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Avaliação psicológica em casos de burnout

Um laudo correto de identificação do Burnout se torna fundamental para que a pessoa busque tratamentos de saúde física e mental, além de atendimentos para toda a família, uma vez que o Burnout também interfere nas relações familiares, conforme veremos a seguir.

terça-feira, 4 de abril de 2023

Atualizado às 13:30

Olá colega Migalheiro!

No artigo de hoje, quero mencionar a importância da Avaliação Psicológica em casos de Burnout. Isso é muito importante porque, um laudo bem feito pode embasar processos judiciais indenizatórios em casos que envolvam assédio moral/sexual, discriminação, tratamento inapropriado (ex.: humilhação, hostilização, entre outras relações patológicas em ambiente de trabalho). Portanto, se torna uma ferramenta indispensável no Direito do Trabalho e no Direito Cível.

Por sua vez, um laudo correto de identificação do Burnout se torna fundamental para que a pessoa busque tratamentos de saúde física e mental, além de atendimentos para toda a família, uma vez que o Burnout também interfere nas relações familiares, conforme veremos a seguir.

Então, vamos iniciar nossa discussão falando do conceito científico do Burnout.

BRAUN e CARLOTTO (2014) mencionam autores que conceituam a Síndrome de Burnout (SB) como um fenômeno psicossocial que surge como resposta a estressores crônicos no trabalho, em profissionais que lidam com clientes de forma emocional, direta e constante.

No Brasil, a lei 3.048/99 (lei que regulamenta a Previdência Social), contempla a Síndrome de Esgotamento Profissional (burnout) como doença do trabalho. A SB é reconhecida como doença profissional, pelo Decreto-Lei 6042/2007, da Previdência Social.

Segundo LOPES e PONTES (2009), Burnout é uma expressão inglesa que significa "perder o fogo", "perder a energia". Existem várias definições e modelos/abordagens acerca da Síndrome de Burnout.

Atualmente, a definição mais aceita do Burnout é a fundamentada na perspectiva social-psicológica de MASLACH e cols. (2001), sendo esta constituída de três dimensões:

  • exaustão emocional: falta ou carência de energia, entusiasmo e um sentimento de esgotamento de recursos;
  • despersonalização: tratar os clientes, colegas e a organização como objetos (e sentir-se tratado como um objeto);
  • baixa realização pessoal no trabalho: tendência do trabalhador a se auto-avaliar de forma negativa, sentir-se infeliz e insatisfeita com seu desenvolvimento profissional.

As profissões mais vulneráveis são geralmente as que envolvem serviços, tratamento ou educação (MASLACH e LEITER, 1999).

Segundo RUDOW (1999 apud CARLOTTO, 2002), o processo do Burnout é individual e sua evolução pode levar anos e até mesmo décadas. Seu surgimento é paulatino, cumulativo, com incremento progressivo em severidade, não sendo percebido pelo indivíduo, que geralmente se recusa a acreditar estar acontecendo algo de errado com ele.

Na CID-11, pela primeira vez na série histórica deste documento, há a categorização da Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional. De acordo com a CID-11, a síndrome é caracterizada por três dimensões:

  1. sensação de enfraquecimento ou esgotamento de energia;
  2. aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho; e
  3. redução da eficácia profissional (MENDANHA, 2021).

Por outro lado, a SB não é descrita no principal catálogo de doenças mentais do mundo: o DSM-5 (APA, 2014), porém mais se aproximaria do Transtorno de Adaptação (Grupo 309). MENDANHA (2021, cit.) entende que não seria possível haver uma justaposição de diagnósticos entre a CID-11 e possivelmente o Transtorno de Adaptação (ou Ajustamento) ao trabalho, porque conforme a CID-11, antes de qualificar alguém com Burnout é preciso, primeiro, excluir a possibilidade de que esse indivíduo possa ter transtorno de adaptação (ou qualquer outro transtorno relacionado ao estresse), transtorno de ansiedade ou transtorno do humor.

Viram? Não é possível embasar qualquer processo judicial sem um laudo psicológico de qualidade, realizado por profissional experiente, que pesquise e estude continuamente para se aperfeiçoar, e que utilize os instrumentos corretos e específicos para o caso.

Tudo começa com boa entrevista. Já mencionei em outro artigo  que a entrevista e a testagem (utilização de instrumentos válidos e reconhecidos pelo Sistema SATEPSI-CFP) são importantes ferramentas do Psicólogo para uma Avaliação Psicológica fidedigna.

A entrevista pode ser: estruturada ou semi-estruturada. O importante é que o psicólogo não se atenha a uma única entrevista, pois nela há uma impressão de discurso ensaiado, defesas, situação artificial. É a partir da segunda entrevista que as defesas começam a cair, e o psicólogo experiente pode identificar conteúdos latentes (ocultos) por trás do discurso "prontinho".

A testagem é a utilização de instrumentos pelos psicólogos: testes, inventários ou escalas. O psicólogo deve conhecer bem o contexto em que utilizará tais instrumentos, sob os seguintes critérios:

  • Validade do instrumento conforme o sistema SATEPSI-CFP;
  • Idade, sexo, escolaridade e outras características (ex.: deficiências) das pessoas envolvidas;
  • Pertinência ao caso;
  • Análise dos resultados dentro do contexto, e não uma mera reprodução de informações psicométricas.

