O juiz do Trabalho Ricardo Gurgel Noronha, na época em que atuou na 6ª vara de Betim/MG, condenou empresa a pagar R$ 10 mil por danos morais a uma empregada que sofreu assédio moral ao ser chamada por dois encarregados de “equipe camarões”, em referência à cor da pele, e de “burra”.
A trabalhadora também obteve o reconhecimento da rescisão indireta do contrato, obrigando o empregador a pagar as verbas rescisórias como se ela tivesse sido dispensada sem justa causa.
Entenda
A empregadora, localizada em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, negou as acusações. Alegou que os encarregados também são negros, o que, segundo a empresa, inviabilizaria ofensas de cunho racial.
Afirmou ainda que as denúncias foram feitas em represália, após os encarregados emitirem uma advertência escrita à empregada.
No entanto, testemunhas confirmaram as acusações. “Um deles se referia às pessoas negras como ‘camarão’, ‘negona’ e ‘neguinha’; que chamavam a reclamante de burra; (…) isso acontecia na presença de todos os empregados”, relatou uma testemunha.
Um dos encarregados admitiu a prática. Disse que trabalhava na empresa há quase quatro anos, responsável pelo setor de manutenção. “(…) nós que somos do time dos camarões”, porque “só pessoas de cor morena que trabalhavam no setor”, afirmou.
Decisão judicial
O juiz concluiu que os depoimentos comprovam a injúria, inclusive racial, no ambiente de trabalho.
“As atitudes dos encarregados estão distantes do que se poderia considerar adequado e recomendável, sendo possível afirmar, inclusive, que a empresa deveria selecionar melhor os funcionários que ocupam cargos de chefia."
Para o magistrado, o respeito entre os colegas de trabalho, especialmente dos chefes, é o mínimo esperado, independente do grau de informalidade. “Definitivamente, não foi observado no presente caso”.
O juiz também criticou a defesa da empresa, destacando a falta de compreensão das questões étnicas no Brasil.
“As práticas dos encarregados não deveriam ser toleradas, tampouco justificadas ou minimizadas como brincadeiras, como pretendeu a defesa."
Com base nas alíneas “b” e “e” do artigo 483 da CLT, o juiz reconheceu a rescisão indireta, considerando o término da relação de emprego em 26/8/2024, data indicada pela defesa como início da suspensão das atividades da empregada. Determinou o pagamento das verbas contratuais referentes ao período de 18/8/2022 a 28/9/2024.
Foi ainda fixada a indenização de R$ 10 mil por danos morais. “Na hipótese, a conduta do empregado da empresa extrapolou os limites do poder diretivo, revelando-se ofensiva e humilhante”.
O magistrado apontou que não havia ferramentas de denúncia na empresa para prevenir essas práticas.
“Ao contrário, a prova testemunhal revelou que as injúrias eram praticadas na presença do sócio, que era, no mínimo, omisso em relação à situação”, declarou, julgando o valor da indenização compatível com o porte econômico da empresa, a gravidade da conduta e as finalidades compensatória e pedagógica da decisão.
“É inegável que a violação moral não é algo objetivo, avaliado no mercado e vendido na bolsa de valores. É segundo alguns, a ‘dor da alma’, nunca reparada nos moldes do dano material, mas compensável com a possibilidade de outras alegrias. A reparação deverá servir, também, como penalidade pedagógica, para que o responsável pelos danos reflita e modifique sua maneira de proceder, relativamente ao seu semelhante, respeitando, por conseguinte, os seus direitos, sem abusar das prerrogativas que lhe são conferidas pela lei, de forma a não mais ser o Judiciário obrigado a presenciar acontecimentos como o analisado neste feito”, concluiu o magistrado.
A decisão é definitiva, não cabendo mais recurso.
O juiz homologou um acordo entre as partes, cujo prazo para cumprimento ainda está em andamento.
- Processo: 0010886-11.2024.5.03.0163
Leia a decisão.
Com informações do TRT-3.