemoração da minha convocação para o curso. Mas, Tício, vá lá e me conta o resultado.
Tentando lhe convencer, Tício ainda argumentou:
- Rapaz, deixa de ser mesquinho. Nós nos planejamos para fazermos esse concurso. Juntamos dinheiro sabendo que teríamos gastos com a inscrição do concurso, com as aulas do cursinho, aulas de matérias isoladas, material de estudo. Economizamos para gastar com os exames de saúde, educador físico para o TAF, psicólogo para fazermos exames psicológicos. Temos algum guardado e, provavelmente, se for uma ação para nós dois, poderá ser mais em conta. Vamos lá comigo, primo!
- Como você mesmo já falou: se entrarmos nesse concurso, teremos um emprego para o resto da vida, logo seremos promovidos, teremos ótimos salários e estabilidade. Não posso deixar essa oportunidade passar. De fato, preciso ir ao um advogado de concurso.
Mesmo diante do apelo de Tício, Mévio, incrédulo com o Judiciário, lhe respondeu:
- Meu nobre primo, de fato, não irei te acompanhar. Eu acredito que temos direito, pois os professores foram bem claros quanto a nulidade das questões, mas eu não acredito na Justiça. É melhor eu esperar o resultado e ver se alguém vai conquistar esse direito e retornar ao concurso, pois, em todo concurso tem problema, mas nem em todo concurso o problema é resolvido. Agora, como você está eliminado do concurso, você deve mesmo ir falar com um advogado que seja especialista na área. Tem meio apoio moral.
Pois bem, embora Tício tenha perdido o prazo para promover o recurso administrativo, pensando, por isso, que também havia perdido o direito de questionar a prova, ele se dirigiu para uma consulta com um advogado, Dr. Caio.
Iniciado este momento e ainda as apresentações, o advogado, Dr. Caio, observou:
- Quero iniciar dando-lhes os parabéns. Tício, a grande maioria da população em geral acredita que um advogado é o advogado de todas as causas, o que é uma falácia. Veja, quando alguém tem algum problema de visão, não vai à procura de um ortopedista, cardiologista ou dermatologista, mas de um oftalmologista, pois esse é o profissional especialista em problemas da visão. A sociedade compreende isso, mas, muitas vezes parece não ter essa mesma compreensão quando se trata do mundo do direito e da procura de um advogado.
Tício:
Doutor, em pesquisei por um advogado especialista em concurso e cheguei ao seu nome, mas confesso que imaginava que no direito todos os advogados podem trabalhar em todas as ações.
- Tício, deixa eu te explicar: de fato, no Brasil, um advogado está habilitado para trabalhar em todas as ações, mas, veja escute esse caso que aconteceu comigo.
- Certo dia, recebi em meu escritório uma candidata eliminada no exame psicológico da polícia militar. Ao iniciar sua a consulta, essa candidata me afirmou que já havia realizado uma consulta com um advogado renomado da cidade, presidente da OAB e especialista em direito do consumidor, tendo explicado a ele os detalhes de sua eliminação do exame psicológico. Após ouvi-la, ele lhe informou que não adiantava judicializar questionando o resultado do exame psicológico, explicando que o poder judiciário não estava mais dando o direito aos candidatos eliminados nessa fase do concurso.
E continuou:
- Ouvi atentamente todos os detalhes de sobre o seu exame psicológico, fiz várias perguntas a ela, ao final, conclui que ela tinha um bom direito a ser conquistado nas vias judiciais. Ela me contratou, Tício e acionamos. De imediato, o que não é uma regra, conquistamos o pedido de tutela de urgência e ela retornou o concurso, realizou as demais etapas junto com os outros candidatos e, hoje, ela é sargento da Polícia Militar da Paraiba. Este é um fato real!
- Agora, veja, se essa garota não tivesse procurado um profissional especialista na área? Se sua intuição não tivesse a feito persistir no seu próprio direito, como estaria ela, hoje? Compreendes?
Tício.
- Que história bacana em doutor? Que bom que o senhor resolveu o problema dela.
- Tício, uma curiosidade para você. Eu costumo definir a escala de valores da vida da seguinte forma: a própria vida é, irrefutavelmente, o que temos de mais valoroso. Em segundo lugar, a nossa liberdade. Presos, não conseguimos realizar muitas atividades e, em terceiro lugar, em virtude das condições gerais do Brasil, eu entendo que um emprego é o que há de mais valoroso. Um salário acima da média e com estabilidade é capaz de mudar a vida de qualquer homem. Se você tem um bom emprego, você tem o conforto de poder acolher bem a sua família, melhor planejar os seus dias, a vida dos seus filhos, etc. Quando um cliente meu entende isso, inclusive, ele entende o valor do nosso serviço e, assim, consequentemente, conseguimos realizar um trabalho com mais atenção, dedicação e que nos traga melhores resultados, compreendes?