Para se avaliar o Burnout, realizam-se:

1.  Entrevista baseada na anamnese ocupacional (AMAZARRAY, CÂMARA, CARLOTO, 2014; JACQUES, 2007), visando enfocar:

  • Atividades laborais
  • Relacionamentos interpessoais no ambiente de trabalho;
  • Domínio que o trabalhador tem das atividades que deve desempenhar;
  • Condições físicas em que o trabalho é desempenhado;
  • Modo como o trabalhador se organiza (turnos, escalas, horários, duração das jornadas);
  • Processos vinculados às suas tarefas;
  • Hierarquias (oficiais ou não);
  • Avaliação de desempenho;
  • Feedback.

2. Identificação de cobranças psicoafetivas, mentais e físicas; estimativa de riscos inerentes às tarefas executadas, histórico clínico do trabalhador, em relação ao histórico laboral; organização e grau de autonomia do trabalhador no gerenciamento de suas atividades;

3. Visita ao local de trabalho, informações de terceiros, respostas aos quesitos e documentações complementares.

Ah, e lembrando! Não é apenas o perito quem faz a avaliação. Muitas vezes sou chamada como profissional particular para avaliar a pessoa que me contrata, para daí impulsionar a ação judicial cabível. Inclusive porque, em determinados casos, se torna uma questão de timing do quadro clínico: aproveitar para fazer a avaliação no momento em que os sintomas estão mais agudos, exatamente para não se permitir que se cronifiquem e se tornem tão graves que a pessoa enfrente dificuldade em tratá-los.

É isso o que eu queria expor neste artigo. Espero que tenham apreciado a leitura tanto quanto me é prazeroso escrever e contribuir para o debate saudável de ideias.

Até o próximo artigo!

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AMAZARRAY, M.R.; MACHADO, F.K.S.; MACHADO, P.A.B. Avaliação do assédio moral no trabalho. In: HUTZ, C.S.; BANDEIRA, D.R.; TRENTINI, C.M.; ROVINSKI, S.L.; LAGO, V.M. (orgs.). Avaliação Psicológica no Contexto Forense. Porto Alegre; Artmed, p.282-293, 2020. cap. 19.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5. ed. Porto Alegre, Artmed, p. 287, 2014.

BRASIL. Congresso Nacional. Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Disponível em: 

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm.

BRASIL. Congresso Nacional. Decreto nº 6.042, de 12 de fevereiro de 2007. Altera o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999, disciplina a aplicação, acompanhamento e avaliação do Fator Acidentário de Prevenção - FAP e do Nexo Técnico Epidemiológico, e dá outras providências. Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DEC&numero=6042&ano=2007&ato=b3eUTQE9ENRpWT090>.

BRAUN, A.C.; CARLOTTO, M.S. Síndrome de Burnout: estudo comparativo entre professores do Ensino Especial e do Ensino Regular. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). SP, v. 18, n. 1, p. 125-133, jan./abr. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pee/a/Bzqxn4F8yrXXRgnn3RgTnwF/?format=pdf&lang=pt.

LOPES, A.P.; PONTES, E.A.S. Síndrome de Burnout: um estudo comparativo entre professores das redes pública estadual e particular. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). São Paulo, v. 13, n. 2, p.275-281, jul./dez. 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pee/a/XKZj935dCySrJmm733qYcBc/?format=pdf&lang=pt.

JACQUES, M.G. O nexo causal em saúde/doença mental no trabalho: uma demanda para a Psicologia. Psicologia & Sociedade. Recife, n. 19, Edição Especial 1, p. 112-119, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/K5n86jfFsmCF6PDzLm9bjqk/?format=pdf&lang=pt.

MASLACH, C.; SCHAUFELI, W.B.; LEITER, M. P. Job burnout. Annual Review Psychology, 52, 397-422, 2001. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11148311/.

MASLACH, C.; LEITER, M. P. Take this job and ...love it. Psychology Today, n. 32, p. 50-57, 1999. Disponível em:

https://www.researchgate.net/publication/286013270_Take_this_job_and_love_it/link/5669df8b08aea0892c49c940/download.

MENDANHA, M.H. Onde Burnout estaria se fosse descrita no DSM-5? (parte 1). SaúdeOcupacional.org., 26/05/2021. Disponível em: https://www.saudeocupacional.org/2021/03/onde-burnout-estaria-se-fosse-descrita-no-dsm-5-parte-1.html

RUDOW, B. (1999). Stress and burnout in the teaching profession: european studies, issues, and research perspectives. In: VANDERBERGUE, R.; HUBERMAN, M.A. (Eds.). Understanding and preventing teacher burnout: a source book of international practice and research (pp.38-58). Cambridge: Cambridge University Press, apud CARLOTTO, M.S. A síndrome de burnout e o trabalho docente. Psicologia em Estudo. Maringá, v. 7, n. 1, p. 21-29, jan./jun. 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/hfg8JKJTYFpgCNgqLHS3ppm/?format=pdf&lang=pt.

Denise Maria Perissini da Silva

VIP Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica. Coord. PG Psic. Jur UNISA e UNIFOR. Prof. SEWELL/SECRIM. Colab. Comissões OAB/SP e "Leis & L.etras" Autora livros Psic. Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C.

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