As negociações para um novo acordo de reparação pelos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, que devastou a região em 2015, continuam a avançar de forma célere. O governo, desta vez, afirma que a repactuação pode resultar em um acordo de até R$ 100 bilhões.
Apesar do volume expressivo de recursos previstos, a ausência de um fator crucial tem gerado apreensão: os atingidos, as principais vítimas da tragédia, estão fora das discussões.
Até o momento, a AGU, Ministérios Públicos Federal e estaduais (ES e MG), Defensorias Públicas e empresas como Samarco, Vale e BHP Billiton estão envolvidos nas negociações, mas os representantes diretos dos atingidos, que conhecem as dores e necessidades dessas comunidades, permanecem à margem.
Essa exclusão tem levantado preocupações não apenas sobre os termos do acordo, mas sobre como esses recursos chegarão efetivamente às mãos das pessoas que há quase uma década tiveram suas vidas irremediavelmente afetadas.
Com efeito, a falta dos atingidos no processo não só enfraquece a legitimidade do acordo, mas também aumenta o risco de que o Brasil enfrente repercussões internacionais negativas. Aliás, com uma ação marcada para ter início no próximo mês em Londres, em busca de indenizações para as vítimas, o cenário se agrava.
A impressão que se forma é de que, ou os atingidos são convidados a participar e têm suas vozes ouvidas, ou o país corre o risco de arcar com consequências ainda mais onerosas fora de suas fronteiras. E não apenas as empresas. Como as instituições governamentais estão, de certa forma, endossando o acordo, o Estado brasileiro também se tornará alvo de críticas.
Se, como diz o ditado popular, "quem paga mal, paga duas vezes", neste caso o pagamento pode ser sete vezes maior, considerando a valorização da Libra em relação ao Real.
Erros de percurso
Desde a tragédia de Mariana, várias tentativas foram feitas para criar sistemas de reparação que funcionassem de forma justa e eficiente. No entanto, o caminho foi marcado por erros significativos.
Após a assinatura do TTAC - Termo de Transação e Ajustamento de Conduta, foi criada a Fundação Renova para gerenciar 42 programas voltados à reparação dos danos.
O objetivo era claro: restaurar as comunidades atingidas e compensar as vítimas. Mas o que se seguiu foi um processo considerado pelos atingidos como extremamente burocrático e distante da realidade vivida por quem perdeu tudo.
A introdução de sistemas como o Novel, criado em 2020, deveria simplificar o processo, mas acabou sendo mais um capítulo de frustração.
O Novel deveria mostrar ao Judiciário inglês que alguma coisa funcionava. Com os avanços, até um juiz britânico de primeira instância chegou a determinar o arquivamento do processo. Mas diante do fracasso do sistema, os atingidos conseguiram depois reverter a decisão.
415553
O chamado sistema indenizatório simplificado foi amplamente criticado por impor valores e regras sem negociação, deixando as vítimas sem a possibilidade de debater os termos de sua própria compensação.
O Novel, que no princípio funcionou, enfrentou forte oposição judicial, com o Ministério Público Federal questionando sua validade. O sistema foi encerrado, deixando ainda mais clara a necessidade de uma abordagem que realmente inclua os atingidos no processo de decisão.
Esses fracassos, somados à falta de confiança nas instituições responsáveis, continuam a alimentar o sentimento de exclusão e desconfiança entre as vítimas. A história mostrou que soluções unilaterais não funcionam.
Se o novo acordo seguir pelo mesmo caminho, sem ouvir aqueles que foram diretamente afetados, corre-se o risco de repetir os erros do passado.
Ademais, se programas como Renova e Novel forem relançados, fatalmente não serão aceitos pelos atingidos, que já não confiam nessas iniciativas e se sentem desconfortáveis com o tratamento que receberam até o momento.
Para que o processo de ressarcimento seja efetivo, é necessário que haja uma abordagem mais humana, com líderes e entidades que tenham empatia pela causa e entendam as dores das comunidades afetadas.
FredaRio - A esperança de justiça
Nesse cenário, a FredaRio – Frente em Defesa dos Atingidos pelo Rio Doce – emerge como uma entidade fundamental e qualificada, representando mais de 320 mil pessoas impactadas pela tragédia de Mariana.
A FredaRio congrega uma rede ampla e diversificada, incluindo 22 associações que representam diretamente 20 mil atingidos, além de 374 advogados que atuam em nome de 300 mil vítimas.