- Mas vamos retornar ao seu caso que é o que mais interessa. Afirmou o Dr. Caio.
Tício, então, narrou detalhadamente a situação da prova objetiva, mostrou o vídeo onde os professores fundamentam o motivo para anular cada uma das nove questões e, como o Dr. Caio já trabalhava com concurso desde o ano de 2010, tomou a palavra.
- Tício, pelo material que você apresentou, acredito que seu direito é muito bom e que você deve acionar o Poder Judiciário. Com a pontuação dessas questões, você vai figurar entre os classificados do certame e ser convocado para realizar as demais etapas.
Tício ficou extremamente feliz e perguntou:
- Doutor, então, nossa causa está ganha, não é? Com essa ação, eu já serei convocado para realizar a próxima etapa junto com os outros candidatos?
- Tício, atenção: embora o seu direito seja excelente, a advocacia é uma profissão que presta um serviço meio, ou seja, sob nenhuma hipótese, podemos afirmar o resultado final de uma ação. Afinal de conta: quem julga o processo é o Estado/Juiz, não nós advogados. Precisamos estudar bem o caso, fazer uma boa ação e adotar todas as diligências para convencer o Juiz sobre a nossa tese, porém, é ele quem julgar, ok?
- Com relação em ser convocado para realizar as demais etapas com os outros candidatos, compreenda: iremos fazer um pedido de tutela de urgência no processo, mas se ele não for deferido, só teremos um resultado no julgamento do mérito e, neste caso, é impossível prever um tempo para à sua conclusão.
E continuou:
- É que cada julgador tem sua própria metodologia de trabalho. Não sendo uma regra, uns trabalham de segunda a sábado, oito horas por dias. Outros não trabalham todos os dias e, às vezes, trabalham apenas quatro ou cinco horas. Uns tem quatro assessores, outros, apenas um ou dois. Diante disso, é impossível entendermos em qual tempo uma ação será julgada. Aliás, some-se ao fato de existir uma infinidade de processo que aumentam ainda mais a morosidade judicial, aliado a número de servidores insuficientes para atender as demandas. Portanto, é impossível descrever o tempo de tramitação de um processo.
Após os devidos esclarecimentos, satisfeito, Tício contratou os serviços do Dr. Caio, e, sob sua representação profissional, em fevereiro de 2015, o processo foi protocolado no Poder Judiciário, com pedido de tutela de urgência, cujo objetivo fora o de anular as cinco questões, conquistar suas pontuações, ser reclassificado, passando da condição de eliminado para a condição de aprovado e classificado.
No fórum onde seu processo tramitava, existiam cinco varas competentes para processar e julgar os processos protocolados pelos candidatos com o mesmo problema. No Tribunal, mais cinco desembargadores.
Estatisticamente, 3000 candidatos se encontravam prejudicados pelo resultado da prova objetiva e poderiam acionar o Poder Judiciário. Entretanto, apenas cerca de 50 candidatos acionaram o Poder Judiciário. Todos protocolaram ações com o mesmo pedido de tutela de urgência, ou seja, pedidos para anular questões, obter a pontuação e reclassificação no concurso.
Embora de fato existisse urgência no pedido e realmente latente o direito de Tício e dos demais candidatos, incrivelmente, nenhum dos juízes ou desembargadores deferiram o pedido de tutela de urgência, o que levou o Dr. Caio a comunicá-lo sobre essa situação que, ao saber da notícia ligou para Mévio.
- Mévio, o Dr. Caio acabou de me ligar. Ele informou que o juiz negou o pedido de tutela de urgência. Informou que fez um chamado de recurso de agravo de instrumento, mas que o desembargado manteve a decisão do juiz. Rapaz é como você falou, não existe justiça.
- Olha aí Tício: por isso que eu não quis ir com você até o advogado. Eu sabia que ele iria me convencer a entrar com a ação. Eu como eu falei, eu até acredito no direito, mas não a credito na justiça. Eu preciso desligar, pois vou ter que ir treinar para o teste físico. Tchau.
