A desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockmann, da 5ª câmara do TRT da 15ª região, concedeu liminar aos Correios, suspendendo a limitação de processos atribuídos a advogado com burnout imposta por sentença de primeiro grau. Magistrada considerou que a decisão limitando os casos pode impactar em toda a organização do trabalho do setor jurídico da empresa, com possibilidade de atingir os demais empregados, de forma irreversível.
O caso teve origem na 6ª vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP, na qual foi reconhecida a existência de doença ocupacional de um advogado diagnosticado com síndrome de burnout. A sentença determinou que a empresa não deveria atribuir mais de 500 processos ao advogado, sob pena de multa diária de R$ 3 mil.
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A empresa recorreu, argumentando que a sentença comprometeria o poder de direção e gestão do empregador, afetando a organização do trabalho no setor jurídico da empresa e impactando outros empregados. O Correios solicitou a concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto contra a sentença.
A desembargadora, ao conceder a liminar, ressaltou que a tutela de urgência deve ser concedida quando há elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, conforme o artigo 300 do CPC.
Ela considerou que a limitação imposta comprometeria de forma irreversível a organização do trabalho no setor jurídico da empresa, justificando a suspensão da medida até o julgamento final do recurso.
A decisão destacou que a medida liminar é de caráter instrumental e visa assegurar a utilidade e eficácia da futura prestação jurisdicional, sem satisfazer o direito substantivo de imediato. A relatora reconheceu a plausibilidade do direito substancial invocado e o risco de dano ao resultado útil do processo.
Com a concessão da liminar, foi atribuído efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto pelo Correios, sobrestando-se a ordem de limitação da quantidade de processos atribuídos ao advogado até o julgamento final do recurso.
Acesse a decisão.
Relembre
No caso, o advogado contou que foi admitido em junho de 2012 como analista de Correios Júnior – Advogado e, em meado de maio de 2021, após adoecimento, procurou tratamento psiquiátrico, tendo sido diagnosticado com síndrome de burnout e indicado afastamento do trabalho por 90 dias.
Segundo o trabalhador, quando retornou ao trabalhou foi submetido a um volume superior ao do período anterior ao afastamento e sofreu assédio moral. O advogado destacou que as tentativas de equacionar a quantidade de processos de modo a preservar sua saúde e capacidade mental não foram atendidas, pelo contrário, foi tratado com agressividade e cobranças extras de forma desmedida e exposto a todos os colegas de trabalho.
Por fim, o trabalhador argumentou que, em 2022, passou a cuidar de 800 processos durante duas semanas, quando em 2013 tocava 350 processos. Após conseguir liminarmente limitar a 500 processos, os restantes foram distribuídos a outros advogados, sobrecarregando a equipe e gerando mal estar.
Ao analisar o caso, o magistrado de primeiro grau constatou perícia que concluiu que o trabalho contribuiu de forma alta e intensa para o agravamento do transtorno psíquico apresentado e das condições de saúde.
O magistrado ainda citou a audiência do trabalhador: "(...) desabafo do autor, em seu depoimento pessoal, carregado de fortes emoções que ainda são lembradas por este juiz, meses após a audiência trabalhista em que referido depoimento foi coletado".
Para o juiz, além de não resolver o problema crônico dos seus advogados trabalhistas, a empresa aumentou o sofrimento deles, pois passaram a ter que cuidar também de processos de natureza cível.
"Se o ideal é no máximo 500 processos e a empresa, inclusive pela redistribuição de trabalho, repassa a alguns advogados 800 – ou mais – processos, isso implica num aumento descomunal de 60% na carga de trabalho dos advogados. Simples assim!"
Burnout
Na análise da prova dos autos, o magistrado ressaltou que já se poderia perceber que o trabalhador se encontra esgotado e exausto pela quantidade de trabalho e pela forma como foi se avolumando, e que a causa de seu esgotamento está diretamente relacionada a tudo isso.
O magistrado observou que o perito concluiu que "é possível que o autor volte a apresentar incapacidade, caso seja novamente responsável pelo quantitativo de processos anterior".
Segundo o juiz, para se identificar as causas da síndrome de burnout é mesmo necessário realizar não somente a anamnese do trabalhador, mas principalmente a "anamnese" do seu ambiente laboral, como um todo, incluindo o quantitativo de serviços, as metas, as cobranças pelo seu atingimento, as relações interpessoais no ambiente laboral e, até mesmo, a jornada de trabalho.
"Se não houver causas extralaborativas importantes a contribuir para o surgimento da doença psíquica do trabalhador – excluídos, aí, fatores genéticos, algo muito abstrato –, e se houver a prova robusta de que fatores do ambiente de trabalho são decisivos para o esgotamento psíquico do trabalhador, não pode haver outra conclusão que não seja a de que esse trabalhador é, realmente, portador de síndrome de burnout."
Diante disso, o juiz determinou que a empresa proceda à distribuição de processos entre os advogados que não ultrapasse o quantitativo de 500 processos, que pague indenização por dano moral em R$ 200 mil e pensão mensal temporária, no valor correspondente à remuneração da época, devida no período de afastamento previdenciário.
- Processo: 0010405-39.2022.5.15.0113