Essa representatividade abrange todos os setores da sociedade: desde ONGs, federações, confederações, associações e sindicatos até pessoas físicas, jurídicas e cidadãos comprometidos com a defesa dos direitos dos atingidos.
O diferencial da FredaRio está não apenas em sua capilaridade, mas também na vivência real de seus líderes nas áreas afetadas. Bruna Ferraz Raggi e Richardeny Lemke, advogadas que têm atuado pelas vítimas desde o início, conhecem de perto o "cenário de guerra" deixado pelo desastre, o que lhes confere uma compreensão profunda das necessidades e expectativas das comunidades.
Sua liderança é um dos pilares que garantem que a FredaRio não seja apenas mais uma organização, mas uma voz forte e legítima na luta pelos direitos das vítimas.
Além dessas lideranças, a FredaRio conta com a advogada Ana Carolina Seleme, uma figura de grande relevância no cenário jurídico brasileiro. Seleme foi gestora do maior acordo coletivo da história do Judiciário brasileiro, que resultou na devolução de R$ 4,6 bilhões a mais de 300 mil pessoas, o Acordo Coletivo de Planos Econômicos.
Sua atuação à frente da Febrapo – Frente Brasileira pelos Poupadores, não só demonstrou sua capacidade de gerenciar acordos complexos, mas também fortalece ainda mais a credibilidade da FredaRio como a entidade mais qualificada para negociar em nome dos atingidos.
O caminho para a verdadeira reparação passa necessariamente pela inclusão dos atingidos nas mesas de negociação, e a FredaRio, com sua legitimidade e competência, é a entidade mais bem posicionada para garantir que as indenizações atendam às reais necessidades das comunidades afetadas. Sem sua participação, os atingidos permanecem marginalizados, sem voz direta que possa assegurar que suas reivindicações sejam atendidas de forma justa e transparente.
De fato, se continuarem excluídos desse processo, o Brasil não apenas arrisca a integridade do sistema de justiça, mas também alimenta a possibilidade de litígios internacionais, onde as vítimas buscarão, fora de suas fronteiras, a justiça que lhes foi negada em seu próprio país.
Nunca é demais lembrar: o maior desastre ambiental do Brasil
O rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015, marcou o maior desastre ambiental da história do Brasil e trouxe consequências devastadoras para milhares de pessoas. A tragédia, que começou em Mariana, Minas Gerais, rapidamente se espalhou por toda a Bacia do Rio Doce, atingindo dezenas de municípios em dois Estados – Minas Gerais e Espírito Santo.
Mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração foram liberados, destruindo vilarejos inteiros, como o distrito de Bento Rodrigues, e contaminando rios, solo e ecossistemas essenciais para a subsistência de diversas comunidades.
Os impactos humanos foram profundos e duradouros. Dezenove pessoas perderam suas vidas no desastre, mas as consequências não se limitaram a isso. Milhares de famílias foram deslocadas e perderam suas casas, propriedades, lavouras e fontes de renda.
Comunidades inteiras tiveram seus modos de vida alterados, em especial populações ribeirinhas, agricultores e pescadores que dependiam diretamente dos recursos naturais do Rio Doce.
A tragédia afetou também comunidades indígenas, como os Krenak, que mantinham uma relação espiritual e cultural com o rio, considerado um deus em suas tradições.
A contaminação do Rio Doce não apenas comprometeu o sustento dessas populações, mas também feriu profundamente a identidade cultural de povos que dependiam do rio para rituais religiosos e de passagem.
Além disso, a destruição ambiental deixou marcas difíceis de reparar. A lama tóxica percorreu cerca de 700 km até a foz do Rio Doce, no Espírito Santo, afetando ecossistemas inteiros, matando animais, poluindo mananciais e prejudicando a pesca, que era uma das principais atividades econômicas da região.
Estima-se que centenas de milhares de pessoas foram impactadas de forma direta ou indireta, incluindo pequenos agricultores, comerciantes e prestadores de serviços cujos negócios dependiam das comunidades locais.
Apesar das promessas de reparação, muitos atingidos seguem aguardando a devida indenização e a reconstrução de suas vidas. A sensação de abandono e a frustração com o processo de reparação é generalizada, o que apenas intensifica o trauma vivido por essas populações.
Mesmo após quase uma década, a luta por justiça e por um ressarcimento adequado continua. Para muitos, a vida nunca mais voltou ao que era antes da tragédia.