O concurso seguiu as demais fases conforme o cronograma apresentado pelo edital, tendo sido concluído e homologado com a convocação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas para participarem do curso de formação. Eles se formaram e assumiram seus postos de serviço com o fim de garantir a segurança pública. Mévio, apenas aprovado, por sua vez, não realizou o curso de formação, tendo sido, na prática, eliminado do concurso.
A cada mês Tício ligava para o Dr. Caio, para perguntar sobre o andamento do processo e ele apenas respondia que não havia nenhuma novidade. Com o tempo, Tício parou as ligações e sete anos se passaram sem que os primos tivessem passado em qualquer concurso.
Já em agosto do ano de 2022, liga o Dr. Caio:
- Tício, bom dia, como você estar? Já passou em algum concurso, estas trabalhando?
- Olá Doutor. Me encontro desanimado com concursos. Fiz alguns, mas sem bons resultados ainda, existe uma grande concorrência. Hoje eu me encontro ainda desempregado. Tive uma experiência profissional, mas trabalhava no shopping, de domingo a domingo, das 14h até as 22h, para receber um salário mínimo. Entendi que é melhor continuar estudando em busca de alcançar o sonho de passar em um concurso público assim estou fazendo, embora que eu esteja, hoje, acima do peso.
- Compreendo Tício. Então, veja, eu tenho duas notícias para você uma boa e um ruim. Qual você deseja saber primeiro?
- Doutor, eu nem sei mais, com o tempo passando e eu nessa situação, mas me conte primeiro a ruim, então. Só assim, no final, a boa pode melhorar o dia.
- Então Tício, a primeira notícia é que você vai ter que urgentemente praticar uma atividade física, baixar o peso e entrar em forma. Em regra, isso parece ser ruim para a maioria, mas, a segunda notícia, é que o nosso processo foi julgado e, acredite, conseguimos anular quatro das cinco questões, ou seja, você vai passar a ter 82 pontos, devendo ser convocado para realizar as demais etapas do concurso.
- Meu Deus do céu Doutor! O Senhor está brincando comigo ou está falando sério?
E continuou Tício:
Para ser sincero, eu nem mais acreditava nesse concurso. Nem lembrava dele. Aliás, eu deixei de ligar porque já tinha desistido dele e agora o Senhor me traz essa notícia? Eu preciso ligar para minha mãe e para Mélvio. Ele não vai acreditar nisso. Doutor, obrigado. Deixe-me fazer essas ligações e depois eu retorno para o Senhor.
O telefone de Mévio tocou e ele atendeu, e, antes mesmo de falar qualquer coisa, ouviu aos gritos:
- Mévio, ganhei aquela ação primo. Eu vou ser convocado para realizar as demais etapas daquele concurso. O Advogado acabou de me ligar com essa informação. Estou feliz demais!
- Tício, que felicidade cara. Rapaz, se você ganhou a ação, é porque eu também tenho o mesmo direito. Vamos correndo no seu advogado, agora, vamos lá?
Ambos de dirigiram ao Escritório do Dr. Caio que já os esperava. Entraram em sua sala, sentaram-se, o Dr. Caio deus os parabéns a Tício, quando foi interrompido por Mévio.
- Doutor, eu sabia que tínhamos direito. Eu estou na mesma situação que Tício e, com essa vitória, temos a certeza que tenho o mesmo direito. Eu gostaria de entrar com a mesma ação para poder fazer o curso de formação. Eu passei no concurso, mas não dentro das vagas e por isso eu não fiz o curso. O Senhor pode me ajudar.
Mévio e o Dr. Caio dialogaram por alguns minutos, onde perguntas e respostas eram realizadas, até que o Dr. Caio tomou a palavra e falou.
- Mévio, tenha calma e compreenda, conforme eu já afirmei, infelizmente, embora você tenha o mesmo direito que Tício, você não procurou o Poder Judiciário há tempo, e com isso houve a prescrição do seu direito. Infelizmente, não existe mais o que ser feito, no seu caso, assim como no caso dos outros. Mévio, "o direito não socorre os que dormem".
Naturalmente, essa resposta, além de ter conduzido Mévio a um estado de profunda revolta e tristeza, também o fez produzir incontáveis perguntas a Caio. Entre elas:
- Doutor, pelos deuses, fazemos parte de um grupo de Whatsapp. Sabemos que apenas 50 candidatos recorreram ao judiciário, quando tem 3000 candidatos na mesma situação. Eu não acionei a justiça porque estava aguardando um resultado nos processos dos outros. Me explique: por qual motivo a justiça está julgando procedente o mérito e concedendo o direito apenas agora, no ano de 2022, se no ano de 2015 ela negou o pedido de tutela de urgência feito por todos os candidatos?
Com parcimônia e muito prudente, Dr. Caio remeteu.
- Mévio, eu vou apenas fazer algumas hipotéticas perguntas e não vou precisar responde-las, pois, suas reflexões serão o espelho das melhores respostas.
- Mévio, você sabia que, etimologicamente, trabalho vem de tripallium, que é uma espécie de castigo? Sabendo disso, que homem verdadeiramente nasceu com o desejo de trabalhar?
- Não responda, apenas siga o raciocínio. Qual é o principio motivador a levar um homem ao trabalho?
- Se um homem tem um emprego que lhe gratifica com um super salário e o coloca na camada mais alta da sociedade, independente da quantidade de trabalho que precisa colocar em sua mesa, que motivo residiria em seu espírito o desejo de, exclusivamente e apenas por sua faculdade, colocar mais trabalho sobre ela?
Nessa hora, Mévio levantou a mão para responder, sendo parado pelo Doutor Caio.
- Calma Mévio, pois preciso ir mais além: claramente informou que estava aguardando o resultado positivo dos processos de outros candidatos para, só disso, você mesmo acionar o judiciário. Observe e considere: hipoteticamente eu sou um servidor público, conhecido por Juiz de direito. Mesmo sendo juiz, tenho metas para cumprir, impostas pelo CNJ.
- Imagine meu caro Mévio: sou Juiz e tenho dez mil processos na minha mesa para julgar. No ano de 2015, eu recebo uma ação desse concurso com um pedido de tutela de urgência para anular questões, considerar o candidato aprovado e classificado no concurso. Sobre o pedido de tutela de urgência, como juiz, tenho duas decisões a tomar: a primeira é indeferir o pedido e deixá-lo na sorte do recurso de agravo de instrumento. A segunda é deferir o pedido, anular a questão e determinar o retorno imediato do candidato ao concurso.
E continuou o advogado.
- O problema Mévio, é que seu eu deferir o pedido de tutela de urgência, com toda a certeza, da mesma forma que você estava esperando um resultado positivo para acionar o Poder Judiciário, em regra, os outros 3000 mil candidatos também estavam, compreende? Diante desse cenário, certamente, não terei mais dez mil processos para julgar, mas onze ou doze mil. Onde ficam minhas metas, com isso?
E concluiu o Dr. Caio.
- Então Mévio, se posso conceder o direito no ano de 2022, sem aumentar em absolutamente nada o meu trabalho, por qual motivo vou deferi-lo em 2015, meu amigo, me diga? Faz sentido, caro Whatsom?
- Afinal de contas: estamos no Brasil!
Conclusão
Conforme se verificou, inúmeros são os motivos que podem levar a nulidade de uma prova ou de questões de prova objetiva. Sabendo disso, um candidato de concurso público não deve baixar a cabeça diante de um resultado divergente de suas pretensões. Deve compreender que, sendo atendo a todas as nuances do concurso, sobre tudo a parte do direito que lhe assiste, ele pode vir a ter grandes chances de conquistar o direito perdido por intercessão do Poder Judiciário.
Sendo subjetivo, cabe ao candidato, e apenas a ele, em primeiro lugar, acreditar no seu direito, independente do que venha a ocorrer com outros candidatos, mesmo em situações idênticas.
Sendo necessário, um candidato preparado e que deseja superar todos os percalços do concurso, deve ter em seu planejamento a eventual necessidade de procurar um advogado que seja muito mais que um familiar ou amigo, mas que seja especialista em concurso público. Apenas esse profissional vai deter a experiência suficiente para compreender da melhor forma o problema relacionado ao concurso e saber que caminho adotar para solucioná-los.
E, por fim, sabe aquele candidato cuja história fora narrada na introdução desse trabalho e sabe a outra história, da candidata eliminada no exame psicológico, que procurou um advogado especialista em direito do consumidor e, depois, procurou o Dr. Caio?
Ambas as histórias são verídicas, exceto pelo nome do Dr. Caio, mero personagem criado para ilustrá-la, mas que, na vida real, é conhecido com o Dr. Ricardo Fernandes, Professor de Filosofia, Sociologia, Direito, Ética; Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Militar da Reserva, e, Advogado Especialista em concurso Público.
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Ricardo Nascimento Fernandes
Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.
Ana Paula Gouveia Leite Fernandes
Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.